por: Walfrido Jorge Warde Júnior [1]
Rodrigo R. Monteiro de Castro [2]
As sociedades limitadas apareceram pela primeira vez, em 1892, na Alemanha, no contexto de um processo de tomada de consciência que levaria Hedemann a anunciar, já no começo do século XX, a criação do Direito Econômico, deslumbrado com o que lhe parecia uma novíssima função do direito. Não por acaso, o anteprojeto da lei alemã atribuiu às limitadas a função de produzir dois efeitos econômicos.
A ideia era criar uma “pequena anônima”, uma forma societária descomplicada, flexível e de responsabilidade imanente, na expectativa de que incentivasse o empreendedorismo. Disso decorreriam os dois efeitos econômicos pretendidos. No geral, um incremento da atividade econômica e, no particular, a promoção da concorrência pelo aumento do número de operadores em uma dada indústria.
As mesmas razões explicam a reprodução desse modelo em inúmeros países, a começar por Portugal, que o adotou por meio de lei de 1901, sob o impulso de uma persistente admiração portuguesa pelo direito alemão. Nós o receberíamos 18 anos depois, com o advento do Dec. 3.708, de 1919.
A sociedade limitada, tal como originalmente concebida – pouco complicada, simples e flexível –, foi, contudo, abolida, entre nós, com o advento da Lei 10.406, de 2002, o Código Civil.
Apesar de um de seus fundamentos histórico-econômicos ter perdido força (afinal de contas, não faz mais muito sentido, hoje em dia, uma disciplina indireta da concorrência, mesmo que ainda se fale na importância da mitigação dos chamados custos de entrada), continua válido, mais do que nunca, o seu fundamento original, que a caracterizaria como “via de direito” propícia ao exercício da pequena e média empresa.
Ocorre que a forma societária a que o Código Civil chama de limitada não ostenta, entretanto, essas características e funcionalidades. É burocrática, formalista, inflexível, grandemente dirigida. Seu regramento é complexo e contraditório. A tudo isso se soma, sob clara orientação dos Tribunais e a pretexto da chamada teoria da desconsideração, o fato de não haver mais, há algum tempo, entre as limitadas, qualquer limitação de responsabilidade dos sócios. Não há quem o negue!
Essa que aí está não é, portanto, na essência, a sociedade limitada. É forma societária que mata e sepulta a limitada, sem lhe dar quaisquer chances de reviver. Decreta o evanescimento de 80 anos de evolução jurisprudencial e marca o aparecimento de uma nova jurisprudência, claudicante, que tenta, em vão, remendar as mazelas da lei, mas que, apenas para mencionar um relevante exemplo, reduz os direitos das minorias à retirada e à apuração de haveres em um contexto de elevada informalidade.
Não há, por todos esses motivos, futuro, entre nós, para a sociedade limitada, sem que sua disciplina seja completamente revista. Serão necessárias, contudo, algumas décadas para desfazer todo o mal que lhe foi causado. Não há tempo para isso! Especialmente em um país que está em busca do tempo perdido… Mas, ao mesmo tempo, não é dado ao legislador omitir-se. Deve prover uma solução imediata a um problema emergente, deve prover meios à pequena e média empresa.
Ao que parece, não é preciso inventar, bastam precisas adaptações.
Pouca ou nenhuma atenção tem-se dispensado a uma forma derivada de sociedade anônima, disciplinada pela norma do art. 294 da Lei 6.404/76, e que tem todas as chances de protagonizar, sob pequenos e cirúrgicos ajustes, a solução que se requer.
A sociedade anônima do art. 294 é propriamente uma “pequena anônima”. Inclui todas as sociedades acionárias com patrimônio líquido inferior a 1 milhão de reais, e as exime de algumas custosas formalidades. Essa S.A. derivada, que, por suas próprias qualidades, deve-se chamar de simplificada, está isenta do custoso dever de publicar as convocações para assembleias, os relatórios de administração, demonstrações financeiras, o parecer de auditores e demais documentos relativos à ordem do dia. Além disso, a S.A. simplificada não se submete ao limite de remuneração dos administradores do §2º do art. 152 da LSA, desde que aprovada pela unanimidade dos acionistas.
Alguns ajustes pontuais atribuiriam a S.A. simplificada as mesmas funcionalidades que as limitadas deveriam ostentar, sem padecer dos seus “pecados” originais.
A S.A. simplificada, desde logo, não se submete ao hibridismo das limitadas, a meio caminho entre as sociedades de pessoas e de capital. As limitadas sempre foram marcadas por uma, embaraçosamente próxima, relação entre os sócios e os meios de produção de propriedade exclusiva da sociedade. O legislador do Código Civil tentou superar o problema burocratizando o processo de formação de deliberações. Não deu certo.
A S.A. simplificada é descomplicada, mas não deixa de ser, a despeito disso, uma sociedade anônima. O processo de formação de deliberações, a administração e o exercício do controle, bem como os deveres a que se submetem a administração e o controlador já se consolidaram na doutrina e na jurisprudência.
Valeria, é certo, para que a S.A. simplificada viesse a contemplar amplo espectro de pequenas e médias empresas, ampliar o seu âmbito de aplicação, por meio de um aumento do limite máximo de patrimônio. Outras mudanças também seriam úteis para facilitar sua constituição e flexibilizar o seu funcionamento.
Como não é possível enumerar e explicar todas essas alterações, apresentamos uma proposta no www.sasimplificada.com, que submetemos, desde logo, às críticas e sugestões da sociedade.
[1] Advogado em São Paulo, sócio de Lehmann, Warde Advogados, Doutor em Direito Comercial pela USP e Membro do IDSA – Instituto de Direito Societário Aplicado.
[2] Advogado em São Paulo, sócio de Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Advogados, Doutorando em Direito Comercial pela PUC/SP, Ex-Presidente do IDSA – Instituto de Direito Societário Aplicado, autor do Livro “Controle Gerencial”.
Fonte: SA Simplificada
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