segunda-feira, 20 de abril de 2015

20/04 Indesejável inchaço do conceito de receita bruta

Incertezas ainda pairam sobre as modificações ao programa de desoneração da folha de pagamento. Instituído em 2011 pela Medida Provisória nº 540, primeiramente objetivou a redução da sonegação. Somente num segundo momento é que almejou a efetiva desoneração com a substituição, para determinados setores, da contribuição previdenciária incidente à alíquota de 20% sobre a folha de salários pela contribuição incidente sobre a receita bruta, à alíquota de 1% ou 2%. Com isso, essa despesa, até então fixa, passaria a acompanhar a geração de riqueza do empregador.

Esse programa teria se mostrado caro e pouco eficiente, o que motivou a sua revisão por meio da Medida Provisória nº 669, devolvida no dia 3 de março, e finalmente por projeto formalmente apresentado no dia 20 seguinte, que tramita agora como Projeto de Lei nº 863/2015.

Esse projeto, que já conta com 82 emendas das mais variadas, praticamente repete a redação original da MP 669: prevê que a partir do 1º dia do quarto mês da publicação da lei, a alíquota da contribuição previdenciária sobre a receita bruta será majorada para 2,5% ou 4,5%. Também faculta aos empregadores o direito de escolher se permanecem nesse programa ou se voltam à sistemática anterior, opção que deve ser feita em janeiro de cada ano, sendo irretratável para todo o ano-calendário. Excepcionalmente para 2015, a escolha poderá se dar no mês de setembro.

Aconselhável que o contribuinte analise quanto de contribuição previdenciária recolheu indevidamente desde 2011

Ressalvado o fato de que o teor da legislação proposta dependerá, é claro, do que o Congresso vier a definir, o fato é que contribuir à previdência com base na receita bruta pode ser ainda vantajoso, especialmente se a base de cálculo desse tributo for adequadamente mensurada.

Para o Fisco, a receita bruta era formalmente definida como a receita proveniente da venda de bens e da prestação de serviços, muito embora esse conceito fosse frequentemente alargado para também abranger outras receitas provenientes da atividade principal do contribuinte, a exemplo da receita financeira de instituição financeira: trata-se de uma receita que não provém de um serviço ou da venda de um bem, mas não deixava de compor, para a Fazenda Nacional, o conceito de receita bruta.

Numerosos contribuintes, por sua vez, defendem em juízo que até o advento da Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, que formalmente incluiu outras receitas decorrentes da atividade principal à definição de receita bruta, o legislador ordinário equiparava esse conceito ao de faturamento e, como tal, restrito à receita da venda de bens e da prestação de serviços, nos termos do já decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não comportando interpretação extensiva.

Independentemente da tese adotada, uma coisa é certa: receita bruta ou faturamento há de pressupor acréscimo patrimonial. Qualquer ingresso em caixa de valor que não represente acréscimo não se enquadra nesses conceitos. É nesse ponto que reside o grande problema.

A Fazenda Nacional vem há muito enxertando nos conceitos de faturamento e de receita bruta valores que não representam esse acréscimo, como é o caso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e determinados Serviços (ICMS) e do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

Os valores que ingressam no caixa das empresas a esse título (para posterior repasse aos cofres estaduais e municipais) simplesmente não podem servir de base de cálculo para outro tributo. É inconstitucional entender que a capacidade de pagar impostos pode ser mensurada tomando-se como base os impostos pagos.

De resto, essa tendência perniciosa – e ilegal – de cobrar tributo sobre tributo é recorrente e tem reflexos práticos importantes em nosso cotidiano. Por exemplo, o aumento da gasolina em fevereiro deste ano, em decorrência da majoração das Contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), foi seguido de um segundo aumento, agora em razão do ICMS, que passa a incidir sobre o novo e majorado preço médio ponderado repassado ao consumidor final de combustíveis. Ou seja, paga-se mais tributos sobre a gasolina porque paga-se mais tributos sobre a gasolina.

Felizmente, o Supremo deu um primeiro bom passo no sentido da racionalização da legislação tributária ao julgar inconstitucional, em sessão Plenária de 8 de outubro de 2014, a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins – tributos também incidentes sobre a receita bruta/faturamento -, assentando não haver como essa exação representar medida de riqueza, por simplesmente não representar acréscimo patrimonial.

Esse mesmo raciocínio deve ser aplicado às contribuições previdenciárias incidentes sobre a receita bruta, corrigindo distorções de nosso sistema. Como dito pelo ministro Marco Aurélio na referida sessão de 8 de outubro, ao tomar emprestadas as palavras do ministro Luiz Gallotti, "se a lei pudesse chamar de compra e venda o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição".

Necessário analisar com cuidado as alternativas de recolhimento da contribuição previdenciária sobre a folha de salários para não pagar mais do que o efetivamente devido. É aconselhável que os contribuintes revejam seus registros e analisem quanto de contribuição previdenciária recolheram indevidamente desde 2011 pela imprópria inclusão de tributos, como o ICMS, em sua base de cálculo, avaliando o custo/benefício de um pedido de restituição e evitando os efeitos da prescrição.

por Felipe Kneipp Salomon é advogado de Levy & Salomão Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor

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