terça-feira, 19 de maio de 2015

19/05 A escrita, a Contabilidade e os contabilistas nas civilizações antigas do Próximo Oriente (II)

Os primeiros registos escritos do direito de propriedade tiveram como suporte gráfico a contabilidade. Os escribas da Antiguidade, para além do exercício da profissão de contabilista, exerceram também outras funções.

A invenção da Contabilidade e o seu posterior desenvolvimento, em consequência do aparecimento da escrita, foi considerado por Ceccherelli como a invenção do ramo do conhecimento que, em primeiro lugar, despertou a mente humana para o uso da razão sobre os processos da vida em comunidade e para o uso dos bens na satisfação das necessidades humanas.1 Já antes, o poeta Goethe (1749-1832) tinha entendido a invenção da Contabilidade como «uma das mais sublimes criações do género humano, o espelho do passado e a cláusula do futuro.»

A criação da Contabilidade ficou a dever-se à preocupação do homem procurar ordenar, qualitativa e quantitativamente, os seus problemas, quando tinha necessidade de tomar decisões relativas à gestão dos meios materiais de que dispunha para alcançar os fins desejados, de acordo com as suas próprias conceções e convicções.2 Fernández Pirla defende que «a ideia de ordem e ordenação é consubstancial com o homem como ser racional.» A Contabilidade, no seu sentido normativo, emerge dessa ideia de ordem.3

O homem primitivo, sem saber ler nem escrever, já contava, conservando na sua memória as relações económicas estabelecidas com outros homens. A Contabilidade escrita veio suplantar as limitações de memória que são inerentes ao ser humano. Num outro prisma, a Contabilidade como ciência preocupa-se em estudar uma «ordem» de fenómenos que, desde os tempos mais remotos, são os fenómenos patrimoniais. Estes surgiram a partir do momento em que o homem primitivo começou a apropriar-se dos bens facultados pela natureza, seja através da colheita de frutos naturais, da caça ou da pesca, instituindo, com a apropriação desses bens, o direito de propriedade privada no seio das sociedades primitivas.4 Os frutos, por si colhidos; o peixe, por si pescado; e os animais, por si caçados eram elementos do seu património com valor económico, porque eram elementos da sua propriedade. A esses bens, «registados em conta», na sua memória,5 o homem primitivo juntou-lhe outros bens, que também veio a «registar em conta» e que eram representativos do aumento da sua riqueza, tais como: os instrumentos de trabalho, feitos de plantas, de madeira e de pedra, como sejam as varas, as pontas de pedra, o arco, a seta, o arpão e a rede de pescador.

Essa ideia de «ordem», que permitiu legitimar o direito de propriedade, parece ter existido na parte final do período Paleolítico ou Idade da Pedra Antiga (há cerca de 10 ou de 12 mil anos a.C.).6 Numa segunda fase,7 por volta do ano 8 000 a.C. (já no período Neolítico ou Idade da Pedra Nova), o homem primitivo aprendeu a domesticar animais selvagens e tornou-se pastor, deslocando-se, de território em território, à procura de pastagens naturais.8 Os primeiros animais que domesticou com o seu trabalho (as cabras, os carneiros, os porcos e os cães) pertencem-lhe e têm também valor económico. Esses animais são propriedade sua e são elementos do seu património, distintos, portanto, das cabeças de gado pertencentes a outros elementos do clã ou da tribo. A pastorícia é uma atividade económica de produção que o pastor vai «controlar», contando, inventariando e «registando em conta», na sua memória, o número de animais de que é proprietário, bem como os frutos do seu trabalho, isto é, os lucros (as crias desse animais) que pode auferir com essa atividade económica. Para auxiliar a sua memória, o pastor pré-histórico vai fazer tantos riscos no cajado, quantos os animais (ou grupos de animais) que integram o seu património ou, em alternativa, juntar em «conta», tantas pedrinhas quantos os animais de que é titular.

