A exigência da certidão de quitação de tributos devidos por empresas que pedem recuperação judicial está no centro de uma ação proposta no Supremo Tribunal Federal (STF) no começo de setembro. Uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) apresentada pelo Distrito Federal defende que as companhias apresentem Certidão Negativa de Débitos (CND) para entrarem em recuperação. Hoje, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dispensa essa obrigação.
A decisão pode afetar um número crescente de companhias que buscam a medida. Com a crise econômica, o volume de pedido de recuperações judiciais bateu recorde no país. Até agosto, foram 1.235 solicitações, segundo a Serasa Experian. Esse é o maior número no acumulado de janeiro a agosto desde 2006. Apenas 266 pedidos foram concedidos.
A procuradora explica que as dívidas tributárias têm um tratamento diferenciado dos outros créditos na recuperação judicial, uma vez que a Fazenda Pública não pode negociar os valores e participar das assembleias. Segundo ela, da forma como a lei é aplicada, a Fazenda tem perdido a preferência dos créditos e o mecanismo pode ser usado para não se pagar tributos.
Procuradores de outros Estados demonstraram interesse em participar da ação como amicus curiae (parte interessada), segundo Ulisses Schwarz Viana, presidente da Câmara Técnica do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (CNPGEDF). Por enquanto, ainda não ingressaram com pedido na ação no Supremo.
O Código Tributário Nacional (CTN) e a Lei nº 11.101 preveem que a concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, no momento da solicitação da medida. A Lei de Falências determina ainda que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pela recuperação judicial – com exceção dos casos de parcelamento.
Atualmente, porém, praticamente 100% dos juízes dispensam a CND para a concessão da recuperação judicial, afirma o especialista na área, Julio Mandel, do escritório Mandel Advocacia.
O Superior Tribunal de Justiça entende que não se pode exigir qualquer demonstração de regularidade fiscal das empresas em recuperação judicial. A 2ª Turma, em decisão de outubro de 2015 por exemplo, decidiu nesse sentido. Na época, o relator, ministro Herman Benjamin, destacou que a jurisprudência do STJ "tem-se orientado no sentido de se viabilizarem procedimentos aptos a auxiliar a empresa nessa fase".
Os precedentes do STJ terão que ser enfrentados pelo Supremo, segundo José Roberto Assad, especialista em recuperação judicial do Luchesi Advogados. "O STJ destaca a necessidade de dar meios para a empresa se recuperar", afirma.
Há um elemento novo na discussão. Em 2014, a Lei nº 13.043 instituiu um programa federal de parcelamento tributário especial para as empresas em recuperação judicial. A falta de parcelamento especial era um importante argumento das empresas contra a exigência de certidão de regularidade fiscal. Por enquanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já julgou o assunto após a lei e manteve o entendimento que dispensa a apresentação de certidão de regularidade fiscal para a homologação de plano.
O parcelamento proposto pela Lei 13.043 é bastante criticado pelos advogados da área. Uma das reclamações é sobre o limite de 84 parcelas, inferior a de outros programas. "O parcelamento ainda está muito confuso", afirma Mandel. Não há programas para dívidas com Estados e municípios, segundo o advogado, além de o pagamento não levar em consideração o faturamento das companhias. "Não conheço empresa que tenha aderido."
O pedido do Distrito Federal no Supremo deixou em alerta os advogados da área. "Exigir certidão negativa para a recuperação ser aceita afasta a vontade do legislador", defende o advogado Rodrigo Eduardo Quadrante, especialista em recuperação judicial do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados. É de se presumir que a empresa que pede recuperação judicial tenha dívidas fiscais, acrescenta o advogado.
Além da homologação da recuperação judicial, outro ponto abordado na ação declaratória de constitucionalidade – a execução pela Fazenda Pública de dívidas tributárias durante a recuperação – também já tem entendimento do STJ favorável às empresas, conforme Quadrante.
Precedente da 2ª Seção do STJ estabeleceu que, embora a recuperação judicial não suspenda a execução fiscal, são vedados atos judiciais que reduzam o patrimônio da empresa enquanto estiver nessa condição.
"É uma falta de sensibilidade da procuradoria [do Distrito Federal] querer, neste momento de crise, quebrar empresas por impostos passados", afirma o advogado Julio Mandel. O pedido do Distrito Federal na ADC passa uma insegurança jurídica "enorme" aos demais credores, segundo Mandel, que critica a postura de entes públicos durante processos de recuperação judicial.
Por Beatriz Olivon | De Brasília
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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