quarta-feira, 2 de abril de 2014

02/04 Entidades beneficentes: contribuição para o PIS e imunidade (Transcrições)

VOTO: Trata-se de recurso extraordinário interposto pela União (Fazenda Nacional), fundado no art. 102, III, “a”, da Constituição contra acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, assim ementado:

CONTRIBUIÇÃO PARA SEGURIDADE SOCIAL. ENTIDADE FILANTRÓPICA. IMUNIDADE DO ART. 195, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 55 DA LEI Nº 8.212/91. ART. 1º DA LEI Nº 9.738/98. INAPLICABILIDADE DO CTN. LEI COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA. REQUISITOS CUMULATIVOS. IMUNIDADE RECONHECIDA.

A imunidade frente às contribuições de seguridade social, prevista no art. 195, § 7º, da CF, está regulamentada pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91, em sua redação original.

A mudança pretendida pelo art. 1º da Lei nº 9.738/98 nos requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/91, está suspensa, conforme decidiu o STF no julgamento da medida cautelar na ADIN nº 2.028-5 (Rel. Ministro Moreira Alves, DJU 16.6.2000).

O art. 55 da Lei nº 8.212/91 também foi alvo de Argüição de Inconstitucionalidade (Apelação Cível nº 2002.71.00.005645-6), a qual foi rejeitada na sessão de 22.02.07 pela Corte Especial deste Regional. Tinha o incidente como objeto a inadequação formal da norma, ou seja, a necessidade ou não de Lei Complementar para veicular a matéria. Restou, pois, pacificado neste Tribunal que lei ordinária, no caso a de nº 8.212/91, pode estabelecer requisitos formais para o gozo de imunidade sem ofensa ao art. 146, inciso II da Constituição Federal. As prescrições do CTN (arts. 9º e 14) não regulamentam o § 7º do art. 195 da CF, uma vez que relativas a impostos e não a contribuições sociais. As entidades que promovem a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, somente farão jus à concessão do benefício imunizante se preencherem cumulativamente os requisitos de que trata o art. 55 da Lei nº 8.212/91, na sua redação original, e estiverem enquadradas no conceito de assistência social delimitado pelo STF.

No caso vertente, a entidade preenche os requisitos da Lei nº 8.212/91, uma vez que comprovou as declarações de utilidade pública. Ademais, a entidade é portadora do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, tendo juntado certidão que comprova o protocolo de pedido de renovação do documento no Conselho Nacional de Assistência Social. Quanto aos estatutos, a Associação não remunera seus diretores, aplica integralmente suas rendas, no país, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais e sem a distribuição de lucros.

A decisão que admitiu o apelo extremo foi vazada nos seguintes termos:

Torno sem efeito o decisum de fl. 274 e passo a reexaminar a admissibilidade. Trata-se de recurso extraordinário interposto com apoio no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido por Órgão Colegiado desta Corte, que reconheceu em favor da parte autora imunidade em relação a contribuições destinadas à Seguridade Social.

A recorrente aponta violação ao art. 195, § 7º, da CF, afirmando inexistir regulamentação para a fruição de imunidade quanto à contribuição para o PIS. O Supremo Tribunal Federal, em alguns casos, tem recusado a distribuição dos recursos extraordinários versando sobre a matéria em debate (imunidade das instituições assistenciais quanto ao PIS) determinando a devolução dos autos a este Regional, com referência ao RE 566.622/RS, que trata da necessidade de edição de lei complementar para regulamentação da imunidade prevista no art. 195, § 7º, da CF. Ocorre que a discussão central do presente recurso (extensão da imunidade prevista no art. 195, § 7º, da CF em relação à contribuição para o PIS) não está abrangida no referido recurso paradigma. Com efeito, a tese da parte recorrente é no sentido da inexistência de regulamentação referente à imunidade postulada relativamente ao PIS. Assim sendo, não é possível a aplicação dos procedimentos previstos no art. 543-B, do CPC. Ademais, há decisões recentes do Pretório Excelso, proferidas pelos Ministros Joaquim Barbosa e Dias Toffoli (RE 593.522/RS, DJ de 06/05/2010; RE 581.573/RS, DJ de 26/05/2010; RE 569.137/RS, DJ de 15/12/2010), onde foi processado e julgado o recurso extraordinário que versava acerca da mesma matéria (imunidade em relação à contribuição ao PIS). Assim sendo, verifica-se não haver orientação unânime do STF em relação ao procedimento a ser adotado. Portanto, o recurso merece prosseguir, tendo em conta o prequestionamento da matéria relativa aos dispositivos supostamente contrariados, não envolvendo exame de provas. Além disso, encontram-se preenchidos os demais requisitos de admissibilidade.
Ante o exposto, admito o recurso extraordinário. Intimem-se.

Nos presentes autos, a União sustenta a inexistência de lei prevendo os requisitos para a configuração de imunidade para as entidades beneficentes de assistência social, em relação à contribuição ao PIS, como exigido pelo art. 195, § 7º, da Constituição Federal, pois este dispositivo consubstanciaria norma de eficácia limitada. Segundo a recorrente, o art. 55, da Lei nº 8.212/91, não poderia ser invocado, máxime porque seu âmbito de incidência não abrangeria a contribuição ao PIS.

