quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Não cabe ICMS-Importação sobre estiva, capatazia, armazenagem e arqueação

Um dos temas mais melindrosos na confusa legislação do ICMS é a determinação da base de cálculo desse imposto na importação de mercadorias ou bens procedentes do exterior. Não bastasse o abusivo alargamento do conceito de “mercadorias”, uma vez que, além da cobrança do tributo na importação de mercadorias (bens móveis destinados a atos de comércio), é exigido o imposto na importação de bens por não contribuintes, não destinados à mercancia (que não são mercadorias), há ainda a avassaladora agregação à base de cálculo do ICMS de vários tributos, cobrando-se imposto sobre imposto, superpondo-se uns aos outros, haja vista que a base de cálculo do ICMS na importação, além do valor da mercadoria ou bem, é adicionada ainda do imposto sobre a importação, mais o imposto sobre produtos industrializados, mais o imposto sobre operações de câmbio, mais quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras. A questão é determinar o que são essas “despesas aduaneiras”.

As chamadas despesas aduaneiras (custos aduaneiros) constituem aparentemente um conceito aberto — mas apenas aparentemente —, dando ensejo, por isso, à exacerbação da já agressiva e irracional sanha arrecadatória de alguns estados, que se arrogam no direito de considerar como sendo de natureza aduaneira um rol imenso de despesas ou custos que nada têm a ver com a aduana (alfândega), inclusive custos verificados após o desembaraço aduaneiro.

Alguns estados procedem assim de forma escancarada, fazendo constar expressamente em suas legislações que na base de cálculo do ICMS das importações devem ser incluídas “quaisquer despesas”, sejam ou não de natureza aduaneira. Outros estados fazem o mesmo, porém de forma velada, não definindo expressamente o que são despesas aduaneiras, deixando a critério de seus fiscais avaliar, por métodos subjetivos particulares, o que cada um considera ou não como despesa aduaneira. Quem classifica a rubrica encontrada é o auditor fiscal, sem orientação legal efetiva por parte do Fisco estadual.

Existe jurisprudência dos tribunais superiores pondo freio a esses absurdos, mas muitos estados fazem vista grossa para ela, por saberem que muitos contribuintes não têm meios ou disposição para bater às portas das altas cortes.

ICMS – base de cálculo – previsão constitucional
A Constituição, no artigo 155, parágrafo 2º, XII, “i”, prevê que, com relação ao ICMS, cabe à lei complementar “fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço”.

Lei Complementar 87/96: base de cálculo do ICMS na importação
O artigo 13, V, da Lei Complementar 87/1996, na redação dada pela Lei Complementar 114/2002, prevê:

“Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
...........................
V - na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas:
a) o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, observado o disposto no art. 14;
b) imposto de importação;
c) imposto sobre produtos industrializados;
d) imposto sobre operações de câmbio;
e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras” (grifamos).

Note-se que o legislador complementar utilizou na alínea “e” do inciso V a expressão “despesas aduaneiras”, sem definir o seu significado.

Por ser o termo “despesas aduaneiras” um conceito por demais aberto, os Fiscos estaduais tendem a considerar como tais algumas rubricas que absolutamente nada têm a ver com a aduana. São listados a seguir os custos que costumam ser tidos, indevidamente, como “despesas aduaneiras”:

  • armazenagem;
  • capatazia;
  • arqueação;
  • estiva e desestiva;
  • comissões pagas aos agentes aduaneiros (despachantes aduaneiros);
  • desembaraço aduaneiro;
  • serviço do despachante;
  • desembolsados com despachante;
  • honorários do despachante;
  • taxa do SDA (Sindicato dos Despachantes Aduaneiros);
  • serviço de LI (Licença de Importação);
  • cobrança de LI (Licença de Importação);
  • taxas do BL (Bill of Landing);
  • taxas locais do frete aéreo;
  • adicional de Tarifa Portuária (ATP);
  • adicional de Tarifa Aeroportuária (Ataero);
  • taxa do Siscomex (taxa de utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior);
  • direitos compensatórios;
  • remoção de mercadorias;
  • manuseio de contêiner;
  • movimentação com empilhadeiras;
  • paletização;
  • demurrage (sobrestadia do contêiner — reembolso por atraso na entrega da mercadoria: penalidade cobrada do importador ou contratante do contêiner pelo tempo em que ele permanecer no país além do estabelecido entre as partes);
  • alvarengagem;
  • multas aplicadas no curso do despacho aduaneiro;
  • direitos antidumping;
  • amarração e a desamarração de navio;
  • unitização e a desconsolidação;
  • agente desconsolidador;
  • transporte rodoviário ou aéreo do porto até o destinatário;
  • serviços de courrier;
  • despesas com cópias, cartórios e Correios.

Nesse sentido, fiz um estudo detalhado acerca do tratamento tributário dado ao tema por alguns estados, a saber: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia.

