Como já foi amplamente divulgado, no fim do ano passado, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Lei nº 12.551, que alterou o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), equiparando os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meio telemáticos e informatizados àquela exercida por meios pessoais e diretos. A inclusão do parágrafo único ao mencionado dispositivo legal trouxe uma série de polêmicas entre especialistas e operadores do direito. O assunto ainda está na pauta das discussões.
É importante adicionar uma informação relevante ao tema: essa nova lei teve como origem o Projeto de Lei nº 3.129, apresentado, em 2004, na Câmara dos Deputados. O referido projeto de lei teve a seguinte justificativa: "A revolução tecnológica e as transformações do mundo do trabalho, exigem permanentes transformações da ordem jurídica com o intuito de apreender a realidade mutável. O tradicional comando direto entre empregador ou seu preposto e o empregado, hoje sede lugar ao comando a distância, mediante o uso de meios telemáticos, em que o empregado sequer sabe quem é o emissor da ordem de comando e controle. O tele-trabalho é realidade para muitos trabalhadores, sem que a distância e o desconhecimento do emissor da ordem de comando e supervisão, retire ou diminua a subordinação jurídica da relação de trabalho".
Assim, o objetivo da alteração na CLT foi de atualizar o texto legal à nova realidade do mercado de trabalho, de forma a contemplar expressamente a possibilidade de caracterização da subordinação jurídica pelo uso de meios tecnológicos modernos de comunicação entre a empresa e os trabalhadores, como forma de supervisionar e controlar as suas atividades, independentemente do local da prestação dos serviços. Exemplo: celulares, e-mails etc.
Não se trata de uma regulamentação legal do controle da jornada de trabalho de serviços executados com a utilização desses aparelhos de comunicação. Não foi essa a intenção do legislador. Inclusive, os pareceres dos relatores das comissões que analisaram e votaram pela aprovação do projeto de lei também ratificaram o seu propósito original.
Contudo, a nossa proposta não é aprofundar a discussão sobre essa alteração legal, mas ampliar o enfoque com a seguinte reflexão: será que é necessário o legislador criar mais normas jurídicas para regular as relações entre trabalhadores e empresa?
A intervenção exacerbada do poder público cria um cenário de rigidez
No Brasil, a principal fonte de emissão de normas jurídicas reguladoras das relações humanas é o Estado. O mesmo ocorre no direito do trabalho, como direito das relações sociais. Mas o que pode ser novidade para alguns e decepção para outros, o Estado não é a única fonte direito do trabalho, podendo os próprios atores sociais das relações de trabalho criar as suas normas jurídicas coletivas, pelo processo de negociação coletiva do trabalho.
O amadurecimento das relações de trabalho passa pelo efetivo exercício da autonomia dos particulares. No âmbito coletivo, a Constituição Federal prestigia a negociação coletiva de trabalho, como processo de autocomposição dos conflitos coletivos e de autoregulação das relações entre empregados e empregadores. As convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), muitas ratificadas pelo Brasil, também trazem disposições a respeito da via negocial, como modelo democrático de ampla legitimação das partes.
Com participação obrigatória nas negociações coletivas, o sindicato é o principal ator social no modelo de organização sindical brasileiro, como entidade única de representação da sua categoria, na mesma base territorial, e com o custeio da contribuição sindical obrigatória de todos os representados. Modelo este que é alvo críticas.
Não se discute aqui o papel do Estado-legislador de fixar direitos e garantias mínimas aos trabalhadores, de forma imperativa, tendo como base os princípios direito do trabalho e as normas constitucionais, além dos temas de saúde e segurança do trabalho. É o chamado patamar civilizatório mínimo. Porém, a intervenção exacerbada do poder público nas relações sociais de trabalho cria um cenário de rigidez excessiva para a efetivação do direito, não compatível com a realidade atual.
A agenda legislativa do Congresso Nacional, de 2012, demonstra o apetite regulatório estatal nos mais diversos projetos de leis apresentados, envolvendo a área de relações do trabalho, que vão desde assegurar ao trabalhador adicional pela fixação de propaganda de marcas e produtos em seu uniforme até regulamentar a demissão coletiva. A regulamentação do controle da jornada de trabalho pelo uso de meios telemáticos é questão de tempo (ou de projeto de lei).
Deve haver um espaço maior para que as próprias partes da relação laboral e os atores sociais possam construir as suas "leis", que melhor reflitam os seus interesses, de acordo com as suas realidades e especificidades, flexibilizando a legislação, quando necessário, complementando-a e criando novas disposições contratuais negociadas. Menos leis. Mais negociações. Menos é mais.
* por Julio M. Scudeler Neto, advogado, especialista em direito do trabalho, mestre em direito das relações sociais pela PUC-SP e professor universitário / artigo publicado no jornal Valor Econômico
Via Portal Contábil SC
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