«Moedas» simbólicas

Na Mesopotâmia, em vez de pedrinhas, o proprietário dos animais usava «moedas» simbólicas, feitas de argila, para identificar a quantidade de gado que lhe pertencia, as quais ficavam depositadas no campo que apascentava esses animais. Quando o rebanho ou a manada (ou parte destes) fosse transferido de um campo para outro, o pastor pré-histórico levava consigo, também, o número de «moedas» simbólicas, correspondente ao número de cabeças de gado, deslocado do campo agrícola de origem para o campo agrícola de destino, depositando aí as «moedas» simbólicas e «registando em conta», na sua memória, o património transferido.9

A «saída» de «moedas» simbólicas do campo de origem corresponderia à «entrada» das mesmas «moedas» no campo de destino. O registo a fazer, em memória, representado fisicamente pelo número das aludidas «moedas» simbólicas de argila, seria, portanto, duplo: num campo, registava o número de animais daí retirados; e, no outro campo, registava os animais que lá entraram.10

O valor do património do pastor alterar-se-ia se as cabeças de gado que entraram no campo de destino não coincidissem com o número de «moedas» simbólicas entradas nesse mesmo campo. O «controlo patrimonial» circunscrevia-se,pois, à comparação do número de cabeças de gado com o número das «moedas» simbólicas.

Anote-se que o pastor pré-histórico, não sabendo ler nem escrever, era capaz de «prestar contas» e de «divulgar», oralmente e através de gestos, de desenhos e de sinais, a «informação patrimonial» aos seus descendentes que, por sua vez, seria narrada a outros elementos do clã ou da tribo para que, também esses, ficassem a conhecer os bens que não lhes pertenciam. Nas festas religiosas, o pastor antigo abatia um dos animais, trocava outro animal por bens que não produzia e oferecia um outro animal ao deus em que acreditava e, de seguida, «registava em conta», na sua memória, as variações diminutivas do seu património. Fazia idêntico «registo» quando entregava ao chefe da tribo um outro animal (ou animais), a título de tributo ou, ainda, quando tivesse de entregar, a título de indemnização ou de multa, um (ou vários) animais ao soberano de outra tribo, em troca da liberdade de um, ou mais, elementos da família, do clã ou da tribo a que pertencia.

Essas cabeças de gado, por serem elementos do património com valor económico, exerciam a função de moeda de troca, sendo a partir dela que o património familiar se encontrava fisicamente avaliado e registado em memória.11 E era também nessa moeda de troca que as mutações do património seriam valorizadas, permitindo ao pastor saber se, em determinado período de tempo, a sua riqueza aumentou ou diminuiu, relativamente período homólogo anterior.

A «Contabilidade de memória», permitia ao pastor fornecer todas essas informações patrimoniais, bastando-lhe, para o efeito, apagar ou acrescentar riscos nocajado ou, então, retirar ou acrescentar, pedrinhas ou «moedas» simbólicas de argila à «conta» constituída. Esses riscos no cajado, esse monte de pedrinhas ou, ainda, essas «moedas» simbólicas de argila, não eram mais do que o registo, gráfico e físico, da representação da imagem mental dos factos contabilísticos «registados em conta». Dito de outro modo: os riscos, as pedrinhas, as «moedas» simbólicas de argila (e mais tarde as marcas, efetuadas nos próprios animais) representavam, gráfica e fisicamente, os factos patrimoniais memorizados e pensados anteriormente pelo pastor.12 Esse modo (ou caminho) para representar, gráfica e fisicamente, os factos patrimoniais, nos seus aspetos estáticos e dinâmicos, é o «método contabilístico primitivo», ou seja, a «relevação contabilística primitiva.»13

Na terceira fase da evolução do homem antigo, os pastores vão fixar-se num território e discutem entre si a divisão da terra de que se vão apropriar, até aí propriedade comunal ou coletiva, colocando marcos e fazendo medições. Assentavam essas porções de terra «em conta», nas suas memórias.

