quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Adequação do conceito contábil de receita ao Direito Tributário

Ao escrever o título deste último artigo de 2017 pude imaginar a sequência de críticas a que estarei sujeita, pois a reação majoritária da comunidade jurídica aos conceitos contábeis e ao International Financial Reporting Standards (IFRS) ainda é de segregação absoluta (ou, no máximo, segregação relativa, mas nunca de aproximação). Mesmo assim, parece-me relevante discutir sem preconceitos sobre a utilização do conceito contábil de receita para efeitos de delimitação das incidências tributárias.

Esta proposta veio-me à cabeça por ocasião de algumas das discussões de que participei no 42º Simpósio Nacional de Direito Tributário do CEU-IICS Escola de Direito, a convite do meu amigo Edison Fernandes. A tarefa do grupo ao qual eu assisti era definir o conceito jurídico de receita (aliás, esse era o propósito do evento, organizado sob um formato participativo). Ficou claro que, naquela oportunidade, muitas das situações concretas levantadas como problemáticas diante do conceito jurídico idealizado estaria resolvida pelo conceito contábil. Entretanto, havia forte resistência a admitir-se isto, em razão da natural insegurança que permeia o processo de definição de conceitos jurídicos para fins de tributação.

Foi pacificado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que a inadimplência não influencia o fato gerador do PIS e da COFINS. Com isso, ficou assentado que basta a disponibilidade jurídica, ou seja, o direito ao recebimento do preço. Esta é a premissa do regime contábil de competência para reconhecimento das receitas, aplicável de forma inconteste para a tributação da renda e do lucro. Aliás, os jugados afirmavam com convicção que a não exclusão dos valores inadimplidos decorriam da regra geral do registro de receitas pelo regime contábil de competência. Tivemos com esses julgados uma determinante aproximação entre os dois conceitos: não é preciso o recebimento de dinheiro para haja receita. Em outras palavras: receita não equivale a dinheiro (caixa) recebido. Mas, e o inverso: todo dinheiro (caixa) recebido é receita? Seja pelos conceitos jurídicos que vêm sendo desenhados, seja pelo conceito contábil, a resposta é não. Ou seja, nem todo dinheiro recebido equivale a receita. E aqui é que mora a dificuldade de diferenciação. Como excluir, do desenho interpretativo das normas de tributação de resultados (PIS, COFINS, IRPJ e CSLL), as doações, os empréstimos, os reembolsos de despesas, as receitas de terceiros? Não por acaso, o conceito contábil apresenta soluções bastante racionais para esses problemas (mirando a essência econômica). Em termos jurídicos, de outro lado, tem-se mostrado um grande desafio diferenciar as duas coisas, usualmente denominadas receita e ingresso.

O adjetivo mais utilizado para permitir essa diferenciação é “incondicional”: diz-se que receita é o ingresso no patrimônio do contribuinte sem condições ou reservas. Não tem se mostrado um trabalho fácil aplicar esse conceito para criar as diferenciações cabíveis nos casos concretos. E isso não decorre da incapacidade dos juristas, obviamente, mas da difícil tarefa de criar um conceito geral e abstrato que caiba dentro das normas legais (afinal, não deixa de ser uma interpretação), que atenda aos princípios constitucionais (capacidade contributiva especialmente), e que não seja nem sobreincludente (inclua situações que não deveria incluir, como as doações) e nem subincludente (exclua situações que deveria incluir, como os montantes recebidos em razão de subcontratações e não de intermediações). Essa também é uma dificuldade de conceituação do ponto de vista contábil. Entretanto, a busca da racionalidade econômica traz mais aderência do conceito contábil ao que achamos justo tributar.

De acordo com a Estrutura Conceitual da Contabilidade (Pronunciamento CPC 00), receitas são aumentos nos benefícios econômicos, sob a forma da entrada de recursos ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com a contribuição dos sócios. Por que os empréstimos não são receita? Porque não aumentam o patrimônio da empresa, já que devem ser devolvidos. Por que as doações são receitas? Porque aumentam o patrimônio da empresa e para recebê-las nada foi gasto (se não, não seria doação). No caso das receitas de terceiros, se recorrermos ao Pronunciamento CPC 47 (que trata com profundidade do tema, para além do conceito geral), encontraremos diversas disposições para diferenciar o principal do agente (intermediário) de forma a dar substância ao argumento das receitas de terceiros (item B34 e seguintes). A exclusão dos tributos sobre vendas também é considerada uma exclusão do conceito de receita no Pronunciamento CPC 47, com base justamente na ideia de receita de terceiros, recentemente validada pelo Supremo Tribunal Federal.

Diante desses exemplos, nota-se que o conceito contábil tem-se mostrado um bom ponto de partida, um parâmetro seguro de interpretação para o conceito jurídico de receita. Os argumentos econômicos tendem a dar solidez aos argumentos jurídicos, pois se mostram muito razoáveis para defesa de montantes que não devam ser tributados. É compreensível a insegurança para essa aproximação, mas o fato é que a conceituação jurídica não tem se mostrado suficiente para dar segurança. A proposta é, portanto, discutir mais abertamente sobre os trade off da utilização do conceito contábil, com o objetivo de encontrar um bom parâmetro de tributação que, afinal, é o que importa.

Vanessa Rahal Canado

Fonte: Jota.info/

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