sexta-feira, 15 de maio de 2015

15/05 A auditoria como qualimetria: o processo de fitness for use

O controlo e teste da qualidade dos produtos sempre foram reconhecidos. Mas a sua conceção, como abordagem sistemática estruturada é relativamente recente e é conhecida por qualimetria.

A auditoria tem sido descrita como uma ciência sinóti­ca: o seu objeto abstrato­-formal absorve conhecimentos de outros ramos do saber, e não pode ser enquadrada, de uma forma es­pecífica, em nenhum dos campos com os quais se relaciona. Mautz e Sharaf (1961) assumem esta asser­ção que, por isso, merece um apro­fundamento teórico. Com efeito, muitas ciências têm as caracterís­ticas atrás descritas: a geologia é uma combinação de física, quími­ca e paleontologia e, por sua vez, a astronomia é uma combinação da mecânica, termodinâmica, ótica e química, etc.

Os recentes desenvolvimentos da ciência apontam para o facto de o conhecimento científico estru­turado emergir das fronteiras das ciências individuais, fertilizado por todas as fontes de conhecimen­to científico centrados na investi­gação de problemas e fenómenos. Os recentes desenvolvimentos da biotecnologia e bioengenharia e engenharia genética, suportam à sociedade este raciocínio dedutivo. A engenharia do controlo da qualidade é uma nova abordagem, de uma ciência sinótica, baseada numa perspetiva multidisciplinar: tem por objetivo examinar e testar a qualidade dos produtos manufaturados e dos serviços. O controlo e teste da qualidade dos produtos sempre foram reconhecidos no passado. No entanto, a sua conceção, como abordagem sistemática estruturada - como ciência da medida da qualidade de um produto - é relativamente recente, situação que é conhecida nos Estados Unidos, desde 1970, por qualimetria.

O desenvolvimento desta ciência sugere que o conceito de qualidade foi objeto de rigoroso aprofundamento, em termos lógico-racionais, sendo, por isso, mensurável e objeto de validação. Ora, a auditoria é entendida pela sociedade como um processo de exame, verificação e validação dos diferentes componentes das demonstrações financeiras, cujo objetivo é asseverar a sua qualidade, para que os utilizadores destes documentos atuem de forma mais racional (ASOBAC, 1973). Visa, ainda, facultar segurança e qualidade ao processo de produção contabilístico, situação que se enquadra conceptualmente nos recentes desenvolvimentos científicos, acima referidos. Assim, a auditoria transcende as próprias fronteiras da contabilidade ao utilizar conhecimentos e ideias desenvolvidas noutras ciências e técnicas: esta prática é considerada não só comum, como científica. A engenharia do controlo de qualidade tem subjacente as noções de independência e de verificação e interessa saber se estes atributos são semelhantes a idênticas noções da contabilidade e de auditoria ou se não o forem, em que medida podem facultar clarificação sobre se as regras contabilísticas, como componentes estruturantes das demonstrações financeiras, podem ser testadas de forma independente.

A «aptidão para uso»

Esta abordagem é fundamental para explorar o criticismo endógeno e exógeno relativamente à qualidade das contas auditadas. Wolnizer (1987) argumenta que a função de controlo de qualidade é semelhante à função auditoria. Com efeito, a produção de produtos e de serviços envolve a seleção, avaliação e processamento dos inputs, uma inspeção final dos outputs e uma apreciação do consumidor final. A engenharia do controlo de qualidade criou a expressão – fitness for use – aptidão para uso, ou utilizável, para expressar, em termos técnicos, a noção de qualidade: o utilizável significa que o produto serve com sucesso os objetivos do consumidor durante a sua utilização. A expressão «aptidão para uso» é considerada, pelos diferentes autores da problemática do controlo de qualidade, como um conceito vital e de natureza universal, por se aplicar a todos as mercadorias e produtos, independentemente das suas geografias.

A universalidade do conceito tem subjacente a filosofia da função de qualidade: sistema universal pelo qual as características dos produtos e dos serviços são analisados e avaliados. Na literatura do controlo de qualidade esta é considerada como um processo regulatório através do qual se mede a performance qualitativa, se efetua a comparação com os standards, e se atua sobre as não conformidades, sendo ainda assumida como uma função altamente qualificada, cujo núcleo fundamental se materializa nas especificações técnicas dos produtos. A aplicabilidade desta metodologia comparativa à auditoria encontra, com efeito, analogias. De facto, Sprouse e Moonitz (1962), APB (1970), Kenley e Staubus (1972), Study Group (1973) referem que as demonstrações financeiras preparadas pelas empresas devem ser utilizáveis por um conjunto diversificado de stakeholders facultando-lhes a avaliação da performance financeira da organização e, consequentemente, a possibilidade de tomarem melhores decisões financeiras. Segundo Wolnizer (1987), o objetivo fundamental da contabilidade é idêntico ao de um processo industrial e químico: a produção de produtos com o atributo de aptidão para uso relativamente a uma função específica. Este processo de fitness for use é analisado, testado e avaliado pelo controlo de qualidade, quando referidos a produtos industriais e produtos de grande consumo, e pela auditoria quando está em causa a informação inserida nas demonstrações financeiras. Com efeito, Chambers (1974) e Sterling (1979) consideram a auditoria como um processo de controlo de qualidade. A análise da literatura relativamente à engenharia de controlo de qualidade e à auditoria permitem-nos formular a convicção de que as funções são análogas, pelo que a extrapolação dedutiva é válida.

No processo de controlo de qualidade industrial, as determinantes do atributo utilizável ou aptidão para uso são constituídos por um conjunto de características de produto que o consumidor reconhece e considera que o beneficiam (Juran,1974). De maneira similar, o ASOBAC (1973) reconhece que a qualidade da informação financeira deve ser definida em termos de um padrão de referência, fundamentado nas necessidades dos utilizadores da informação financeira. Este facto tem sido referido pela maioria esmagadora dos investigadores na área da contabilidade e da auditoria, ao reconhecerem que a qualidade das contas auditadas é determinada pela observação do critério subjacente à sua construção: os princípios contabilísticos geralmente aceites. Este padrão, segundo Wolnizer (1987) é o principal ponto fraco da literatura contabilística e do ASOBAC. Com efeito, os conceitos utilizados no processo de controlo de qualidade, quando colocados em justaposição com os existentes na literatura teórica e prática sobre a auditoria, ressaltam diferenças profundas, sobretudo, ao nível da especificação do produto e das técnicas de controlo de qualidade existentes na auditoria.

Por Bruno José Machado de Almeida - Professor coordenador da Escola de Negócios de Coimbra – ISCAC Business School Revisor Oficial de Contas


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