Os marcos enterrados nas estremas dessas terras simbolizavam o «registo físico» ou «conta física» da propriedade ou, então, o «registo físico» da «penhora do proprietário», no caso de ele se encontrar «executado por dívidas». Nessa fase, os elementos do património particular do agricultor já não eram somente o produto da colheita natural, da caça ou da pesca, os instrumentos de trabalho, os alimentos, o vestuário e o gado, mas também a terra, com valor económico, de que se apropriaram e que vão usar, fruir, gozar e, por vezes, dispor, não só para apascentar os seus rebanhos (e retirar destes os frutos - as crias desses animais) e para obter da terra as produções agrícolas, mas também para transmitir a terceiros, podendo liquidar ou «pagar», com a transmissão desses bens, as dívidas para com os seus credores, sob pena de, caso não o fizessem, ficariam sujeitos à referida «execução pessoal por dívidas», com o estatuto de escravos e, consequentemente, com a perda de direitos políticos e civis.

As dívidas do pastor, ou seja, as suas obrigações para com terceiros eram, igualmente, elementos do seu património, agora negativo, isto é, elementos do passivo, que só se extinguiriam com a entrega das cabeças de gado, ou das terras, de que era proprietário e que se achassem necessárias ao cumprimento da obrigação. Na data do «pagamento», o pastor estaria em condições de «saldar a conta», limpando da sua memória a dívida para com terceiros.

A invenção do trabalho

Porém, esse homem antigo, que já é o homo sapiens, quando se apercebeu que a natureza, de forma espontânea não era capaz de alimentar todos os homens, inventou o trabalho agrícola e passou a cultivar a terra, retirando daí o fruto ou rendimento do seu esforço.14 Esse proveito do qual obterá, por regra, o lucro, vai ser adicionado ao valor do seu património. Com a invenção do trabalho, inventou-se também a divisão do trabalho e, o homem primitivo vai agora especializar-se num ofício (homo faber), não tendo necessidade de produzir todos os bens de que necessitava, mas produzindo, dos bens do seu ofício, mais quantidades do que aquilo que era preciso para satisfazer as suas necessidades e as da sua família.

Com isso, o homo faber criou excedentes de produção, que têm valor de uso, e que só vão ter valor de troca quando esse homem primitivo inventar o mercado. Com a criação do mercado, o homem primitivo, que também é um homo oeconomicus, começou por trocar os bens da sua produção, quer por bens de consumo, destinados à satisfação das suas necessidades primárias (que vão reduzir o valor do seu património, por se tratarem de gastos, de custos ou até de despesas), quer por bens de «capital» (despesa em bens de produção – investimentos ou ativos, que vão parcialmente compensar o valor do património objeto de permuta).15 À medida que as trocas de excedentes se vão intensificando, a divisão do trabalho vai especializar-se e o comércio autonomiza-se como atividade económica e, com isso, aparecem os agentes económicos, intermediários entre a produção e o consumo, isto é, os comerciantes.

O homo oeconomicus pré-histórico que, simultaneamente, era produtor, comerciante e consumidor lá ia conseguindo «registar na sua memória» as variações do seu património, usando, para o efeito, o método contabilístico expedito dos traços no cajado, das pedrinhas, das «moedas» simbólicas de argila e das marcas ou selos. Mas, à medida que a especialização da atividade económica se intensificou e as operações económicas ficaram mais complexas, com o recurso ao crédito e ao empréstimo, o registo dos factos patrimoniais tornou-se mais difícil de se fazer somente com o apelo à memória. Esta tem um limite e, a forma que o homem pré-histórico teve para o superar foi inventar a escrita cuneiforme e aperfeiçoar a sua Contabilidade.16

