terça-feira, 8 de abril de 2014

08/04 Será que ainda vale a pena pagar tributos no Brasil?

Ante as notícias cada vez mais frequentes do mau uso que neste país se faz dos tributos que pagamos, não há como evitar a questão: até que ponto vale a pena pagá-los?

Já registramos neste mesmo espaço, em 2 de setembro de 2013 (clique aqui para ler), que “pagar imposto é dever cívico e forma de promoção do bem comum”.  Mas o poder público não procede adequadamente, com o que ilude o povo e o afasta do desejo de cumprir seu dever de contribuinte.

Esquecemo-nos da pátria, na medida em que os governantes se esquecem de seus deveres. Assim, há quem diga que patriota é apenas uma boa rima para idiota. E é assim, como idiotas, que os contribuintes se sentem.

Não podemos imaginar que os governos procurem de alguma forma promover qualquer justiça, e em especial a justiça tributária. Obras feitas com o dinheiro público são abandonadas, inexiste qualquer planejamento para atender as necessidades que certamente surgirão e nem mesmo dotam-se os serviços públicos de gente preparada para o trabalho. 

Parece-nos que não vale a pena pagar tributos. Não se trata de incentivarmos uma desobediência civil e muito menos a prática da sonegação fiscal, o que seria incitação ao crime, delito previsto no artigo 286 do Código Penal. Trata-se tão somente de uma reação fácil de entender, ante o péssimo uso que se faz da arrecadação. Para exemplificar de forma bem simples, basta citarmos os inúmeros casos de dinheiro público simplesmente atirado ao lixo.

Emblemática dessa ação nefasta é a famigerada transposição das águas do rio São Francisco, obra em que milhões e milhões foram enterrados, servindo até aqui apenas para dar lucro aos empreiteiros e seus eventuais cúmplices se lá houver alguma falcatrua, o que não seria surpresa para ninguém.

No âmbito federal são tantos os casos de desvio de verbas, que fica difícil enumerarmos outros, como, por exemplo, as obras inacabadas de melhoria nos aeroportos, o abandono de portos e rodovias, o descumprimento dos compromissos com educação e saúde, o desmonte dos nossos sistemas de segurança, enfim, uma catástrofe generalizada.

Pouco importa se tais descalabros sejam deste ou de governos anteriores. Ainda que sejam antigos, a verdade é que a atual administração pública nada tem feito para consertar as coisas, com o que elas se tornam piores ou mesmo impossíveis de serem reparadas. Afinal, nada está tão ruim que não possa piorar.

Os estados também são fontes dos mesmos problemas. Onde faltam escolas e postos de saúde, governadores imaginam ser mais útil a promoção de festas, com a contração de artistas famosos. Dá-se o circo a quem não tem pão, explorando a ignorância coletiva, a mesma que repetidamente entrega seu voto e suas esperanças nas mãos de meliantes que só pensam na próxima eleição. Isso para não falarmos nas inevitáveis negociatas que surgem nessas ocasiões, em que artistas de nenhuma relevância dão recibos de valores que jamais irão receber.

Lamentavelmente tais desvios não se praticam apenas nas unidades mais pobres deste país. No estado supostamente mais rico da federação vastos terrenos são desapropriados em pleno centro da capital para  que ali seja construída obra totalmente desnecessária, uma escola de dança. Para tanto contratam-se  arquitetos internacionais a peso de ouro, desprezando-se os aqui existentes, mundialmente reconhecidos como competentes. Lá está um terreno enorme, sem qualquer aproveitamento, usado apenas como depósito de lixo e campo destinado a encontros de drogados.

Milhões e milhões foram enterrados naquele local, sem qualquer retorno. Ainda que não haja qualquer ilicitude nisso, há o desprezo pelos nossos tributos, uma irresponsabilidade gerencial que, se fosse numa empresa privada, colocaria seus autores no olho da rua e mesmo nas barras de um tribunal.  Mas não num  tribunal de contas, esse grande instrumento de nomeação de gente que não serve para quase nada.

Por outro lado, é incrível que sucessivos governantes de uma mesma facção política jamais tenham imaginado a necessidade de dotar o estado e especialmente a maior cidade do país com sistema eficiente de captação e tratamento de água. Como assim não agiram, vê-se a vergonhosa possibilidade de faltar água num lugar onde nada deveria faltar.

Isso indica uma coisa só: ninguém planeja nada, a não ser sua próxima eleição, a perpetuação de seu grupelho no poder e a nomeação de seus cúmplices.

No que tange à segurança, constroem-se prédios que ficam vazios, adquirem-se viaturas que enferrujam nos pátios, mas não se fazem concursos para a nomeação das pessoas necessárias à máquina. Aqui em São Paulo, faltam mais de 3 mil servidores nessa área, mas mesmo assim os que trabalham não recebem o salário merecido. Uma psicóloga da Administração Penitenciária, por exemplo, ganha menos de R$ 2 mil por mês para entrevistar e atender perigosos meliantes. Ganha menos que um motorista de táxi, menos que uma garçonete de boate! Chega-se à conclusão que estudar não vale nada, que diploma de nível superior é apenas um pedaço de papel para se pendurar na parede.

Em relação aos tributos municipais a coisa não é diferente. Numa cidade do interior, onde se desenvolvia notável atividade cinematográfica, o novo prefeito resolveu que rodeio seria mais interessante. Essa praga que submete animais de quatro patas às maiores torturas, deveria ser proibida no país, principalmente nos locais governados por animais irracionais bípedes.

Rodeio é só isso: diversos quadrúpedes servindo de diversão para uma súcia de parvos, ao som horroroso de músicas que mais sucesso fariam no ambiente para o qual foram criadas: as casas de tolerância, ou seja, os bordéis.

Aqui na capital, consta que enorme terreno, de excelente localização, teria sido doado a uma instituição destinada a servir de palco para a megalomania sem limites de um político que se tornou milionário sem trabalhar e que ainda tem a petulância de cobrar cachê altíssimo para falar asneiras a empresários de rabo preso.

Por tudo isso e muito mais, chega-se à conclusão que não vale a pena pagar tributos. Tal sacrifício parece-se com  um assalto, com a única diferença que ainda não vemos alguém com uma arma na mão. Mas pelo jeito não falta muito para chegarmos a isso.

por Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur

Fonte: Conjur

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