segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Contabilidade como ferramenta no combate à corrupção?

Segundo os historiadores, Aristóteles já refletia acerca da atividade contábil como uma das ciências que controlaria a riqueza do mundo. Portanto, a Ciência Contábil pode ser considerada uma das ciências mais antigas que se conhece. Nos séculos seguintes, a contabilidade expandiu sua utilização para instituições como a Igreja e o Estado, sendo muito importante no desenvolvimento do capitalismo.

A contabilidade é a linguagem dos negócios, conforme BUFFETT (2010), por intermédio dela é que se traçam objetivos, se mensuram resultados e se avaliam desempenhos. E é por meio dos relatórios elaborados com base no sistema de informações contábeis que administradores decidem quanto ao preço a ser praticado, ao mix de produtos a ser fabricado e à tecnologia a ser utilizada.

É a ciência social que tem por objetivo medir, para poder informar, os aspectos quantitativos e qualitativos do patrimônio de quaisquer entidades. É uma ciência fundamentalmente utilitária. Seu grande produto é o provimento de informações para o planejamento e controle, evidenciando informações referentes à situação patrimonial, econômica e financeira de uma empresa. O seu propósito básico é prover aos “tomadores de decisões” informações úteis para tomada de decisões.

Na época em que a contabilidade destinava-se a analisar as metodologias para a gestão e acionistas, as técnicas e as informações ficavam restritas aos donos dos empreendimentos, uma vez que os livros contábeis eram considerados sigilosos. Isso limitou consideravelmente o desenvolvimento dessa ciência, pois não existia a troca de ideias entre os profissionais.

O único objetivo da contabilidade naquela época era informar ao dono do negócio qual o lucro obtido numa sociedade empresarial.

Apenas mais recentemente, com o desenvolvimento do mercado acionário e o fortalecimento da sociedade anônima como forma de sociedade comercial, é que a contabilidade passou a ser considerada um importante instrumento para a sociedade.

Atualmente a área contábil tornou-se essencial na maioria das empresas, pois dessa forma pode apresentar demonstrações contábeis e divulgações adequadas e esclarecedoras à opinião pública, conforme JOHNSON e KAPLAN (1991).

O desenvolvimento do método contábil está intimamente associado à origem do capitalismo. A ampliação do leque dos usuários potenciais da contabilidade decorre da necessidade de uma empresa evidenciar suas realizações para toda a sociedade:

• os sindicatos precisam saber qual a capacidade de pagamento de salários;
• o governo demanda a agregação de riqueza à economia e à capacidade de pagamentos de impostos;
• os ambientalistas exigem conhecer a contribuição para o meio ambiente;
• os credores querem calcular o nível de endividamento e a probabilidade de pagamento das dívidas;
• os gerentes da empresa precisam de informações para ajudar no processo decisório e reduzir as incertezas, entre outras ações de sustentabilidade empresarial e social.

As informações produzidas pela contabilidade devem ser confiáveis, ágeis, elucidativas e fonte para a tomada de decisão. Fazendo uso desses quatro princípios de trabalho, a área contábil é capaz de ajudar a empresa a controlar suas atividades, ou seja, mostrar se o comportamento está de acordo com os planos traçados; e também pode ajudar no planejamento, ou seja, nas linhas de ações a serem tomadas e na maneira como devem ser executadas para alcançar os objetivos.

A administração de uma sociedade tem o dever de apresentar demonstrações contábeis e divulgações adequadas e esclarecedoras à opinião pública. A opinião dos auditores sobre esses demonstrativos é elemento fundamental na extensão que se traduz em sinônimo de confiabilidade às informações prestadas.

Todos nós gostaríamos de saber, em alguma circunstância, se as informações sobre os recursos gerados e aplicados, o resultado operacional e a variação patrimonial obedeceram a padrões usuais de medição. Se uma empresa representa um conjunto de transações complexas que envolvem aspectos operacionais, sociais e societários de várias grandezas, como saber sobre os controles, as técnicas contábeis, os procedimentos tributários e a obediência às normas regulamentadoras?