Com relação às afirmações que afetam o julgado subjetivamente, inexiste contradita pela recorrente, devendo-se, in casu, aplicar o direito ao caso concreto, restando a parte objetiva do decisum como a interpretação da Suprema Corte sobre o tema posto no Plenário Virtual. Assim, o presente decisum será cingido em duas partes, uma relativa ao caso concreto, e outra relativa à tese objetivada na presente repercussão geral.

Nesta linha de decidir, trago excertos do voto do Min. Gilmar Mendes, nos autos da Questão do Ordem no AI 760.358/SE, Tribunal Pleno, Dje 11/02/2010:

A situação que ora se examina sinaliza o início da segunda fase da aplicação da reforma constitucional que instituiu a repercussão geral, dando origem a um novo modelo de controle difuso de constitucionalidade no âmbito do Poder Judiciário.
(...)
E quanto à abrangência da decisão desta Corte, vale registrar que temos assentado constantemente, nos julgamentos de repercussão geral, que a relevância social, política, jurídica ou econômica não é do recurso, mas da questão constitucional que ele contenha.
(…)
Quando dizemos que a lei municipal X é inconstitucional por instituir o IPTU progressivo, temos que admitir que essa decisão seja válida, como leading case, para solucionar todos os processos em que se questione a constitucionalidade do IPTU progressivo, ainda que originada de leis de outros municípios. Se a questão constitucional for a mesma, a decisão se aplica, não importando os múltiplos argumentos laterais que se possam agregar à discussão, na tentativa de reabri-la indefinidamente.
(…)
É plenamente consentânea, portanto, com o novo modelo, a possibilidade de se aplicar o decidido quanto a uma questão constitucional a todos os múltiplos casos em que a mesma questão se apresente como determinante do destino da demanda, ainda que revestida de circunstâncias acidentais diversas.

Se houver diferenças ontológicas entre as questões constitucionais, obviamente caberá pronunciamento específico desta Corte. (…)

Quanto à natureza jurídica deste tributo, relevante fazer pequeno escorço de direito comparado (PAULSEN, Leandro – VELLOSO, Andrei Pitten. Contribuições. Teoria Geral. Contribuições em espécie. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 13 e ss.).

Os clássicos italianos evidenciam ser antiga a controvérsia acerca da autonomia tributária das contribuições sociais. TESORO concebia as contribuições especiais (imposte speciali) como uma categoria autônoma, a qual se caracterizava pela sua afetação à realização de finalidades bem definidas, razão pela qual se confundiam com os impostos de escopo (TESORO, Principi di diritto tributario, 1938, p. 558, apud FANTOZZI, Augusto. Il diritto tributario. 3ª ed. Torino: UTET, 2003, p. 72).

GIANNINI via nas contribuições uma categoria autônoma, intermediária entre os impostos e as taxas, denominado-as tributi speciali (GIANNINI, Achilie Donato. I conceti fondamentalidel diritto tributario. Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1956, p. 93). BERLIRI negava autonomia às contribuições (contributi ou tributi speciali), incluindo-as na categoria dos impostos (BERLIRI, Antonio. Principi di diritto tributario. Milano: Giuffrè, v. I, 1952, p. 206).

Esta é a posição atual da doutrina italiana, a qual rechaça a sua autonomia e a sua natureza tributária, concepção confirmada pela Corte Costituzionale ao negar o seu caráter tributário. Este tributo vem sendo suprimido paulatinamente do sistema tributário italiano, em especial por conta da reforma tributária implementada pela Lei Delegada 825/71, a qual orientou a sua substituição por impostos.

Na Espanha, a Ley General Tributaria de 2003 classifica os tributos de forma tripartite, dividindo-os em impostos, taxas e contribuições especiais. LAPATZA anota que as contribuições especiais do direito espanhol acolheram o conceito elaborado pela ciência econômico-financeira, com características que a assemelham a uma contribuição de melhoria (FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financiero español, 24 ª ed. Madrid: Marcial Pons, v. I, 2004, p. 206/207).

Na Alemanha, a Ordenação Tributária de 1977 contém apenas a definição legal do imposto, cerne do sistema tributário alemão. Os demais tributos são relegados a segundo plano, meras figuras marginais do sistema tributário. Não obstante, a doutrina e a jurisprudência, já em 1961, reconhecem a existência das taxas e das contribuições (BverfGE13, 181(198)) como espécies tributárias autônomas.

O ponto relevante é que o sistema normativo alemão reconhece, também, a existência de impostos finalísticos, que se caracterizam por serem atrelados a prestações ou finalidades estatais específicas. Já as contribuições são concebidas como tributos exigidos para financiar despesas do Poder Público que possam propiciar vantagens específicas a contribuintes determinados, com traço distintivo frente aos impostos por possuir caráter contraprestacional ou compensatório (BverfGE 11, 105, (115-116)).

Em Portugal, a Lei Geral Tributária faz referência a três espécies tributárias, impostos, taxas e contribuições, remetendo a regulação destas à lei específica. Não obstante, não segue um purismo conceitual, ao inserir certas contribuições especiais na categoria dos impostos. Nesta linha, defendendo tão somente a existência de impostos e taxas, em classificação bipartite, NABAIS (NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 257-258). Em que pesem estas disposições normativas, parcela da doutrina portuguesa vislumbra traços caraterísticos próprios na estrutura normativa das contribuições especiais, que lhe confeririam autonomia (CAMPOS. Digo Leite de. Manual de Direito Tributário. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 61), o que retrata a indefinição do tema.

O PIS, espécie tributária singular contemplada no art. 239, CF/88, não se subtrai da concomitante pertinência ao gênero (plural) do inciso I, art. 195, CF/88, verbis:

Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)...

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 239, destinou o produto de sua arrecadação a financiar o programa do seguro-desemprego, que se inclui no âmbito da previdência social (art. 201, IV, CF).

A Suprema Corte bem delimitou o seu entendimento quanto ao enquadramento da contribuição ao PIS como contribuição da seguridade social, em voto da lavra do Min. Carlos Britto, no julgamento da AC 271-QO/PR, 1ª Turma, Dje 11/02/2005, ao colacionar diversos precedentes sobre o tema, verbis:

(...) “No julgamento plenário do RE 148.754, destacam-se as seguintes passagens do voto do Relator do Ministro Carlos Velloso:

‘O PIS e o PASEP passam, por força do disposto no art. 239 da Constituição, a ter destinação previdenciária. Por tal razão, as incluímos entre as contribuições de seguridade social (...) O que acontece é que a Constituição de 1988, no art. 239, recepcionou o PIS tal como o encontrou em 5.10.88, dando-lhe, aliás, feição, conforme acentuei, neste Plenário, por ocasião do julgamento do RE nº 138.284-CE, de contribuição de seguridade social, já que lhe deu destinação previdenciária.’

Mais recentemente, no exame do RE 224.957 AgR, Relator Ministro Maurício Corrêa, a Segunda Turma assentou que “a COFINS e a contribuição para o PIS, na presente ordem constitucional, são modalidades de tributo que não se enquadram na de imposto, e como contribuições para a seguridade social não estão abrangidas pela imunidade prevista no artigo 150, VI, da Constituição Federal...”

No mesmo sentido, o RE 469.079-ED/SP, Relator o Ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ 16/06/2006, conforme excerto que ora transcrevo:

Em outras palavras, é equivocada a leitura da agravante, a partir dos precedentes do Pleno desta Corte, no sentido de que “cada uma das contribuições é exigida com fundamento em normas constitucionais de competência distintas”. Em realidade, toda a jurisprudência do Tribunal, na matéria, está orientada no sentido de que a pertinência do PIS à “espécie” (singular) do art. 239 não lhe subtrai da concomitante pertinência ao “gênero” (plural) do inciso I do art. 195. (grifo nosso)

As limitações constitucionais ao poder de tributar são o conjunto de princípios e demais regras disciplinadoras da definição e do exercício da competência tributária, bem como das imunidades (DERZI, Misabel Abreu Machado in BALLEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 14). O art. 146, II, CF/88, regula as limitações constitucionais ao poder de tributar reservadas à lei complementar, até então carente de formal edição.

A isenção prevista na Constituição Federal, art. 195, § 7º, tem o conteúdo de regra de supressão de competência tributária, encerrando verdadeira imunidade. As imunidades têm o teor de cláusulas pétreas, na forma do art. 60, § 4º, da CF/88, tornando controversa a possibilidade de sua regulamentação através do poder constituinte derivado e/ou ainda mais, pelo legislador ordinário (ADI 2.208 MC, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno, DJ 08/03/2002).

A imunidade prevista no art. 195, § 7º, CF/88, tem o sentido daquela prevista no art. 150, VI, c, CF/88, relativa aos impostos, estas já reconhecidas pela Suprema Corte como expressões dos direitos fundamentais (ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, Plenário, DJ 18/03/94).

A expressão “isenção” equivocadamente utilizada pelo legislador constituinte decorre de circunstância histórica, porquanto versa o tema de verdadeira imunidade. O primeiro diploma legislativo a tratar da matéria foi a Lei nº 3.577/59, que isentou a taxa de contribuição de previdência dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões às entidades de fins filantrópicos reconhecidas de utilidade pública, cujos membros de sua diretoria não percebessem remuneração, verbis:

Art. 1º Ficam isentas da taxa de contribuição de previdência aos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões as entidades de fins filantrópicos reconhecidas como de utilidade pública, cujos membros de suas diretorias não percebam remuneração.
Art. 2º As entidades beneficiadas pela isenção instituída pela presente lei ficam obrigadas a recolher aos Institutos, apenas, a parte devida pelos seus empregados, sem prejuízo dos direitos aos mesmos conferidos pela legislação previdenciária.(...)

Como a imunidade às contribuições sociais somente foi inserida na na CF/88, em especial no § 7º, do art. 195, a transposição acrítica do seu conteúdo, com o viés do legislador ordinário de isenção, gerou esta controvérsia, já superada pela jurisprudência desta Suprema Corte no sentido de se tratar de imunidade.

Ademais, foi o art. 2º da referida lei que originou a cobrança discutida nestes autos, obrigando o recolhimento da parte devida pelos seus empregados, i.e., o pagamento de uma espécie de contribuição sobre a folha de salários. Como inexistia regra constitucional de imunidade, esta hipótese de incidência era válida. Sob o regime constitucional atual, não.

