quarta-feira, 15 de abril de 2015

15/04 Transparência no setor público

O TRABALHO DO BRASIL E DE SEUS VIZINHOS, OS PAÍSES LATINO-AMERICANOS, EM BUSCA DE TRANSPARÊNCIA

Além da eficiência do gasto público e do desenvolvimento de parcerias público-privadas, medidas como boas práticas de comunicação e divulgação de dados tornam-se cada vez mais importantes para fortalecer as ações de governança no Estado.

Em busca de uma gestão organizada e transparente, bem como de uma adequada prestação de contas à sociedade, os governos de todo o mundo, em especial, da América Latina, revisitam seus processos para viabilizar as boas práticas, garantir que a população tenha acesso ao direito básico da informação e, para que, com esses dados em mãos, saiba interpretá-los.

Em entrevista à revista Transparência Ibracon, especialistas comentam as principais ações de países como Chile, Colômbia e México, esclarecem a situação do Brasil nesse processo de governança e chegam a um denominador comum: é preciso mais investimento. Investimento em capital humano (tanto para contratação quanto para o desenvolvimento dos servidores); investimento na efetivação de sistemas unificados para levantamento e inclusão de dados; e investimento no “novo fazer contábil” (pautado pelas normas internacionais de contabilidade pública) com a finalidade de mais organização, controle e uniformidade das contas e do patrimônio público.

Boas práticas de governança

Transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), esses são os princípios básicos da governança corporativa, sistema que engloba a forma como as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas a trabalhar de acordo com boas práticas, alinhando interesses com responsabilidade, geração de valor, longevidade e, inclusive, bem social e ambiental.

Eliane Lustosa, vice-presidente do conselho de administração do IBGC, afirma que as boas práticas valem para qualquer tipo de instituição. “Com ou sem fim lucrativo, empresa aberta ou fechada, do governo, de administração direta ou indireta, há uma série de práticas que podem ser aplicadas a qualquer tipo de organização, como a definição de processos e de responsabilidades, o treinamento contínuo de colaboradores e a conscientização dos mesmos em relação aos conceitos da governança, de forma a mitigar riscos e trazer transparência para o dia a dia”, diz.

Da seleção ao desenvolvimento, o investimento em capital humano é um dos pilares para o aprimoramento do serviço público de forma geral. “O governo deve direcionar com clareza o perfil desejável de seus servidores – conjunto de conhecimentos, habilidades e comportamento”, destaca Ricardo Ribas, líder de serviços do governo e setor público da PwC Brasil.

Na opinião do professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Marcus Vinicius de Freitas, o melhor seria que a contratação fosse feita como numa empresa privada, pelo menos, para algumas posições. “Muitas vezes, o concurso pode gerar um nível de acomodação que desestimule o crescimento do funcionário e também faz com que a instituição envelheça pela ausência de novas ideias”, comenta. Freitas ainda sugere que o Estado terceirize as atividades meio – motoristas, arquivistas, entre outras funções – e dedique-se recrutar e treinar ativamente bons profissionais.

Opinião compartilhada por Liliana Junqueira, sócia da EY para governo e setor público, que já atuou no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e no Ministério do Planejamento. “No governo federal há escolas de administração pública para os gestores, nos estados da mesma forma, mas deveríamos investir muito mais em cursos de capacitação para outros níveis”, comenta Junqueira.

Um bom exemplo vem do Ministério da Transparência Institucional e Luta contra a Corrupção da Bolívia. Em 2014, numa ação contra a corrupção entre servidores públicos atuantes na Polícia e no Poder Judiciário do país, o órgão promoveu pesquisas em busca dos principais problemas nos departamentos junto ao Instituto Boliviano de Estudos sobre Transparência e Controle da Corrupção (Ibec). 

Com os resultados obtidos, foi elaborado um plano de capacitação para introduzir valores, princípios e conhecimentos dos regulamentos contra a corrupção para 407 alunos da Escola Básica de Polícia em El Alto – 197 calouros, 103 estudantes do segundo ano e 107 policiais já no exercício de funções públicas.

Reformulação das leis 

O estabelecimento de regras bem definidas parece ajudar a esclarecer o conceito de governança aos agentes responsáveis pelo direcionamento e controle das organizações, inviabilizando fraudes. 

A vice-presidente do IBGC cita como exemplo um processo de compra de serviços. “Em vez de deixar a decisão de compra nas mãos de uma pessoa, as propostas poderiam ser recebidas concomitantemente por um sistema de difícil corrupção, evitando a interface do servidor que eventualmente possa beneficiar A, B ou C”, diz Lustosa. 

No entanto, até mesmo regras objetivas dão margem a desvios e é preciso que a legislação do país evolua de acordo com suas necessidades. Como exemplo, em 2013, a Comissão de Alto Nível Anticorrupção do Peru apresentou durante a 5ª Conferência dos Estados Partes da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Uncac, sigla em inglês) os progressos na recuperação de ativos obtidos ilegalmente, a partir da lei nº 30.076, que alterou a sua legislação sobre o confisco, a fim de garantir um resgate efetivo do dinheiro e dos bens perdidos pelo país.

Durante o evento, Susana Silva, coordenadora geral da comissão, explicou que havia sido criado um sistema autônomo para combater a lavagem de dinheiro e que o Ministério Público ganhara um reforço de fiscais especializados para garantir as devidas punições. Inclusive, a venda, a transferência ou a destruição dos bens ilegalmente obtidos não impediria que o juiz recuperasse os valores, já que seriam apreendidos os bens dos corruptos, até mesmo, esses sendo legais.

