quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Valor justo nas permutas de ações

Tanto o Pronunciamento CPC n. 30 como o CPC n. 47 prescrevem que somente trocas entre bens de natureza e valor similares não geram receita. Permuta de bens não similares representam operações simultâneas de compra e venda e ensejam o reconhecimento de receita. Para objetivar a relação de similaridade, tanto o CPC 30 como o CPC 47 indicam as commodities como exemplos de bens com natureza e valores semelhantes. A permuta entre bens e serviços e serviços de publicidade era um exemplo mencionado no item 12 do Anexo do CPC 30, mas foi excluído pelo Item 5d do CPC 47. Para além do mercado imobiliário, esse assunto tem aparecido com grande relevância na estruturação de processos de redomiciliação de empresas brasileiras.

Na redomiciliação, o controle da empresa brasileira passa a ser exercido por uma empresa offshore, ou seja, é preciso transferir a participação na empresa brasileira para a empresa offshore. Uma das formas de fazer essa operação é utilizando a permuta de ações.

Embora possa parecer estranho, ações da empresa “A” e ações da empresa “B”, não são similares nem na natureza e nem no valor. Assim, a transação de permuta neste caso ensejará o reconhecimento de receita, decorrente da avaliação a valor justo dos ativos recebidos.

A norma contábil busca a essência econômica e não a forma da operação. A sua aplicação prática, que será vista nas demonstrações financeiras, tende a instabilizar o debate sobre a incidência de IRPJ e CSLL (lucro presumido), PIS e COFINS sobre as operações de permuta.

A Lei n. 12.973/14, no art. 13, parágrafo 6º, dispõe sobre a neutralidade do ganho decorrente da avaliação a valor justo, mas é destinada apenas a quem apura lucro real. No caso do lucro presumido, resta-nos apenas a discussão sobre a prevalência do conceito civil de permuta para determinação dos efeitos tributários ou a não-incidência no caso de opção pelo regime de caixa.1

O mesmo problema ocorre se a transferência do controle for feita utilizando-se o mecanismo da integralização de capital com bens avaliados a valor justo. Ou seja, ao invés de trocar ações da empresa “A” por ações da empresa “B”, o capital da empresa “B” (offshore) é integralizado com as ações detidas em “A”.

No art. 17, a Lei n. 12.973 prescreve que o ganho decorrente da avaliação a valor justo de ativo integralizado ao capital de outra empresa não será computado na determinação do lucro real, desde que controlado por meio de subcontas. Não fala do lucro presumido, que também não tem subconta…

Não é fácil explicar isso para as empresas brasileiras que, quando falamos de startups, estão em sua maioria no lucro presumido ou são detidas por fundos (que avaliam seus ativos a valor justo). Também não é fácil explicar para nossos colegas estrangeiros que estão cuidando dos documentos das offshores. Mas, não podemos correr o risco de matar o mensageiro. Talvez o culpado não seja o IFRS, mas a nossa saída simples de tributar faturamento ao invés de lucro pelo regime de caixa, como o fazem tantos outros países em termos de regimes simplificados.

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Vanessa Rahal Canado – Doutora e mestra em direito tributário pela PUC/SP. Professora da FGV DIREITO SP. Coordenadora do GEDEC – Grupo de Estudos em Direito e Contabilidade. Diretora do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal). Advogada em São Paulo

Fonte Oficial: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/direito-e-contabilidade/valor-justo-nas-permutas-de-acoes-29082018.

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