A fundação de cidades Estado nas primeiras civilizações permitiu que a administração da vida política, económica e religiosa se fizesse em torno dos palácios e dos templos, contribuindo para o rápido aparecimento da escrita e para o desenvolvimento da Contabilidade,17 factos que aconteceram na civilização da Suméria,18 por volta dos anos 3 000 a 3 300 a.C.19. Em face da complexidade das operações económicas, o homo oeconomicus, nos lugares onde reinava o caos, veio reclamar a presença do homo ratiocinator, convertido em escriba, para o auxiliar e lhe arrumar a casa, concedendo-lhe poderes para, em nome do palácio, do templo ou dos comerciantes, celebrar contratos comerciais, contratos de empréstimo (ou de mútuo), contratos de depósito, contratos de comissão (ou de mandato), contratos de arrendamento e de aluguer, ou para lhe redigir as cartas, calcular e arrecadar os tributos e, de seguida, escriturar «em contas», gravadas na argila, na pedra ou na madeira as compras e vendas a pronto de pagamento e a crédito, os empréstimos concedidos e obtidos, os juros, os tributos cobrados ou pagos, as remunerações dos trabalhadores e os recebimentos e os pagamentos diversos. Para o efeito, o escriba teria de classificar, agregar e inventariar esses factos patrimoniais, de modo a produzir informação, em suporte gráfico, para memória, presente e futura, e para comparação da situação patrimonial inicial com outra situação patrimonial mais avançada no tempo, que fosse suscetível de medição da riqueza do proprietário.20 É claro que o escriba para produzir essa informação contabilística, teria de, em primeiro lugar, observar e captar da natureza e da sociedade os fenómenos passíveis de conversão em factos patrimoniais e, só depois, no respeito pelas normas políticas, económicas e jurídico-religiosas em vigor, agregá-los, classificá-los, medi-los e «registá-los em conta.»

Com o aparecimento da escrita, a Contabilidade instituiu-se como parte integrante da ordem social em vigor, sendo a partir dela que se fundou, nas sociedades antigas, entre outros, o Direito Comercial, o Direito das Obrigações e o Direito Contabilístico, escritos. A Contabilidade passou, portanto, a ser a mais importante fonte do Direito dos contratos literais,21 conferindo-se aos escribas a autoridade intelectual para redigir, assinar e dar fé aos contratos celebrados.22 Mais tarde, a função do escriba passou também pela redação dos primeiros códigos de leis escritas23 (códigos de direitos cuneiformes),24 promulgados por vários soberanos das civilizações da Mesopotâmia.

Note-se que os primeiros registos escritos do direito de propriedade e, mais abrangentemente, os primeiros registos escritos dos direitos patrimoniais tiveram como suporte gráfico a Contabilidade, gravada na pedra, na argila, na madeira ou escriturada em peles ou no papiro.25 Para o efeito, os escribas criaram fórmulas (processos), com valor jurídico, para efetuarem os registos contabilísticos. Os conceitos contabilísticos e as normas de contabilidade aplicadas na escrituração dos factos patrimoniais tinham natureza ético-política e jurídica-religiosa,26 próprias da ordem social teocrática vigente.27 As suas fontes eram: a tradição religiosa, os costumes e as convenções comerciais, não escritas.

Diga-se, em jeito de conclusão, que os escribas da Antiguidade, para além do exercício da profissão de contabilista, exerceram, também, outras funções para as quais tivessem de usar a escrita e o cálculo matemático, designadamente funções jurídicas,28 funções tributárias29 e funções de geómetra.30

Bibliografia disponível em («A Ordem – Publicações – Revista TOC – Bibliografia»)

Notas

1 Ceccherelli, A. (1915): La Logismologia, apud Lopes de Sá, A. (1998): História Geral e das Doutrinas da Contabilidade, p. 15.

2 Noel Monteiro, M. (1979): Pequena História da Contabilidade, p. 17, referindo-se à Contabilidade como ciência ordenada, identificava-a como um corpo doutrinal acerca de dada ordem de conhecimentos e das suas pertinentes técnicas que permite identificar, interpretar, representar e descrever os fenómenos patrimoniais.

