quinta-feira, 17 de agosto de 2017

A legalidade da exigência do exame de gravidez na ruptura do contrato de trabalho

1. Realização do exame de gravidez

O sistema jurídico brasileiro veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvados, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente (art. 7º, XXXIII, CF; art. 1º, Lei 9.029/95), sendo tipificada como crime “a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez” (art. 2º, Lei 9.029).

Pela análise do sistema jurídico, uma primeira conclusão seria a de que são vedados por lei teste, exame, laudo ou perícia destinada a constatar a ocorrência de gravidez da trabalhadora.

Contudo, a legislação refere-se a práticas discriminatórias contra a empregada e limitativas para fins de acesso à relação de trabalho ou sua manutenção.

Ressalte-se que a Lei 9.029/95 considera crime a exigência de exame de gravidez apenas para efeitos admissionais ou de permanência da relação de emprego, não fazendo qualquer referência quanto ao momento da dispensa. Assim, se o empregador, no ato da dispensa, exigir a realização de exame de gravidez, não incorre na conduta descrita na lei. Portanto, não constituirá crime e não pode o empregador ser apenado por tal conduta (princípio da legalidade).

A CLT proíbe exigir atestado ou exame para comprovação de gravidez na admissão (exame admissional) ou para permanência no emprego (art. 373-A, IV).

A CLT, assim como a Lei 9.029/95, vedam a prática de ato discriminatório para efeito de admissão ou manutenção no emprego. A finalidade é impedir o empregador que, tendo conhecimento prévio do estado gravídico, deixa de admitir a candidata ao emprego por esta razão.

Em uma análise inicial, poder-se-ia considerar que o teste de gravidez, no exame demissional, obrigatório a teor do que dispõe o art. 168, II, CLT, afrontaria o art. 373-A, IV, CLT, que proíbe a exigência de atestado ou exame, como condição para permanência no emprego.

Contudo, o que a legislação veda é exigir da empregada que comprove que não está grávida, seja para ser admitida, seja para se manter no emprego. Isto significa que se durante o contrato de trabalho, se o empregador exigir da empregada que apresente atestado de que não está grávida, praticará ato discriminatório.

Portanto, no que se refere ao exame demissional, não há qualquer fundamento para se considerar a solicitação do exame de gravidez como uma conduta discriminatória. Ao revés, o exame objetiva dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho, na medida em que caso a empregada esteja em estado gestacional (muitas vezes até sem conhecimento da própria trabalhadora), o empregador poderá decidir pela manutenção ou não da dispensa. O que se resguarda, no caso, é o direito da empregada gestante ao emprego (art. 10, II, b, do ADCT).

Assim, o exame de gravidez é um meio do empregador comprovar ou não o estado gravídico da empregada que está sendo dispensada, sendo uma vantagem tanto para a trabalhadora, que ciente do resultado positivo será acobertada pela estabilidade constitucional, como para o empregador, que permanecendo com a trabalhadora no seu quadro de funcionários, estará amparado pela previdência social quando do período relativo à licença maternidade.

Nesse aspecto, também leciona Sergio Pinto Martins:[1] “Nada impede, contudo, à empresa solicitar exame médico na dispensa da empresa, visando verificar se esta está grávida, justamente por ter por objetivo manter a relação de emprego, caso o resultado seja positivo. O empregador não poderá saber se a empregada está ou não grávida se não proceder ao exame. A prática do empregador de solicitar o exame médico para a dispensa da empregada é um ato de segurança para as próprias partes da condição de garantia de emprego da obreira, para efeito da manutenção da relação de emprego no caso de estar ela grávida, não representando crime, infração administrativa ou outra qualquer. Não se trata, assim, de discriminação, pois, ao contrário, está verificando se a empregada pode ou não ser dispensada, pois sem o exame não se saberá se a empregada estava ou não grávida quando da dispensa, que implicaria ou não a reintegração.”

Posição defendida por Luciano Martinez:[2] “Essa proteção está contida também no art. 373-A, IV, da CLT. Note-se que o mencionado dispositivo veda apenas a existência do exame diante das situações que dizem respeito ao acesso ou à permanência no emprego. Nada obstaculiza, portanto, o exame para constatação de óbices ao desligamento, desde que a empregada admita, aceite sua realização. A providência, aliás, preveniria litígios e funcionaria como uma fórmula que permitiria a manutenção da trabalhadora no emprego, sem futuras alegações de que ela desconhecia seu estado gravídico ou de que ela propositalmente esperou passar o período estabilitário para, em abuso de direito, pedir apenas a indenização.”

