segunda-feira, 13 de abril de 2015

13/04 Carf, omissão em compras e outras questões tributárias

No direito tributário não é raro acontecer uma tensão entre argumentos lógicos que colidem com a letra fria da lei. É o que se vê no caso abaixo, em que uma autuação registrou omissão de receita de um contribuinte, gerando o somatório da receita propriamente omitida em saldo credor de caixa, mas sendo ainda adicionada uma omissão por compras não lançadas, que têm presunção de terem sido feitas com receita omitida.

O contribuinte alegou que teria que haver, não a soma das omissões, mas o abatimento das compras, para que a base de cálculo da omissão não ficasse duplicada, pois as compras omitidas teriam sido feitas com a receita omitida; havendo na prática uma única omissão.

Julgando o caso, Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não aceitou a argumentação de estar uma omissão incluída em outra, por inexistir previsão legal para evitar as duas tributações; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 1301-001.649 (publicado em 25.03.2015)
RECEITA OMITIDA. APURAÇÃO. OMISSÃO DE COMPRAS x OMISSÃO DE VENDAS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.

Restando configurada a hipótese legal de imputação, contra a contribuinte, da prática de omissão de receitas, descabe a sua pretensão de apuração dos montantes devidos a partir da dedução entre os montantes de receita omitida e a parcela de compras não registradas, tendo em vista a completa inexistência de previsão legal nesse sentido.

Voto (...)
Seguindo em suas argumentações, sustenta ainda a recorrente a invalidade da operação realizada pelos agentes da fiscalização, especificamente porque, ao considerar as diversas hipóteses de presunções consideradas, estar-se-ia (ao menos em tese) a apurar a omissão da mesma receita diversas vezes, o que acarretaria a invalidade da exigência e aqui, portanto, não poderia ser admitida.

Esse assunto, especificamente, foi tema deveras debatido quando da apreciação dos fatos no julgamento de primeira instância, sendo relevante destacar que, sobre este assunto, restou vencido o Relator originário do feito, especificamente porque considerava a impossibilidade prática da aplicação da presunção de omissão de receitas em razão da ausência de registro de vendas, somada, no caso, à omissão de receitas em razão da ausência do registro de compras.

Em que pese a relevância das considerações apresentadas pelo ilustre julgador (aqui, de fato, abraçadas pela recorrente), importante destacar que a sistemática por ele pretendida, com toda a certeza, não possui nenhum fundamento normativo próprio, sendo certo que o seu acolhimento, na presente vertente, importaria na possibilidade de uma dedução não prevista nas específicas normas de regência.

Por força dessas considerações, entendo não caber a admissão da "compensação" entre compras e vendas sugerida pela recorrente, sendo certo que, pretendendo garantir a apuração adequada do montante do tributo devido, é a contribuinte quem deveria ter especificamente observado a legislação de regência, sujeitando-se, assim, à sistemática da presunção legal em caso contrário, da forma como aqui então apontado.

Despesa própria

Definir a natureza de um dispêndio é essencial para avaliar sua dedutibilidade fiscal, como ocorreu no caso abaixo, em que discutida a possibilidade de um contribuinte deduzir, como despesa própria, ICMS que era de terceiro.

A dedução foi aceita por Turma do Carf, louvando-se no fato de que a despesa foi assumida como condição para haver uma alienação de participação societária; portanto a convenção particular não estava mudando a responsabilidade por tributo, o que é vedado pelo CTN; mas criando um ônus para o alienante a fim de viabilizar o negócio, caracterizando-se como despesa necessária para esse alienante; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 1103-001.143 (publicado em 02.04.2015)
EXCLUSÃO DE REVERSÃO DE PROVISÃO. ASSUNÇÃO DE ENCARGOS TRIBUTÁRIOS DE TERCEIRO. ART. 123 DO CTN. ART. 344 DO RIR/99.

O art. 123 do CTN não se presta a tornar indedutíveis despesas com assunção de encargos tributários de outro contribuinte, a qual é uma convenção particular. Se fosse isso, não haveria necessidade nem sentido para o parágrafo único do art. 116 do CTN. São despesas negociais, que não têm ponto com o art. 344 do RIR/99.

Faz todo sentido, na lógica econômica, que o alienante assuma os passivos que se tornem exigíveis, após a transferência do investimento, mas referentes ao período em que a participação societária pertencia ao alienante. São despesas normais e necessárias. Paralelismo com a responsabilização civil por vícios redibitórios pelo vendedor da coisa.

Voto Vencedor (...)
Com a devida vênia, o passivo correspondente ao valor dos encargos tributários da “GG” pela “TT” (a qual foi incorporada pela recorrente) nada tem de ver com despesas de tributos.

Trata-se de despesas “particulares” (em oposição a despesas de tributos) decorrentes da negociação na venda da participação na “GG” pela “TT”. Os passivos tornados efetivos ou materializados após a transferência da “GG” para o comprador, mas referentes ao período em que ela pertencia à “TT”, poderiam ser cíveis, de ações coletivas consumeristas, etc. Não haveria nenhuma diferença no caráter ou no tipo de despesa da “TT”, com as decorrentes da materialização do passivo “irreversível” de tributo da “GG”.

O que não se pode é alterar a sujeição passiva de tributo por convenção entre particulares, por estabelecimento a outrem – que não o sujeito passivo – de responsabilidade pelo pagamento de tributos. É isso que predica o art. 123 do CTN: (...)

Ou seja, no caso vertente, na negociação feita para alienação da participação societária na “GG” pela “TT”, o fato de esta assumir o passivo de ICMS concretizado da “GG” não pode ser por ela invocado, perante o Fisco estadual, para dizer que a “TT” é o sujeito passivo do ICMS. A “TT” não pode alegar ao Fisco estadual que ele deve (re)diredionar a exigência de ICMS contra ela, e não contra a “GG”.

Decisões variadas

a) No Acórdão 1103-001.160 (publicado em 31.03.2015), Turma do Carf analisou, para negar uma compensação, a aplicação do art. 35 da Lei 10.637/02, que postergou, para o momento da alienação nos casos de instrumentos derivativos e objetos de hedge, a valoração advinda de marcação a mercado (MTM); concluindo que para comprovar pagamento indevido por conta de MTM não bastam os cálculos; assim fundamentado: “os pretensos créditos de PIS e de Cofins que emergem dos reajustes de “marcação a mercado” reclamam detalhada documentação demonstrativa dos créditos pretendidos. Estando em jogo pretensão da recorrente, dela é o ônus probandi. A ela cabe não simplesmente “apresentar” provas, mas demonstrar seu direito mediante a articulação coordenada, estruturada das provas de molde a tornar plenamente compreensível a demonstração. Não foi carreada aos autos essa documentação detalhada comprobatória de sua pretensão. Juntada de meras planilhas insuficientes para a referida comprovação”.

b) No Acórdão 1301-001.709 (publicado em 27.03.2015), Turma do Carf anulou julgamento anterior, reconhecendo ter havido cerceamento do direito de defesa; assim ementado: “não se pode punir a contribuinte de participar ativamente do julgamento ante a diligência do patrono de solicitar previamente fosse a sessão adiada, pleito que foi devidamente deferido. As decisões administrativas precisam inspirar a confiabilidade de que serão cumpridas, ou seja, não pode o advogado ser surpreendido com a inclusão em pauta, quando obteve decisão que expressamente adiou o julgamento”.

por Mary Elbe Queiroz é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

  Antonio Elmo Queiroz é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

Fonte: Conjur

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