Conclusão:

a) São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco situam-se dentro da legalidade no tocante à definição das despesas aduaneiras, deixando claro que como tais devem ser entendidas as despesas efetivamente pagas ou devidas à repartição alfandegária;

b) a legislação do Paraná peca por omissão, ao dizer que despesas aduaneiras são aquelas “pagas ou devidas até o desembaraço da mercadoria ou bem”, sem dizer a quem devam ser pagas (à repartição alfandegária), abrindo espaço para a inclusão indevida de valores pagos a terceiros que não a aduana;

c) no Espírito Santo, a redação originária do Decreto 1.090-R/2002 afinava-se pelo mesmo diapasão adotado por São Paulo e pelo Rio de Janeiro (despesas aduaneiras: valores pagos ou devidos à repartição alfandegária até o momento do desembaraço da mercadoria), porém uma alteração introduzida em janeiro de 2005 no regulamento capixaba optou por tornar o texto impreciso, referindo-se genericamente a “quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras” — o legislador não se preocupou em definir quais seriam os “outros impostos” nem o que seriam as tais “despesas aduaneiras”;

d) a legislação de Minas Gerais, nesse ponto, é a mais desastrada: na sua fúria draconiana para arrecadar a qualquer custo, o legislador manda incluir na base de cálculo do ICMS quaisquer despesas, “inclusive aduaneiras”! Isso decorre do fato de Minas Gerais não ter porto marítimo, o que levou o legislador a incluir, de forma absurda, no conceito de “despesas aduaneiras”, por exemplo, os valores de manuseio, fretes e seguros relativos ao transporte da mercadoria do local do desembaraço até o destinatário, sem atentar para o fato de que despesas incorridas após o desembaraço jamais poderiam ser consideradas “despesas aduaneiras”;

e) no tocante à Bahia, há duas flagrantes agressões ao direito:

– o legislador baiano, de forma acintosa, faz questão de listar como “despesas aduaneiras” justamente o que outros estados declaram não serem despesas aduaneiras;

– o Fisco baiano não dá a mínima importância a decisões reiteradas dos tribunais superiores acerca de rubricas que não constituem despesas aduaneiras, a saber: armazenagem, capatazia, estiva e arqueação.

Somente devem ser consideradas como despesas aduaneiras aquelas que são pagas à “aduana” (Receita Federal), ou seja, à repartição alfandegária. Não se deve confundir despesas portuárias com despesas aduaneiras. Por conseguinte, armazenagem, capatazia, estiva e arqueação não devem integrar a base de cálculo do ICMS na importação, por não serem juridicamente consideradas “despesas aduaneiras”.

De acordo com o referido estudo que acabo de fazer, disponho do levantamento de incontáveis decisões do STJ declarando de forma reiterada a impossibilidade de inclusão do custo dos serviços de capatazia, armazenagem etc. como despesas aduaneiras.

No referido estudo, destaco os conceitos de armazenagem, capatazia, estiva e arqueação para demonstrar que constituem atividades a cargo de terceiros e portanto não são custos pagos à aduana (alfândega), e sim a agentes particulares, trabalhadores portuários com vínculo empregatício por prazo indeterminado e trabalhadores portuários avulsos, de acordo com a Lei dos Portos (Lei 12.815/13).

Em suma, armazenagem, capatazia, estiva e arqueação não constituem despesas aduaneiras. Somente são despesas aduaneiras aquelas que são pagas mediante Darf. É de sabença geral que armazenagem, capatazia, estiva e arqueação não são pagas mediante Darf.

Esse entendimento coaduna-se com a interpretação do artigo VII do Acordo de Valoração Aduaneira do GATT, aprovado pelo Decreto Legislativo no 30/1994 e promulgado pelo Decreto 1.355/1994, em consonância com o artigo 77 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/09), segundo o qual a base de cálculo dos tributos de importação é o valor aduaneiro, ou seja, o valor da mercadoria importada, mais custos e despesas de transporte e seguro, incorridos até a chegada da mercadoria no porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou no ponto de fronteira alfandegado. A expressão “até o porto ou o aeroporto” (inciso I do referido artigo 77 do Decreto 6.759/09) afasta a possibilidade de inclusão dos gastos com armazenagem, capatazia, estiva e arqueação, haja vista que essas despesas ocorrem após a chegada da mercadoria ao porto ou aeroporto.

Também não constituem despesas aduaneiras, por não serem pagas à repartição alfandegária, não sendo também pagas mediante Darf: comissões dos agentes aduaneiros (despachantes aduaneiros), desembaraço aduaneiro, serviço do despachante, desembolsados com despachante, honorários do despachante, taxa do SDA (Sindicato dos Despachantes Aduaneiros), serviço de LI (Licença de Importação), cobrança de LI (Licença de Importação), taxas do BL (Bill of Landing), taxas locais do frete aéreo), Adicional de Tarifa Portuária (ATP), Adicional de Tarifa Aeroportuária (Ataero), Taxa do Siscomex (Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior), direitos compensatórios, remoção de mercadorias, manuseio de contêiner, movimentação com empilhadeiras, estiva e desestiva, paletização, demurrage (sobrestadia do contêiner — reembolso por atraso na entrega da mercadoria — penalidade cobrada do importador ou contratante do contêiner pelo tempo em que ele permanecer no país além do estabelecido entre as partes), alvarengagem, multas aplicadas no curso do despacho aduaneiro, direitos antidumping, amarração e desamarração de navio, unitização e desconsolidação, agente desconsolidador, transporte rodoviário ou aéreo do porto até o destinatário, serviços de courrier, despesas com cópias, cartórios e Correios.

A jurisprudência é pacífica nesse sentido.

Se o fato já ocorreu, é natural que, diante da ilegalidade da exigência da inclusão de tais despesas de armazenagem, capatazia, estiva e arqueação entre outras na base de cálculo do ICMS, possam os contribuintes calcular os valores do imposto pagos indevidamente nos últimos cinco anos e requerer a sua restituição, devidamente corrigida monetariamente.

Fernando Neves é sócio-fundador do Fernando Neves Advogados e Consultores Associados e advogado atuante nas áreas tributária, aduaneira, portuária, marítima, comércio aduaneiro e infraestrutura.

Fonte: Conjur

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