3 Fernández Pirla, J. M. (1983): Teoria Economica de la Contabilidad, p. 532.

4 Noel Monteiro, M. (1979): Ob. cit., p. 16.

5 «”Registados em conta”, na sua memória » é um pleonasmo. «Registar em conta» e «memória» são redundâncias, visto que, quem «tem em conta» já está a «memorizar». Em França, nos séculos XVI e XVII, o termo partie tinha o significado de «conta» ou de «memória». Palavra que foi utilizada por Montaigne (Liv. I, cap. IV) e por Molière em Maladie. Note-se, que o termo partisans, da autoria de Bruyère, resultante da palavra partie, foi usado para identificar os adjudicatários da cobrança de rendimentos públicos, os quais ficavam obrigados a elaborar e a prestar contas ao reino, dos tributos que auferiam dos contribuintes. Com a divulgação, em França, do método contabilístico operativo, anteriormente publicado, em Itália (no ano de 1494) por Luca Pacioli, Tratacus de Computis et Scripturis, inserido em Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni & Proportionalitá, passou a utilizar-se a expressão Comptabilité en partie double para designar o registo contabilístico de um mesmo facto patrimonial em, pelo menos, duas contas. Os autores portugueses traduziram essa expressão por «Contabilidade por partida dobrada», os autores italianos por Contabilitá à partita doppia, os autores espanhóis por Contabilidad por doble partida e os autores ingleses por double entry bookkeeping. Todavia, o léxico contabilístico, na sua origem, atribuiu o mesmo significado às palavras «partida», «conta» e «memória». Sobre o assunto vide Courcelle-Seneuil, J-G. (1855): Manuel des Affaires, p. 220.

6 Cameron, R. (2000): História Económica do Mundo, p. 42.

7 Sobres a fases de evolução do homem primitivo, vide, entre outros, Engels, F. (s/d): A Origem da Família, da Propriedade e do Estado, passim; e Morgan, L. H. (1987): A Sociedade Primitiva, Vol. I e Vol. II, passim.

8 Cameron, R. (2000): Ob. cit., p. 43.

9 Goody, J. (1987): A Lógica da Escrita e a Organização da Sociedade, p. 71.

10 Mattessich, R. (2000) Archaeology of Accounting and Schmandt-Besserat’s Contribution, in The History of Accounting. Critical Perspectives on Business and Management, Vol. II, Ed. de John Richard Edwards. Routledge, pp. 18 e ss..

11 Sobre a utilização de animais como moeda, vide Morgan, L. H. (1987): Ob. cit., Vol. II, p. 299.

12 Melis, F. (1950): Storia della Ragioneria, p. 28.

13 É o que se pode deduzir do pensamento de Melis, F. (1950): Ob. cit., p. 29.

14 A agricultura organizada, que envolvia o cultivo de cereais (trigo e cevada), bem como a criação de gado fixou-se, por volta do ano 6 000 a.C.. Sobre o assunto Cameron, R. (2000): Ob. e p. cit.; e Martin. T. R. (1988): Breve História da Grécia Clássica, p. 22.

15 Foucault, M. (2005): As Palavras e as Coisas, p. 299.

16 Lopes de Amorim, J. (1968): Digressão Através do Vetusto Mundo da Contabilidade, p. 9.

17 Brown, R. (2004): A History of Accounting and Accountants, p. 16; e Goody, J. (1987): Ob. cit., p. 67.

18 A Suméria foi a primeira civilização da Mesopotâmia, constituída por povos que se instalaram na região sul desse território, em terra já habitada por agricultores. Desconhece-se, exatamente, a origem desses povos. Há historiadores que defendem que eles chegaram do Norte (da Anatólia ou do Cáucaso); um segundo grupo de historiadores entende que esses povos eram provenientes do planalto iraniano; e um terceiro grupo de historiadores refere ainda que eles chegaram da Índia por via marítima [Mourre, M. (1998): Dicionário de História Universal, Vol. III, p. 1317]. Por sua vez, há também quem afirme que, apesar de não se saber ao certo a sua proveniência, pelas descobertas arqueológicas se possa dizer que se tratavam de habitantes não semitas, talvez provenientes de Taurus, de Ararat e, mais provavelmente, da Arábia. A língua dos Sumérios parece pertencer às línguas do grupo turaniano, ao qual pertencem o turco, o finlandês e o mongol, que podem ter origem comum no Turquestão [Alícia Pérez e Marta Vidal (Coord. Ed.) (2005): História Universal – Vol. 2: Antiguidade: Egipto e Médio Oriente, pp. 154 e 158].
Cameron, R. (2000): História Económica do Mundo, p. 48, escreveu: «A maior contribuição suméria para as civilizações ulteriores, a invenção da escrita, surgiu igualmente por necessidade económica. (…) Embora a escrita tivesse sido criada como resposta à necessidade de manter registos administrativos, em breve passou a ter muitas outras utilizações religiosas, literárias e económicas.»