No MI 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ 27/03/1992, esta Corte reconheceu que o direito à imunidade de que trata o art. 195, § 7º, da Constituição Federal, é anterior à regulamentação legal, tanto que declarou o estado de mora do Congresso Nacional e determinou que no prazo de seis meses fossem adotadas as providências legislativas cabíveis, sob pena de, vencido o prazo, “passar o requerente a gozar da imunidade requerida”, como se vê da ementa do julgado:

Mandado de injunção. - Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no par. 7. do artigo 195 da Constituição Federal. - Ocorrência, no caso, em face do disposto no artigo 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providencias legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, par. 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida.

Ultrapassada a questão processual acerca do cabimento do mandado de injunção, adentrou-se na questão de fundo, ou seja, o da natureza da norma constitucional continente dessa imunidade tributária. O Plenário, por maioria, entendeu que se tratava de norma de eficácia limitada, estrutura jurídica sem suficiente densidade normativa a reclamar, necessariamente, ato de mediação legislativa que lhe complementasse o próprio conteúdo normativo.

Relevante fazer uma digressão sobre o conceito de instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos. A educação vem disposta no art. 205 e a assistência social nos artigos 203 e 204, todos da CF/88.

Instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos são entidades privadas criadas com o propósito de servir à coletividade, colaborando com o Estado nessas áreas cuja atuação do Poder Público é deficiente. Consectariamente, et pour cause, a constituição determina que elas sejam desoneradas de alguns tributos, em especial, os impostos e as contribuições.

A ratio da supressão da competência tributária funda-se na ausência de capacidade contributiva ou na aplicação do princípio da solidariedade de forma inversa. Vale dizer: a ausência de tributação das contribuições sociais decorre da colaboração que estas entidades prestam ao Estado.

O conceito de Educação não suscita maiores controvérsias. Não obstante, não se pode afirmar o mesmo em relação ao conceito de assistência social quando correlacionada ao tema da tributação, inserida no Capítulo do “Sistema Tributário Nacional”, já que este instituto se imbrica no seio do Direito da Seguridade Social, na formulação eleita pelo constituinte originário, inserida no título da “Ordem Social”.

A seguridade social, como posta no art. 194, CF/88, veio a abarcar a previdência, a saúde e a assistência social, destacando-se que as duas últimas não estão vinculadas a qualquer tipo de contraprestação por parte dos seus usuários, a teor dos artigos 196 e 203, ambos da CF/88.

Esta característica é que vai distinguir a previdência social dos demais ramos da seguridade social, com reflexos na jurisprudência desta Suprema Corte, no sentido de que seu caráter é contributivo e de filiação obrigatória, com espeque no art. 201, CF/88.

A imunidade aos impostos concedida às instituições de educação e de assistência social, em dispositivo comum, exsurgiu na CF/46, verbis:

Art. 31, V, b: À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado (...) lançar imposto sobre (...) templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos fins.

As CF/67 e CF/69 (Emenda Constitucional nº 1/69) reiteraram a imunidade no disposto no art. 19, III, c, verbis:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...) instituir imposto sobre (...) o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos da lei.

A CF/88 traçou arquétipo com contornos ainda mais claros, verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(...) VI. instituir impostos sobre: (...) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;(...) § 4º. As vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas;

Art. 195 . A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:(...) § 7º. São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

A imunidade, sob a égide da CF/88, recebeu regulamentação específica em diversas leis ordinárias, a saber: Lei nº 9.532/97 (regulamentando a imunidade do art. 150, VI, c, referente aos impostos); Leis nº 8.212/91, nº 9.732/98 e nº 12.101/09 (regulamentando a imunidade do art. 195, § 7º, referente às contribuições), cujo exato sentido vem sendo delineado pelo Supremo Tribunal Federal.

A imunidade tributária e seus requisitos de legitimação, que poderiam restringir o seu alcance, estavam estabelecidos no art. 14, do CTN, e foram recepcionados pelo novo texto constitucional de 1988.

Nesta mesma linha de decidir o MI nº 420/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 23/09/94:

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - ENTIDADES VOLTADAS A ASSISTÊNCIA SOCIAL. A norma inserta na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Carta de 1988 repete o que previa a pretérita - alínea “c” do inciso III do artigo 19. Assim, foi recepcionado o preceito do artigo 14 do Código Tributário Nacional, no que cogita dos requisitos a serem atendidos para o exercício do direito a imunidade.

Corroborando o supra esposado RICARDO LOBO TORRES (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. v. 3. Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 267) aduz que os requisitos de legitimação continuam a ser, na lacuna do discurso constitucional, aqueles previstos no CTN.

Não obstante, outras condições, na lição do prestigiado mestre, porque inerentes às instituições sem fins lucrativos, poderiam ser regulamentadas pela lei ordinária “(…) posto que o direito tributário se utiliza dos conceitos e categorias elaborados pelo ordenamento jurídico privado, todo ele expresso pela legislação infraconstitucional (...)”.(grifo nosso). Por isso que razoável se permitisse que outras declarações relacionadas com os aspectos intrínsecos das instituições imunes viessem regulados por lei ordinária.