Dando continuidade às ações, em 2014, o Executivo peruano apresentou novas propostas contra o crime de lavagem de ativos, como a possibilidade do estabelecimento de um departamento especializado dentro do Poder Judiciário e uma maior capacitação de seus especialistas pelo Programa de Formação de Peritos realizado com o apoio do Conselho de Defesa Legal do Estado do Ministério da Justiça e Direitos Humanos.

Acesso à informação

O mundo inteiro passa por um processo de transparência e adequação às leis de acesso à informação. Na América Latina, apenas a Venezuela e a Costa Rica ainda não têm legislação nesse sentido e o Paraguai, bem atrasado, acaba de aprovar sua lei de acesso à informação pública. Já a Colômbia tem avanços, apesar de só ter sancionado sua lei em 2014.

De acordo com o relatório Saber Más, criado pela Alianza Regional por la Libre Expresión e Información (uma rede de organizações independentes da América Latina para fomentar as melhores práticas e leis de acesso à informação e liberdade de expressão em seus países), a lei colombiana obriga os três poderes do Estado a fornecer informações, além de órgãos estaduais independentes, prestadores de serviços públicos e da administração pública, partidos políticos, entre outros organismos.

“A Colômbia consegue centralizar em um órgão todas as informações: planos de governo; motivos dos gastos; como o dinheiro está sendo aplicado em cada etapa dos projetos. Qualquer cidadão acessa a rede, a Secretaría de Transparencia, e obtém todas as informações sobre governo central, províncias e localidades”, comenta Elias de Souza, diretor da Deloitte para o atendimento às empresas do setor público.

Já o Chile tem destaque dentre os outros países latino-americanos por conta de sua forte cultura institucional de adesão à transparência e probidade geral. O país possui um conselho de transparência (Consejo para la Transparencia) bem atuante, que garante ao cidadão, entre outras coisas, o direito de solicitar informações sem a necessidade do número de seu documento de identificação.

A obrigatoriedade da identificação é citada por Gregory Michener, professor e diretor do Programa de Transparência Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV), como uma barreira muito grande ao acesso de informações.

“O problema é a possibilidade de dois vícios na administração pública – a discriminação no fornecimento da informação e a intimidação, especialmente, em cidades pequenas, com governos infiltrados por criminosos”, expõe.

Há cinco países na América Latina que obrigam o solicitante a declarar nome e documento verdadeiros: Brasil, Equador, Nicarágua, Paraguai e Peru. No Brasil, onde a Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527) entrou em vigor em 16 de maio de 2012 aplicando-se a todos os poderes e níveis de governo, ainda estamos longe do ideal de transparência e divulgação, é o que indica o relatório Estado Brasileiro e Transparência, avaliando a lei de acesso à informação, resultado da avaliação de 133 órgãos públicos dos três poderes em oito unidades federativas, que representam a União, o Distrito Federal, os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, bem como suas capitais — os municípios de Belo Horizonte, do Rio de Janeiro e de São Paulo.

“O estado do Rio de Janeiro força o solicitante a ir presencialmente pedir a informação e assinar um termo de consentimento, prometendo não usar o dado de maneira ilegal, o que é um absurdo”, expõe Michener, um dos responsáveis pela pesquisa. “No México, por exemplo, não é necessário enviar nome ou qualquer outro dado de identificação, apenas um meio de contato como o e-mail. Eu também já fiz pedido de informação na Guatemala, além de muitos outros países e nunca foi preciso colocar identidade”, acrescenta.

No México, a proteção de dados pessoais é reconhecida como direito humano e garantida pela constituição e pelo Instituto Federal de Acesso à Informação e Proteção de Dados, órgão instituído para informar, regular e aplicar multas aos entes que desrespeitarem a lei.

O país possui uma das mais fortes leis de acesso à informação pública, bastante utilizada pela população, “sem taxas de pedidos muito altas, os cidadãos conhecem e usam a lei, que é promovida pelo próprio governo, pelas entidades públicas e pela mídia”, ressalta Michener. Além disso, o país está construindo uma plataforma para pedidos agrupando todos os níveis de governo e todas as entidades

Para efeito de comparação, no Brasil, a Controladoria-Geral da União possui o Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), ferramenta destacada por todos os entrevistados da matéria como muito eficiente para o acesso à informação pública. Mas, pela plataforma, só é possível solicitar dados do Executivo federal, o que significa que ela não fornece informações dos poderes Judiciário ou Legislativo.

De janeiro a novembro de 2014, o Portal da Transparência (outra relevante iniciativa da CGU) recebeu um total de 13.465.410 visitas. O portal fornece informações que estão sob a competência do órgão. Dados relativos a receitas e despesas próprias de estados e municípios não podem ser encontrados no sistema e devem ser solicitados nos sites de transparência dos mesmos.

Uma plataforma unificada seria o ideal de simplicidade para que o usuário conseguisse concentrar suas dúvidas e pesquisas, comparar com as de outros usuários, levantando, assim, informações de forma completa. A possibilidade de uma ferramenta que identificasse similaridades entre pedidos também pouparia tempo e esforço de organismos e cidadãos, como já acontece no México.

Souza, da Deloitte, lembra que para um universo com mais de 5.500 municípios esse processo é extremamente oneroso e demorado e sugere que, como apoio, sejam intensificados os trabalhos entre setor público, setor privado e terceiro setor. “A Fundação Brava, por exemplo, em parceria com o Insper criou o site meu municipio. org.br. De forma clara e menos técnica, o portal faz a compilação de informações como receita, despesa, nível de endividamento, análises e comparações entre municípios e suas finanças”, diz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário