Entenda como o modelo chinês aproveita a inovação tecnológica conhecida como "copiar e melhorar" para aumentar de forma acelerada sua competitividade no cenário mundial
É comum os ocidentais alegarem que a inovação chinesa é contraditória. De fato, a prática de "copiar e melhorar" fica no meio do caminho entre inovação e pirataria. Em resposta a essas acusações, os chineses afirmam - embora um pouco ironicamente - que o aluno deve primeiro aprender a copiar o trabalho do mestre antes de desenvolver seu próprio estilo. Afinal, se você não tem muito talento, precisa começar por algum lugar.
O grande crescimento da competitividade da China nos setores ferroviário, de construção naval e até de aviação surpreendeu alguns observadores ocidentais. Menos de uma década atrás, por exemplo, o sistema ferroviário chinês era totalmente inadequado. Hoje, há no país mais quilômetros de linhas ferroviárias de alta velocidade do que na Europa, assim como os trens comerciais mais rápidos do mundo.
No entanto, apesar do aumento considerável de sua produção de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em alguns setores, a China ainda carece de pesquisa básica e inovação radical. Mesmo assim, há um forte desejo do povo chinês em experimentar os benefícios das tecnologias inovadoras criadas no Ocidente. O fenômeno do "eu também" é um forte incentivo no desenvolvimento de novos produtos.
Nesse contexto, exitem quatro características interessantes sobre a maneira como os chineses inovam e pensam em tecnologia:
Testes no local, não no laboratório
Os equipamentos da empresa Han's Laser são um bom exemplo. Usados em aplicações como a personalização de botões, marcação de teclados de computador, etc., ela não podia testar seus produtos na própria empresa.
Assim, no começo de suas atividades, enviava um técnico ao cliente por vários meses, produzindo um relatório diário de desempenho da máquina. Quando surgiam problemas, o técnico de campo trabalhava junto à equipe de P&D na sede para encontrar soluções imediatas. Essas melhorias eram incorporadas às próximas versões da máquina. Entre 1996 e 1999, a empresa fez mais de três mil melhorias em seus equipamentos.
Testes feitos no local transformaram a fábrica do cliente em um laboratório de pesquisa, reduziram o tempo de colocação do produto no mercado e melhoraram o fluxo de caixa da Han's Laser. Quando um novo modelo era lançado, já incorporava as necessidades específicas do cliente.
Inovação com foco nos custos
Quando a China International Marine Containers (CIMC) importou uma linha de produção da Alemanha no início da década de 1990, tinha uma capacidade de 10 mil contêineres por ano. Ao longo dos cinco anos seguintes, técnicos da CIMC fizeram mudanças no processo de fabricação, aplicando tecnologias emprestadas do setor automobilístico.
Até 1996, a produção tinha aumentado vinte vezes e a CIMC era líder mundial em volume, fabricando praticamente um em cada cinco novos contêineres no mundo. Em 1997, a empresa criou seu próprio centro de P&D. Como resultado, aumentou sua capacidade, tornando-se mais rentável.
Características e funções customizadas às exigências locais
Consumidores chineses usam seus telefones móveis para inúmeros propósitos, como assistir televisão. Assim, fabricantes de celulares na China oferecem aparelhos com alto-falantes para a reprodução de áudio ou para falar em locais barulhentos. Os telefones, além de serem disponibilizados pela metade do preço dos oferecidos pelas fabricantes tradicionais, também fornecem recursos para atender às necessidades específicas dos consumidores locais.
A Haier, fabricante de eletrodomésticos, é outro exemplo da customização local. Quando um cliente da província chinesa de Sichuan se queixou de que sua máquina de lavar vivia quebrando, técnicos encontraram seu encanamento entupido de lama. Descobriu-se que muitos estavam usando as máquinas de lavar Haier para limpar batata-doce e amendoim.
Em vez de avisar aos clientes sobre o que não se deve lavar nas máquinas, os engenheiros da Haier modificaram-nas para acomodar as necessidades dos clientes. A partir de então, máquinas de lavar Haier vendidas em Sichuan contêm o aviso: "Principalmente para lavar roupas, batata doce e amendoim".
A estratégia da Haier de atender à demanda do mercado local e externo com modelos inovadores resultou em cerca de 96 categorias de produtos e 15 mil especificações. Executivos da Haier dizem que esses tipos de inovações são baratas, mas muito valorizados pelos clientes.
Inovação rápida de produto
A qualidade mais importante que caracteriza a tecnologia chinesa é a rapidez com que as empresas apresentam produtos ao mercado. Por exemplo, antes dos Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, operadoras de telefonia celular chinesas produziram novos modelos que lembravam o icônico estádio "Ninho de Pássaro" e o Centro Aquático Nacional "Cubo d'Água". Só em 2007, a operadora Tianyu produziu mais de 100 novos modelos.
Pensado para o futuro
Por que as empresas chinesas abordam a inovação de forma não-convencional? Por necessidade, simplesmente. Como não têm os mesmos orçamentos de pesquisa de seus concorrentes, utilizam estratégias precisas e ultradinâmicas. Do mesmo modo, sem uma identidade de marca para proteger, elas não têm nada a temer ao permitir que o cliente teste o produto. As empresas acabam ganhando e também perdendo mas, no ambiente de mercado em constante mutação na China, esse método ágil é muito eficaz e – mais importante – eficiente.
Porém, há uma desvantagem nessa abordagem. Na medida em que as empresas chinesas amadurecem, vão querer desenvolver marcas reconhecidas globalmente. A fim de inovar, como a Apple, o Google e outras empresas altamente criativas, a China deve investir mais pró-ativamente em P&D, o que, consequentemente, exige a proteção dos direitos de propriedade intelectual.
Nesse meio tempo, seria prudente que outras multinacionais tomassem nota das técnicas de inovação para mercados de massa adotadas pelas empresas chinesas. A China, que até outro dia contratava organizações estrangeiras para construir sua rede ferroviária de alta velocidade, agora concorre à licitação para contratos ferroviários nos Estados Unidos e está aumentando suas exportações de tecnologia ferroviária de alta velocidade para Europa e América Latina. É bom ficar de olhos neles...
por Winter Nie - é professora de Gestão de Operações e Serviços no IMD, uma das principais escolas de negócios do mundo, sediada em Lausanne, Suíça.
Fonte: Administradores.com.br
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