Perfilhando similar entendimento, BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 313, e também FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 154 , ao dispor que a Emenda nº 1/69 subordina a imunidade dessas entidades à cláusula “observados os requisitos da lei”, isto é, os do art. 14 do CTN, ou quaisquer outros da lei ordinária. Assim, de acordo com o saudoso mestre baiano, não seria a lei complementar do § 1º, in fine do art. 18, da Emenda nº 1/69.

Ainda que relativa à imunidade dos impostos, esta interpretação calha à fiveleta para a imunidade das contribuições sociais a que se refere o art. 195, § 7º, CF/88, pois teleologicamente a intenção do legislador constituinte foi a mesma.

A Suprema Corte, guardiã da Constituição Federal, indicia que somente se exige lei complementar para a definição dos seus limites objetivos (materiais), e não para a fixação das normas de constituição e de funcionamento das entidades imunes (aspectos formais ou subjetivos), os quais podem ser veiculados por lei ordinária, como sói ocorrer com o art. 55, da Lei nº 8.212/91, que pode estabelecer requisitos formais para o gozo de imunidade sem caracterizar ofensa ao art. 146, II, CF/88, verbis:

Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: (Revogado pela Lei nº 12.101, de 2009)
I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; (Revogado pela Lei nº 12.101, de 2009);
II - seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; (Redação dada pela Lei nº 9.429, de 26.12.1996)....

Já nos autos do RE 93.770, 1ª Turma, Rel. Min. Soares Muñoz, Primeira Turma, DJ 03/04/81, decidiu-se que a lei ordinária poderia tratar das normas reguladoras da constituição e funcionamento das entidades, verbis:

IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. IMUNIDADE. O ARTIGO 19, III, “C”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO TRATA DE ISENÇÃO, MAS DE IMUNIDADE. A CONFIGURAÇÃO DESTA ESTA NA LEI MAIOR. OS REQUISITOS DA LEI ORDINARIA, QUE O MENCIONADO DISPOSITIVO MANDA OBSERVAR, NÃO DIZEM RESPEITO AOS LINDES DA IMUNIDADE, MAS AQUELAS NORMAS REGULADORAS DA CONSTITUIÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ENTIDADE IMUNE. INAPLICAÇÃO DO ART-17 DO DECRETO-LEI N. 37/66. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

O thema decidendum voltou ao debate na ADI 1.802, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 13/02/2004, na apreciação da Medida Cautelar ajuizada em face da Lei nº 9.532/97, ocasião em que o Supremo estabeleceu distinção entre os limites objetivos (materiais) e os requisitos formais (normas reguladoras da constituição e funcionamento) da imunidade, restringindo a reserva de lei complementar à regulamentação tão somente dos limites objetivos (materiais). Transcrevo a ementa do julgado:

I. Ação direta de inconstitucionalidade: Confederação Nacional de Saúde: qualificação reconhecida, uma vez adaptados os seus estatutos ao molde legal das confederações sindicais; pertinência temática concorrente no caso, uma vez que a categoria econômica representada pela autora abrange entidades de fins não lucrativos, pois sua característica não é a ausência de atividade econômica, mas o fato de não destinarem os seus resultados positivos à distribuição de lucros.
II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c, e 146, II):
“instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”: delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida.
1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar.(grifo nosso)
2. À luz desse critério distintivo, parece ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal argüida os arts. 12 e §§ 2º (salvo a alínea f) e 3º, assim como o parág. único do art. 13; ao contrário, é densa a plausibilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, § 2º, f; 13, caput, e 14 e, finalmente, se afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal mas também material do § 1º do art. 12, da lei questionada.
3. Reserva à decisão definitiva de controvérsias acerca do conceito da entidade de assistência social, para o fim da declaração da imunidade discutida — como as relativas à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações de previdência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requerente, dizem com a validade do art. 12, caput, da L. 9.532/97 e, por isso, devem ser consideradas na decisão definitiva, mas cuja delibação não é necessária à decisão cautelar da ação direta.

Com fundamento nesta distinção, a Corte Suprema reputou constitucional o caput e o § 3º, art. 12, Lei nº 9.532/97, que restringiam a imunidade às entidades de assistência social que prestassem serviços à comunidade em geral e não possuíssem fins lucrativos, quanto aos impostos.

É questão prejudicial, pendente na Suprema Corte, a decisão definitiva de controvérsias acerca do conceito de entidade de assistência social para o fim da declaração da imunidade discutida, como as relativas à exigência (ou não) da gratuidade dos serviços prestados, à compreensão (ou não) das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações de previdência privada, esta já em parte pacificada através do verbete da Súmula nº 730 desta E. Corte, verbis:

A imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo art. 150, VI, c, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada se não houver contribuição dos beneficiários.

A expressão contida no art. 150, VI, c, CF/88, que estipula a imunidade das instituições de assistência social – aplicável por analogia à expressão entidades beneficentes de assistência social contida no art. 195, § 7º, CF/88 – não está jungida ao conceito de assistência social contido no art. 203, da CF/88. Podendo, portanto, estender-se às instituições de assistência stricto sensu de educação, de saúde e de previdência social, esta seguindo as premissas fixadas no verbete retrocitado.

O Sistema Tributário Nacional, encartado em capítulo próprio da Carta Federal, encampa a expressão instituições de assistência social e educação prescrita no art. 150, VI, c, CF/88, cuja conceituação e regime jurídico se aplicam por analogia à expressão “entidades beneficentes de assistência social” contida no art. 195, § 7º, CF/88, à luz da interpretação histórica e dos textos das CF/46, CF/67 e CF/69, bem como das premissas fixadas no verbete da Súmula n° 730 desta Suprema Corte. É que até o advento da CF/88 ainda não havia sido cunhado o conceito de seguridade social, nos termos em que definidos pelo art. 203, inexistindo distinção clara entre previdência, assistência social e saúde, a partir dos critérios de generalidade e gratuidade.

O art. 195, § 7º, CF/88, ainda que não inserido no capítulo do Sistema Tributário Nacional, mas explicitamente incluído topograficamente na temática da seguridade social, trata, inequivocamente, de matéria tributária. Porquanto, ubi eadem ratio ibi idem jus, podendo, bem por isso, estender-se às instituições de assistência stricto sensu de educação, de saúde e de previdência social, máxime na medida em que restou superada a tese de que este artigo só se aplica às entidades que tenham por objetivo tão somente as disposições do art. 203 da CF/88 (MC ADIN nº 2.028-5, Rel. Ministro Moreira Alves, Pleno, DJ 16.6.2000).

Nesta linha de pensar DERZI, Misabel Abreu Machado in BALEEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 323, em que pese haver importante posição contrária, capitaneada pelo mestre TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, v. III, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 258.

No julgamento da ADI 2.028-MC/DF, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ 16/6/2000, o Supremo Tribunal foi novamente instado a manifestar-se sobre a abrangência da reserva de lei complementar, desta vez tendo como objeto o art. 195, § 7º, CF/88.

Superada a preliminar de mérito suscitada pela Presidência da República, na qual se alegava que o art. 195, § 7º, CF/88, só se aplicaria às entidades que tenham por objetivo qualquer daqueles enumerados no art. 203 da CF/88, o Supremo não conheceu, em sede de liminar, da alegação de inconstitucionalidade formal da Lei nº 9.732/98, em virtude de não ter sido atacada a legislação anterior, a Lei nº 8.212/91, bem como relegou para a decisão sobre o mérito o deslinde da controvérsia da questão de fundo (a distinção entre requisitos objetivos e subjetivos), indeferindo a liminar.

A Suprema Corte decidiu que o artigo 195, § 7º, da Carta Magna, com relação às exigências a que devem atender as entidades beneficentes de assistência social para gozarem da imunidade aí prevista, determina apenas a existência de lei que as regule. Isso implica dizer que a Carta Magna alude genericamente à lei para estabelecer princípio de reserva legal, expressão que compreende tanto a legislação ordinária, quanto a legislação complementar. Transcrevo a ementa do julgado:

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 001º, na parte em que alterou a redação do artigo 55, III, da Lei 8212/91 e acrescentou-lhe os §§ 003 º, 004 º e 005 º, e dos artigos 004 º, 005º e 007 º, todos da Lei 9732, de 11 de dezembro de 1998.

- Preliminar de mérito que se ultrapassa porque o conceito mais lato de assistência social - e que é admitido pela Constituição - é o que parece deva ser adotado para a caracterização da assistência prestada por entidades beneficentes, tendo em vista o cunho nitidamente social da Carta Magna.

- De há muito se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que só é exigível lei complementar quando a Constituição expressamente a ela faz alusão com referência a determinada matéria, o que implica dizer que quando a Carta Magna alude genericamente a “lei” para estabelecer princípio de reserva legal, essa expressão compreende tanto a legislação ordinária, nas suas diferentes modalidades, quanto à legislação complementar.

- No caso, o artigo 195 , § 007 º, da Carta Magna, com relação a matéria específica (as exigências a que devem atender as entidades beneficentes de assistência social para gozarem da imunidade aí prevista), determina apenas que essas exigências sejam estabelecidas em lei. Portanto, em face da referida jurisprudência desta Corte, em lei ordinária.

- É certo, porém, que há forte corrente doutrinária que entende que, sendo a imunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar, embora o § 007 º do artigo 195 só se refira a “lei” sem qualificá-la como complementar - e o mesmo ocorre quanto ao artigo 150 , VI , “c”, da Carta Magna -, essa expressão, ao invés de ser entendida como exceção ao princípio geral que se encontra no artigo 146, II (“Cabe à lei complementar: (…) II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”), deve ser interpretada em conjugação com esse princípio para se exigir lei complementar para o estabelecimento dos requisitos a ser observados pelas entidades em causa.

- A essa fundamentação jurídica, em si mesma, não se pode negar relevância, embora, no caso, se acolhida, e, em consequência, suspensa provisoriamente a eficácia dos dispositivos impugnados, voltará a vigorar a redação originária do artigo 55 da Lei 8212 /91, que, também por ser lei ordinária, não poderia regular essa limitação constitucional ao poder de tributar, e que, apesar disso, não foi atacada, subsidiariamente, como inconstitucional nesta ação direta, o que levaria ao não-conhecimento desta para se possibilitar que outra pudesse ser proposta sem essa deficiência.

- Em se tratando, porém, de pedido de liminar, e sendo igualmente relevante a tese contrária - a de que, no que diz respeito a requisitos a ser observados por entidades para que possam gozar da imunidade, os dispositivos específicos, ao exigirem apenas lei, constituem exceção ao princípio geral -, não me parece que a primeira, no tocante à relevância, se sobreponha à segunda de tal modo que permita a concessão da liminar que não poderia dar-se por não ter sido atacado também o artigo 055 da Lei 8212 /91 que voltaria a vigorar integralmente em sua redação originária, deficiência essa da inicial que levaria, de pronto, ao não-conhecimento da presente ação direta. Entendo que, em casos como o presente, em que há, pelo menos num primeiro exame, equivalência de relevâncias, e em que não se alega contra os dispositivos impugnados apenas inconstitucionalidade formal, mas também inconstitucionalidade material, se deva, nessa fase da tramitação da ação, trancá-la com o seu não-conhecimento, questão cujo exame será remetido para o momento do julgamento final do feito.

- Embora relevante a tese de que, não obstante o § 007 º do artigo 195 só se refira a “lei” , sendo a imunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar, é de se exigir lei complementar para o estabelecimento dos requisitos a ser observados pelas entidades em causa, no caso, porém, dada a relevância das duas teses opostas , e sendo certo que , se concedida a liminar , revigorar-se-ia legislação ordinária anterior que não foi atacada , não deve ser concedida a liminar pleiteada .

- É relevante o fundamento da inconstitucionalidade material sustentada nos autos (o de que os dispositivos ora impugnados - o que não poderia ser feito sequer por lei complementar – estabeleceram requisitos que desvirtuam o próprio conceito constitucional de entidade beneficente de assistência social, bem como limitaram a própria extensão da imunidade). Existência, também, do “periculum in mora” .

Referendou-se o despacho que concedeu a liminar para suspender a eficácia dos dispositivos impugnados nesta ação direta.

Restou decidido nesta ADI, conforme já explicitado, a declaração de inconstitucionalidade de preceitos que limitavam esta imunidade, a saber: art. 55, da Lei nº 8.212/91, na redação dada pela Lei nº 9.732/98 e art. 4º, da Lei nº 9.732/98. Não obstante, foram delineadas importantes balizas quanto ao conceito, amplitude e objeto destas entidades beneficentes.

Transcrevo excertos do voto do Min. Moreira Alves, que elucida muito bem o tema:

(...) Com efeito, a Constituição, ao conceder imunidade à entidades beneficentes de assistência social, o fez para que fosse a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios auxiliados nesse terreno de assistência aos carentes por entidades que também dispusessem de recurso para tal atendimento gratuito, estabelecendo que a lei determinaria as exigências necessárias para que as entidades pudessem ser consideradas beneficentes de assistência social. É evidente que tais entidades, para serem beneficentes, teriam de ser filantrópicas (por isso, o inciso II do artigo 55 da Lei 8.212/91, que continua em vigor, exige que a entidade “seja portadora do Certificado ou do Registro de Entidade de fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, renovado a cada três anos”), mas não exclusivamente filantrópica, até porque as que o são não o são para o gozo de benefícios fiscais, e esse benefício concedido pelo § 7º do artigo 195 não foi para estimular a criação de entidades exclusivamente filantrópicas, mas sim, das que, também sendo filantrópicas sem o serem integralmente, atendesse às exigências legais para que se impedisse que qualquer entidades, desde que praticasse atos de assistência filantrópica a carentes, gozasse da imunidade, que é total de contribuição para a seguridade social ainda que não fosse reconhecida como de utilidade pública, seus dirigentes tivessem remuneração ou vantagens, ou se destinassem elas a fins lucrativos. Aliás, são essas entidades – que, por não serem exclusivamente filantrópicas, têm melhores condições de atendimento aos carentes que o prestam- que devem ter sua criação estimulada para o auxílio ao Estado nesse setor, máxime em época em que, como a atual, são escassas as doações para a manutenção das que se dedicam exclusivamente à filantropia.

De outra parte, no tocante às entidades sem fins lucrativos educacionais e de prestação de serviços de saúde que não pratiquem de forma exclusiva e gratuita atendimento a pessoas carentes, a própria extensão da imunidade foi restringida, pois só gozarão desta “na proporção o valor das vagas cedidas integral e gratuitamente a carentes, e do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial”, o que implica dizer que a imunidade para a qual a Constituição não estabelece limitação em sua extensão o é por lei.

Pela análise da legislação, percebe-se que se tem consagrado requisitos específicos mais rígidos para o reconhecimento da imunidade das entidades de assistência social (art. 195, § 7º, CF/88), se comparados com os critérios para a fruição da imunidade dos impostos (art. 150, VI, c, CF/88). Ilustrativamente, menciono aqueles exigidos para a emissão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS, veiculados originariamente pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91, ora regulados pela Lei nº 12. 101/2009.

A definição dos limites objetivos ou materiais, bem como dos aspectos subjetivos ou formais, atende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, não implicando significativa restrição do alcance do dispositivo interpretado, qual seja, o conceito de imunidade, e de redução das garantias dos contribuintes.

Com efeito, a jurisprudência da Suprema Corte indicia a possibilidade de lei ordinária regulamentar os requisitos e normas sobre a constituição e o funcionamento das entidades de educação ou assistência (aspectos subjetivos ou formais).

