segunda-feira, 2 de julho de 2012

02/07 Vencer a corrupção: desafio para as empresas


O Brasil tem baixo desempenho em relação aos índices de corrupção internacionais, mas as maiores empresas dos mais diversos setores estão determinadas a evitar máculas em sua reputação ocasionadas por escândalos

Recentemente alçado à condição de sexta maior economia do mundo, o Brasil passou pelas últimas duas décadas por um período de estabilidade, crescimento e desenvolvimento social. Com grandes reservas de recursos naturais e um expressivo potencial de ascensão, o país a cada dia se torna mais atraente aos investimentos estrangeiros. O desejo nacional de se estabelecer como um dos grandes players mundiais de fato fez com que o combate à corrupção se transformasse em um dos objetivos no país. Tornar-se uma potência mundial exige necessariamente manter a "casa limpa" e criar uma cultura sustentável contra a corrupção.
O Brasil tem baixo desempenho em relação aos índices de corrupção internacionais (apesar de ser o país melhor avaliado neste quesito entre os integrantes do BRIC, que inclui Rússia, Índia e China), mas as maiores empresas dos mais diversos setores estão determinadas a evitar máculas em sua reputação ocasionadas por escândalos. A integridade corporativa é tida como um fator essencial para se obter destaque internacional. Códigos de conduta, que até recentemente eram adotados somente por multinacionais, agora estão entre as práticas fortemente difundidas dentro das empresas brasileiras.
Claro que a adoção de códigos e o estabelecimento de políticas e procedimentos de comportamento desejáveis são fatores importantes para o sucesso dos esforços corporativos destinados a evitar desvios éticos. Porém é essencial que os administradores sejam capazes de convencer pelo exemplo, demonstrando inequivocamente a partir de mensagens consistentes e unificadas que os princípios éticos fazem parte do chamado tone at the top.
A adoção de sistemas de monitoramento das funções corporativas está em ascensão, e hoje podemos dizer que o Brasil tem uma versão não oficial da lei Sarbanes-Oxley, instituída nos Estados Unidos para estabelecer a criação de sistemas de auditoria e de segurança mais confiáveis nas corporações. Algumas empresas monitoram inclusive e-mails pessoais de seus colaboradores para evitar problemas.
Vale lembrar que, há poucos anos, pagar propina era uma atitude aceita em muitos países, podendo, inclusive, ser contabilmente registrada como despesa pelas empresas. Porém essa realidade mudou muito, especialmente em razão dos sistemas de controles impostos por governos, órgãos reguladores e pelas instituições financeiras globais. Atualmente, a base jurídica constituída, o uso das avançadas tecnologias da informação e a intersecção de informações entre as mais variadas instituições e autoridades têm facilitado a investigação e a apuração de desvios praticados por pessoas ou corporações, o que permite facilmente o indiciamento e a punição de responsáveis. O atual patamar de vigilância internacional não permite que as empresas simplesmente tentem se isolar e se eximir de responsabilidades.
Por isso, as organizações têm de estar preparadas para essa nova realidade e padrão de responsabilidade. A implantação de iniciativas dedicadas a receber denúncias de desvios de conduta está se tornando comum nos últimos dois ou três anos. Linhas telefônicas éticas ou canais de denúncia para o atendimento de funcionários, fornecedores e até clientes tornaram-se uma forma segura de se obter informações anônimas sobre atos ilícitos nas empresas. Por experiência, percebe-se que muitos funcionários que ficam cientes de atos de corrupção gostariam de denunciá-los, mas não têm confiança de fazê-lo a um superior, por exemplo. Por isso, a adoção de tais canais de denúncia que garantam o anonimato é uma solução prática que contribui para desencorajar atos inadequados. Como exemplo, até o governo dos Estados Unidos instituiu uma lei, a Dodd-Frank, que premia pecuniariamente a delação de atos comprováveis de suborno de políticos.
No Brasil, desde o início de 2010, está em discussão no Congresso o Projeto de Lei 6.826, que propõem a responsabilização penal de empresas que se envolverem em casos de corrupção. Atualmente, somente pessoas físicas podem ser responsabilizadas civil e criminalmente por eventuais atos de corrupção. O envolvimento do governo ao assumir importantes compromissos globais com o objetivo de melhorar a percepção internacional sobre o Brasil, suas instituições e corporações sugere que o projeto será aprovado, o que tornará as empresas suscetíveis a duras sanções civis e administrativas, incluindo a perda de contratos com o Estado, exclusão das listas de concursos, perda de qualquer financiamento público e multas pesadas.
Ainda há muito a fazer. As investigações policiais são lentas e inconsistentes, muitas vezes movidas por interesses. Por isso, processos judiciais podem se mover em ritmo de caracol. Os conselhos das empresas perceberam que as práticas de suborno e corrupção representam grandes riscos para os negócios, especialmente em um mundo globalizado, com diversos países adotando leis duras para eliminar tais mazelas, tais como o FCPA - Foreign Corrupt Practices Act, instituído pelos EUA, e o UK Bribery Act, adotado pelo Reino Unido. Combater os desvios é a maneira de acelerar o crescimento e competir de igual para igual com as corporações das demais potências mundiais.
Apesar do histórico problemático do Brasil em relação a atos de corrupção ou de desvios éticos, percebemos que o brasileiro não tolera mais essa realidade e está disposto a combater esses vícios. Além da força de todas as leis que vêm sendo instituídas, no Brasil, ou fora dele, essa vontade do povo de lutar contra os desvios de conduta, de não mais ficar calado, é um passo decisivo e essencial que a nação está a dar. Aproveitemos, portanto, o bom momento econômico e histórico, aliado a esse desejo de mudança, para elevar o país a um próximo nível no cenário global.
por Humberto Salicetti é sócio-líder da área de Forensic da KPMG no Brasil

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