A NBC TA 01 Estrutura Conceitual define e descreve os elementos e os objetivos de um trabalho de asseguração, identificando os trabalhos aos quais são aplicadas as Normas Técnicas de Auditoria (NBC TA), Normas Técnicas de Revisão (NBC TR) e Normas para Outros Trabalhos de Asseguração (NBC TO). Ela proporciona orientação e referência para:

• profissionais de contabilidade na prática de auditoria (auditores independentes) quando executam trabalhos de asseguração. Profissionais de contabilidade no setor público são remetidos para a Perspectiva do Setor Público no final desta Estrutura Conceitual. Os profissionais de contabilidade que não estejam nem na prática de auditoria nem no setor público são encorajados a considerar esta Estrutura Conceitual quando executarem trabalhos de asseguração;

• outros envolvidos em trabalhos de asseguração, incluindo os usuários previstos do relatório de asseguração e a parte responsável; e

• emissão de normas técnicas (NBC TA, NBC TR e NBC TO) pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC).

Nesse espaço, a auditoria mostra sua importância. Valendo-se de normas e padrões de natureza técnica e ética claramente determinados, a auditoria torna-se elemento fundamental no sistema de informações, medição de desempenho e prestação de contas da administração. A auditoria não existe para substituir a função da administração da empresa; portanto, não deve prosperar o raciocínio de que se há uma estrutura administrativa forte não é necessário o trabalho do auditor ou, a contrario sensu, a empresa tem auditor porque sua estrutura é fraca.

O administrador deve apresentar dados informativos e precisos à disposição dos usuários e dos níveis decisórios. A auditoria, por seu turno, procederá a uma avaliação independente sobre a posição patrimonial e as informações financeiras. Não há como interpretar que haja conflitos nem que o trabalho de um iniba o trabalho do outro. O que não é possível é assumir a ideia de que as funções são descartáveis entre si. Seria o mesmo que, em um time de futebol, o jogador acumular a função de técnico (desastre na certa). O administrador é parte do sistema contábil e de controle interno; portanto, seu julgamento, discernimento e estratégias são canalizados para certos limites, e a avaliação independente será profissionalmente desenvolvida com as técnicas e a experiência do auditor independente, prevenindo prejuízos e até fraudes e corrupção, uma das mazelas da sociedade como um todo.

Ao contador compete conhecer profundamente as técnicas de apresentação das demonstrações contábeis, enquanto ao auditor compete conhecer com minudência as técnicas para avaliar se as demonstrações contábeis representam adequadamente a posição patrimonial e financeira da empresa.

Claro que a auditoria independente guarda uma relação direta e acentuada com a sofisticação dos negócios e com a estrutura societária. Consequentemente, o nível de interesse em ter demonstrações contábeis com opinião de auditores depende do astral do empresário, do envolvimento do acionista, da responsabilidade do administrador e do entusiasmo do funcionário; mas um aspecto é fundamental: quando acompanhado da opinião dos auditores independentes, o grau de confiabilidade é outro. Um exemplo característico sobre a confiabilidade das informações está relacionado aos dados estatísticos de desempenho das empresas extraídos de demonstrações contábeis, que nem sempre (ou quase nunca) são submetidas à auditoria. Não se quer dizer que estejam errados, mas não há absoluta segurança de que os princípios de contabilidade, que garantem a adequada medição de variação patrimonial, foram seguidos, e mais, de que o sistema contábil e de controle interno está direcionado para assegurar com relativa certeza que as transações foram corretamente contabilizadas, permitindo informações financeiras práticas, confiáveis e úteis.

De certa forma, estamos diante de um processo de conscientização. O público usuário deve exigir que o empresário acate a auditoria como parte integrante do sistema de informações econômico-financeiras. Devemos insistir: se necessário, vamos estudar e reformular as normas e aprimorar os princípios da contabilidade em função da realidade econômica; vamos estabelecer uma linguagem simples, desenvolver padrões tecnicamente perfeitos, porém acessíveis, evitando o “auditês”. Vamos partir para exigências viáveis; enfim, devemos evoluir.

Há “desvios recorrentes” no nível de informação prestada pelas companhias abertas brasileiras em itens relevantes dos balanços. A conclusão é de um levantamento feito pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com base nos demonstrativos financeiros. O principal problema identificado, segundo a CVM, é a omissão de informações relevantes nas notas explicativas que acompanham os balanços para que os usuários possam tirar suas conclusões sobre as empresas.

A autarquia vai ponderar na avaliação o fato de os normativos que exigem mais transparência serem uma novidade para as companhias, no âmbito das mudanças contábeis para o padrão internacional IFRS ̶ International Financial Reporting Standards. Não há restrição aos contratos, mas se exige divulgação de informações detalhadas, para que os usuários possam entender em que condições eles ocorreram e se seguiram ou não práticas de mercado, conforme CREPALDI (2016).