Este entendimento tem sido acolhido pela jurisprudência trabalhista, eis que a empresa pode solicitar este teste no exame demissional, com o objetivo de evitar futuras ações judiciais pleiteando a nulidade da dispensa.[3]

2. Dano moral pela realização do exame de gravidez quando da dispensa.

O dano moral, espécie do gênero extrapatrimonial, não repercute nos bens patrimoniais da vítima, atingindo os bens de ordem moral ou o foro íntimo da pessoa, tais como: a honra, a liberdade, a intimidade e a imagem.

Os danos morais, como ocorre em relação aos materiais, somente serão reparados quando ilícitos.

O material, o qual também é conhecido por dano patrimonial, atinge os bens integrantes do patrimônio, isto é, o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis economicamente. Tem-se a perda, deterioração ou diminuição do patrimônio.

Já dano extrapatrimonial é aquele que se opõe ao dano material, não afetando os bens patrimoniais propriamente ditos, mas atingindo os bens de ordem moral, de foro íntimo da pessoa, como a honra, a liberdade, a intimidade e a imagem.

Wilson Melo da Silva[4] considera morais as “lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”.

Nos ensinamentos de Maria Helena Diniz:[5] “O dano moral vem a ser lesão de interesse não patrimonial de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo”.

Assim, concluí-se que são danos morais aqueles que se qualificam em razão da esfera da subjetividade ou plano valorativo da pessoa na sociedade, havendo, necessariamente, que atingir o foro íntimo da pessoa humana ou o da própria valoração pessoal no meio em que vive, atua ou que possa de alguma forma repercutir.

Cumpre ressaltar que os danos morais, de modo semelhante aos danos materiais, somente serão reparados quando ilícitos e após a sua caracterização (dano experimentado).

Ante tudo o quanto exposto anteriormente, a realização de exame de gravidez quando da dispensa não configura violação aos direitos individuais da trabalhadora, tampouco ato discriminatório.

Como já salientado, a realização do exame em discussão objetiva resguardar os direitos da própria trabalhadora, caso esta esteja em estado gravídico. Sem o exame não há condições de aquilatar se a trabalhadora estava ou não grávida quando da dispensa, o que implicará ou não na nulidade da dispensa e a consequente reintegração.

Indica a jurisprudência:

“DANO MORAL. SOLICITAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE EXAME DE GRAVIDEZ. DISPENSA. DISCRIMINAÇÃO NÃO CONFIGURADA. A dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho constituem fundamentos da República Federativa do Brasil, na forma do art. 1º, III e IV, da CF/88. Além disso, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação constitui objetivo fundamental da República, consoante a regra estampada no inciso IV do art. 3º da Constituição Federal. A solicitação do exame de gravidez deu-se com o intuito de resguardar a reclamada (ante a iminência da dispensa imotivada), a hipotética condição de gestante e do suposto nascituro. Discriminação não configurada (art. 2º, I, da Lei 9.029/95). Recurso ordinário não provido” (TRT – 15ª R. – 3ª T. – RO 0122400-07.2008.5.15.0062 – Rel. Lorival Ferreira dos Santos – DOE 15/5/2009).

por Francisco Ferreira Jorge Neto. Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região). Professor convidado no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP.

Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante. Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Doutorando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP. Professor Convidado no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu PUC/PR e outros diversos cursos.  Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP/PROLAM). Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Autores de diversos livros e artigos jurídicos, entre eles, Direito do Trabalho (8ª ed., 2015), Direito Processual do Trabalho (8ª ed., 2017) e Prática Jurídica Trabalhista (8ª ed., 2016), pela Editora Atlas.

Letícia Costa Mota. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pelo Curso de Pós-Graduação Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Assessora de Desembargador – TRT 2ª Região.

Bibliografia
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 7º.
JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010.
MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
SILVA, Wilson Melo da. Dano Moral e a sua Reparação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
[1] MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 15. ed., p. 314.
[2] MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho, p. 570.
[3] TRT – 2ª R. – 8ª T. – RO 0001254-38.2010.5.02.0402 – Rel. Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira – DOE 15/6/2012.
TRT – 9ª R. –  6ª T. – RO 09097-2005-006-09-00-8 – Rel. Sueli Gil El Rafihi – DJ 30/1/2007.
TRT – 3ª R. – 8ª T. – RO 01086-2004-043-03-00-1 – Rel. José Miguel de Campos – DJMG 26/2/2005.
TRT –  15ª – 6ª T. – RO  023320/2004 – Rel. Flavio Nunes Campos – DOE 25/6/2004.
[4] SILVA, Wilson Melo da. Dano Moral e a sua Reparação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 11.
[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 7º, p. 67.

por Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
é Doutorando em Direito do Trabalho pela USP. Mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela USP/PROLAM. Professor. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Autor.

Francisco Ferreira Jorge Neto
é Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP. Desembargador Federal do Trabalho do TRT da 2ª Região. Professor Convidado: Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Autor.

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