20 Iudícibus, S. (1980): Teoria da Contabilidade, p. 30.

21 A Contabilidade ou o registo contabilístico como fonte escrita dos contratos literais foi posteriormente acatada e sistematizada pelo Direito Romano. Segundo Gaius, tratava-se de um contractus cuja prova poderia ser feira de vários modos. Um contractus, próprio do ius gentium (direito das gentes), praticado para registo de dívida (debitori), de devedores, essencialmente estrangeiros (perigrini), provenientes do Oriente (pars Orientis). Os contratos literais (litteris), isto é, «por letras», por oposição aos contratos por «palavras» faladas (verbis), podiam assumir duas formas: O transcriptio (ou nomen transcripticium), que significava «crédito transcrito»; e o singraphae (escrito à mão ou autografo), que tem como variante o chirographa (escrito a dois). O transcriptio consistia num registo efetuado no livro de despesas e de receitas (codex accepti et expensi) do credor com expresso consentimento do devedor (iussu debitoris) de ummovimento pecuniário. O singraphae e o chirographa são documentos escritos nos quais se declara que uma pessoa deve à outra uma coisa (res) ou dinheiro (pecunia) que lhe foi entregue. A diferença entre o singraphae e o chirographa apenas reside no facto de o primeiro contrato ser feito num único exemplar e o segundo ser celebrado em duplicado. Em qualquer um dos contratos era necessário a assinatura das duas partes (no caso da Mesopotâmia, utilizava-se o selo pessoal que era impresso na argila fresca). Todos esses contratos celebrados tinham força probatória e todos eles eram os próprios registos contabilísticos ou «contas». Sobre o assunto: Gaio (3, 128-138), Instituições - Direito Privado Romano. Tradução do texto latino, introdução e notas de J. Segurado e Campos, 2010; D’ors (2004): Derecho Privado Romano; Santos Justo, A. (2003): Direito Privado romano – II (Direito das Obrigações), pp. 94 a 97; e Guarino, A. (2001): Diritto Privato Romano, pp. 825 a 855;

22Leme Klabin, A., A. (2004): História Geral do Direito, p. 55.

23 Vlaemminck, J-H. (1961): História y Doctrinas de la Contabilidad, p. 2.

24 Gilissen, J. (2003): Introdução à Historia do Direito, pp. 58 e ss..

25 Goody, J. (1987): Ob. cit., p. 99, escreveu a este propósito, o seguinte: «A escrita era utilizada para registar empréstimos comerciais bem como transações comerciais, mas em nenhuma outra área ela teve maior importância do que no registo da propriedade de terras.»

26 De acordo com Gilissen, J. (2003): Ob. cit., p. 35, «nas sociedades arcaicas o direito está fortemente impregnado de religião. A distinção entre regra religiosa e regra jurídica é aqui muitas vezes difícil, porque o homem vive no temor constante dos poderes sobrenaturais. (…) As diversas funções sociais que nós distinguimos nas sociedades evoluídas – religiosa, moral, direito e ética – estão ainda aí confundidas.»

27 Por exemplo, na Suméria, o regime político era uma teocracia pura [Mourre, M. (1998): Ob., Vol. e p. cit.].

28 Chatfield, M. (1996): “Scribes”, in The History of Accounting – An International Encyclopedia, Ed. Michael Chatfield e Richard Vangermeersch, p. 523.

29 Goody, J. (1987): Ob. cit., p. 70.

30 Ordre des Experts Comptables et comptables Agrées; e Compagnie Nacional des Commissaires aux comptes (1993): Histoire de la Profession Comptable, pp. 16 e 17.

Por Telmo Pascoal - Professor adjunto do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC)


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