A atividade fundamental do auditor independente é expressar uma opinião sobre as demonstrações contábeis. A auditoria é disciplinada pela NBC TA 200 – Objetivos Gerais do Auditor Independente e a Condução da Auditoria em Conformidade com Normas de Auditoria. Para fins dessa Norma, os termos a seguir possuem os significados a eles atribuídos:

• Responsáveis pela governança são as pessoas ou organizações com responsabilidade pela supervisão geral da direção estratégica da entidade e das obrigações relacionadas à responsabilidade da entidade. Isso inclui a supervisão geral do processo de relatórios financeiros. Para algumas entidades em algumas circunstâncias, os responsáveis pela governança podem incluir pessoal da administração, por exemplo, membros executivos de um conselho de administração de uma entidade do setor público ou privado, ou um sócio proprietário.

• Administração são as pessoas com responsabilidade executiva pela condução das operações da entidade. Para algumas entidades, os responsáveis pela governança podem incluir pessoal da administração, por exemplo, membros de um conselho de administração ou um sócio proprietário.

Assim a contabilidade e sua técnica de auditoria colaboram para evidenciar que a corrupção é o ato ou efeito de se corromper, oferecer algo para obter vantagem em negociata em que se favorece uma pessoa ou um grupo e se prejudica outra. É tirar vantagem em um “projeto de poder” atribuído, conforme ATKINSON (2000).

A auditoria é a técnica destinada ao exame e à revisão sistemática dos registros contábeis, visando verificá-los à exatidão, prevenir fraudes e sugerir providências para restabelecer ou manter a verdade. É verificada a qualidade da informação prestada, confirmando, ou não, se os demonstrativos apresentados representam com fidelidade a situação patrimonial. Na auditoria, examinam-se os documentos geradores da transformação patrimonial e a estrutura dos demonstrativos contábeis, elaborando parecer conclusivo sobre a correta utilização dos procedimentos e princípios contábeis, inclusive a fidedignidade da informação.

Tem por finalidade o registro dos fatos e a produção das informações que possibilitem ao administrador do patrimônio o planejamento e o controle das suas ações. Assim, a função econômica da contabilidade é apurar o lucro ou o prejuízo. Planejar as atividades, os custos, as receitas e os resultados. Faz parte de uma estruturação mínima para o sucesso de uma empresa e principalmente na possibilidade de se corrigir problemas. Assegura o controle do patrimônio administrado e fornece informações sobre a composição e as variações patrimoniais, bem como sobre o resultado das atividades econômicas desenvolvidas pela entidade para alcançar seus fins.

A informação fornecida nas demonstrações contábeis deve ser confiável. A informação é confiável quando está livre de desvio substancial e viés, representando adequadamente aquilo que tem a pretensão de representar ou seria razoável esperar que representasse. Demonstrações contábeis não estão livres de viés (ou seja, não são neutras) se, por meio da seleção ou apresentação da informação, elas são destinadas a influenciar uma decisão ou julgamento para alcançar um resultado ou desfecho predeterminado.

Transações e outros eventos e condições devem ser contabilizados e apresentados de acordo com sua essência e não meramente sob sua forma legal. Isso aumenta a confiabilidade das demonstrações contábeis.

Enquanto a corrupção afeta o bem-estar dos cidadãos ao diminuir os investimentos públicos nos diversos setores da comunidade por meio de desvios de recursos causados por desfalques temporários e permanentes, a contabilidade é uma ferramenta de combate à corrupção, pois objetiva apresentar informações verdadeiras e não aviesadas, capazes de subsidiar os processos decisórios.

SILVIO APARECIDO CREPALDI
É doutor em Direito com especialidade em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa – Portugal; mestre em Administração pela Universidade Federal de Lavras – UFLA; graduado em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas – Alfenas – MG) e em Ciências Contábeis e Administração pela Faculdade Cenecista de Varginha (Faceca – Varginha – MG). Docente de cursos de graduação e de pós-graduação de diversas Universidades e Faculdades do Brasil; docente do MBA do IPOG – Instituto de Pós-graduação e Graduação; instrutor da Catho e-Learning nos cursos de Auditoria Contábil e Contabilidade Financeira e Gerencial. É avaliador de cursos de graduação de Administração, Ciências Contábeis e Direito e de instituições de ensino superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep – MEC).

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