Nesse sentido, reproduzo adiante a ementa do julgamento do RE 428.815-AgR/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 24/06/2005, seguindo o que foi decidido na ADI 1.802-MC/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence e RE 93.770/RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, 1ª Turma, DJ 03/04/1981:

I. Imunidade tributária: entidade filantrópica: CF, arts. 146, II e 195, § 7º: delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária (ADI-MC 1802, 27.8.1998, Pertence, DJ 13.2.2004;RE 93.770, 17.3.81, Soares Muñoz, RTJ 102/304). A Constituição reduz a reserva de lei complementar da regra constitucional ao que diga respeito “aos lindes da imunidade”, à demarcação do objeto material da vedação constitucional de tributar; mas remete à lei ordinária “as normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune”. II. Imunidade tributária: entidade declarada de fins filantrópicos e de utilidade pública: Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos: exigência de renovação periódica (L. 8.212, de 1991, art. 55). Sendo o Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos mero reconhecimento, pelo Poder Público, do preenchimento das condições de constituição e funcionamento, que devem ser atendidas para que a entidade receba o benefício constitucional, não ofende os arts. 146, II, e 195, § 7º, da Constituição Federal a exigência de emissão e renovação periódica prevista no art. 55, II, da Lei 8.212/91.

Quanto à existência da lei a que se reporta o dispositivo constitucional, o Supremo já decidiu expressamente que a regulamentação se dá pela Lei nº 8.212/91, conforme se depreende do julgamento do MI 616/SP, Rel. Min. Nélson Jobim, Tribunal Pleno, DJ 25/10/2002, cuja ementa segue transcrita:

CONSTITUCIONAL. ENTIDADE CIVIL, SEM FINS LUCRATIVOS. PRETENDE QUE LEI COMPLEMENTAR DISPONHA SOBRE A IMUNIDADE À TRIBUTAÇÃO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURIDADE SOCIAL, COMO REGULAMENTAÇÃO DO ART. 195, § 7º DA CF. A HIPÓTESE É DE ISENÇÃO. A MATÉRIA JÁ FOI REGULAMENTADA PELO ART. 55 DA LEI Nº 8.212/91, COM AS ALTERAÇÕES DA LEI 9.732/98. PRECEDENTE. IMPETRANTE JULGADA CARECEDORA DA AÇÃO.

É insindicável na Suprema Corte o atendimento dos requisitos estabelecidos em lei (art. 55, da Lei nº 8.212/91), uma vez que, para tanto, seria necessária a análise de legislação infraconstitucional, situação em que a afronta à Constituição seria apenas indireta, ou, ainda, o revolvimento de provas, atraindo a aplicação do verbete da Súmula nº 279 (Precedentes: RE 570.773, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 06/05/2011, RE 720.051, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 02/04/2013, RE 593.522 AgR-ED, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 16/04/2010, RE 495.630, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 05/04/2011). Transcrevo a ementa do AI 409.981-AgR/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 13/08/2004:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. IMUNIDADE. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. SÚMULA 279-STF. I. - O acórdão recorrido entendeu que a parte agravada faz jus à imunidade prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal a partir do exame do conjunto fático-probatório trazido aos autos. Incidência, no caso, da Súmula 279-STF. II. - Agravo não provido.

In casu, descabe negar esse direito a pretexto de ausência de regulamentação legal, mormente em face do acórdão recorrido que concluiu pelo cumprimento dos requisitos por parte da recorrida à luz do art. 55, da Lei nº 8.212/91, condicionado ao seu enquadramento no conceito de assistência social delimitado pelo STF, mercê de suposta alegação de que as prescrições dos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional não regulamentam o § 7º do art. 195, CF/88.

A pessoa jurídica para fazer jus à imunidade do art. 195, § 7º, CF/88, com relação às contribuições sociais, deve atender aos requisitos previstos nos artigos 9º e 14, do CTN, bem como no art. 55, da Lei nº 8.212/91, alterada pelas Lei nº 9.732/98 e Lei nº 12.101/2009, nos pontos onde não tiveram sua vigência suspensa liminarmente pelo STF nos autos da ADIN 2.208-5.

As entidades beneficentes de assistência social, como consequência, não se submetem ao regime tributário disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.715/98, e no art. 13, IV, da MP nº 2.158-35/2001, aplicáveis somente àquelas outras entidades (instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos) que não preencherem os requisitos do art. 55, da Lei nº 8.212/91, ou da legislação superveniente sobre a matéria, posto não abarcadas pela imunidade constitucional.

A inaplicabilidade do art. 2º, II, da Lei nº 9.715/98, e do art. 13, IV, da MP º 2.158-35/2001, às entidades que preenchem os requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/91, e legislação superveniente, não decorre do vício da inconstitucionalidade desses dispositivos legais, mas da imunidade em relação à contribuição ao PIS como técnica de interpretação conforme à Constituição.

Ex positis, conheço do recurso extraordinário, mas nego-lhe provimento conferindo à tese assentada repercussão geral e eficácia erga omnes e ex tunc. Precedentes. RE 93.770/RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, 1ª Turma, DJ 03/04/1981. RE 428.815 AgR/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 24/06/2005. ADI 1.802 MC/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 13-02-2004. ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000.

É como voto.

*acórdão pendente de publicação

(v. Informativo 735)

RE 636.941/RS*

RELATOR: Ministro Luiz Fux

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