Por Jeferson Roberto Nonato
O tema da penalidades na importação de mercadorias estrangeiras vem sendo enfrentado por julgadores e estudiosos do assunto, e tudo indica que ainda não se chegou a um denominador comum. Por isso a razão desta manifestação como possível interpretação da disciplina.
Interposição fraudulenta de pessoas
Dano ao erário é figura jurídica prevista constitucionalmente que implica em perda dos direitos de propriedade, pela aplicação da pena de perdimento.
Considera-se dano ao erário, a ocultação do sujeito passivo, a ocultação do real comprador ou a ocultação do responsável pela operação, no caso de importação de mercadorias estrangeiras, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros (DL 1.455, de 1.976, artigo 23, inciso V).
Fraude e simulação são defeitos dos atos jurídicos que os tornam nulos perante o ordenamento e, portanto, deverão ser desconsiderados pela Administração Aduaneira. Fraude e simulação não se presumem, devem ser provadas à saciedade. Entre as hipóteses de simulação relativa, vamos encontrar a simulação por interposta pessoa assentada no inciso I do parágrafo1º do artigo 167 do Novo Código Civil. Então é se perguntar: Porque o legislador ordinário incluiu no texto do artigo 23 do DL 1.455 de 1.976 (Lei 10.637 de 2.002/ MP 66 de 2.002, artigo 59) a expressão “inclusive a interposição fraudulenta de terceiros”; Teria o legislador ordinário criado uma nova hipótese de desconsideração dos atos privados, além da fraude e da simulação?
Queremos crer que a resposta a estas indagações é uma só: na espécie não houve a criação de uma nova hipótese de desconsideração dos atos privados; efetivamente o legislador ordinário, atuou no campo das provas, ou seja, introduziu no ordenamento jurídico um recurso processual, tal qual como está descrito no parágrafo 2º do artigo 23 do DL 1.455 de 1.976, verbis:
parágrafo 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados.
Salvo melhor juízo, temos uma modalidade de prova indireta, apta a confirmar a ocorrência de ocultação do real interessado na operação, que é o fato punível com a pena de perdimento.
Na linha desta dedução hermenêutica não existem duas hipóteses de importação fraudulenta: a provada e a presumida. O fato punível é uno, sendo diversa a forma de se provar a ocorrência no mundo do direito. De qualquer sorte, para a final caracterização do dano ao erário, e aplicação da pena de perdimento, restam desconsiderados os atos e negócios jurídicos apresentados pelos particulares, inclusive a declaração cadastral da pessoa interposta.
Cessão de nome
De outro lado, no mundo real das coisas o legislador ordinário identificou situações em que os negócios jurídicos apresentados pelos particulares guardavam conformidade com todo o ordenamento, superando os testes de validade da fraude, da simulação e da capacidade financeira, e, mesmo assim, terminavam por acobertar o real interessado. Cuida-se da hipótese de cessão de nome e de documentos próprios, por instituições idôneas e com capacidade financeira para realizar as operações de importação de mercadorias estrangeiras, de interesse de terceiros (caso da importação por encomenda, não declarada).
Sobreveio então o que disposto no artigo 33 da Lei 11.488 de 2.007, colacionado:
Artigo 33. A pessoa jurídica que ceder seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas no acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários fica sujeita a multa de 10% (dez por cento) do valor da operação acobertada, não podendo ser inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Parágrafo único. À hipótese prevista no caput deste artigo não se aplica o disposto no artigo 81 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
Apreende-se que texto legal descreve o tipo penal sem nenhuma alusão, direta ou indireta, às condutas fraudulentas ou simuladas. Efetivamente é um tipo penal autônomo que estabelece certa e precisa antijuridicidade da conduta e impõe pena pecuniária, correspondente e proporcional ao valor da operação; nada tem a ver com a pena de perdimento aplicada ao dano ao erário. Trata-se, assim, de penalidade administrativa que visa tutelar a boa administração aduaneira.
Afirma-se esta dedução pelo próprio Parágrafo único do preceito em foco, que afasta, na hipótese, a aplicação do disposto no artigo 81 da Lei 9430 que estabelece os casos de Declaração de Inaptidão de Inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. È evidente, então, que não se cuida de desconsideração de atos e negócios antecedentes.
Princípio da consunção
Em situação de dano ao erário, caracterizado pela Interposição Fraudulenta de Pessoas, aplica-se a pena de perdimento, ou, se for o caso de impossibilidade de apreensão da mercadoria, a pena pecuniária equivalente a 100% do valor aduaneiro, tudo conforme o disposto nos parágrafos 1º e 3º do artigo 23 do DL 1.455 de 1.976, com as redações que lhe foram dadas pelas Leis 10.637 de 2.002 e 12.350 de 2.010. O apenado é o real interessado.
Esta é a norma impositiva para este tipo penal cerrado, que somente se consuma pela interação de atos e condutas que lhe antecedem, como meio ou veículo de se atingir o objetivo final que é ludibriar as autoridades aduaneiras. Na espécie, então, não se pode afastar o Princípio da Consunção (também chamado de Princípio da Absorção), que deve ser aplicado para dirimir as questões de normas penais concorrentes. Neste sentido, inclusive, já se pronunciou o E. Superior Tribunal de Justiça, quando da edição da Súmula nº 17; confira-se:
“Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.
Simetricamente, então, poderíamos afirmar: a prova da consumação do dano ao erário, na modalidade de interposição fraudulenta de pessoas, e sua conseqüente penalização, absorve a penalização por cessão do nome para acobertamento do verdadeiro interessado pela pessoa interposta, tendo em vista o exaurimento do falso, na própria fraude tida por ato final punível. Assim descabe a aplicação concomitante das penalidades previstas no artigo 23 do DL 1.455, de 1.976, com a penalidade prevista no artigo 33 da Lei 11.488 de 2.007, porque os ilícitos são excludentes.
Especificamente quanto à Declaração de Inaptidão na Inscrição no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas temos que tal providência é ato administrativo necessário e conseqüente, da desconsideração dos negócios jurídicos apresentados pelos particulares, a ser suportado pela pessoa interposta.
Este ato é parte do todo, posto pela interação de regras que compõe uma única norma jurídica. Por isso tal efeito é indissociável da figura do dano ao erário, deixando de ser aplicado somente em situações juridicamente fundamentadas, como é o caso, por exemplo, de pessoas jurídicas em situação de contencioso administrativo instaurado por Impugnação de Auto de Infração ou por Parcelamento de Débitos devidamente concedidos; seria um absurdo declarar-se uma pessoa jurídica inexistente de fato, se a própria Administração estabeleceu relação jurídica com a suposta pessoa jurídica inidônea.
Jeferson Roberto Nonato é consultor tributário
Fonte: Conjur
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