domingo, 12 de março de 2017

Ele está pondo fogo em tudo o que você aprendeu sobre economia

O debate sobre a eficácia do uso dos juros para controlar a inflação tem incendiado os círculos econômicos do país. Os princípios ortodoxos que vêm norteando a política econômica mundial estão sendo postos em xeque pela realidade e por uma teoria acadêmica.

A discussão no Brasil foi iniciada pelo artigo de André Lara Resende, no jornal Valor Econômico, intitulado  “Juros e conservadorismo intelectual”, no qual ele apresentou a Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFNP), que questiona a eficácia da política monetária tradicional em cenários extremos, de hiperinflação ou de taxas de juro próximas a zero.

As respostas (e as críticas) foram numerosas, e Lara Resende precisou esclarecer que não estava sugerindo mudanças na política fiscal em um artigo posterior.

EXAME.com conversou por e-mail com o principal teórico da TFNP, o prêmio Nobel de economia e professor de Princeton, Chris Sims, que explicou os principais aspectos da teoria, falou sobre o debate no Brasil e sobre a condução da política econômica.

Confira a entrevista:

Você pode explicar, de forma simples, sua teoria sobre política monetária e fiscal?

Simplificando, a teoria reconhece que tanto a dívida do governo em moeda local quanto o dinheiro livre de juros ou reservas podem ser trocados por bens materiais, e que, dessa forma, ambos têm papel na criação de pressão inflacionária ou deflacionária.

A demanda por moeda vem da demanda transacional, que o governo não pode controlar diretamente, enquanto a demanda por títulos de moeda local é fruto do recurso real de que o governo vai se comprometer a pagar um rendimento no futuro. Inflação ou deflação, portanto, são afetadas pela quantidade de moeda, pela quantidade de (e taxa de juros sobre) títulos do governo em moeda nacional, além de expectativas sobre juros futuros e política de gastos.

Quando o banco central é independente, ele pode controlar a inflação e o nível de preços sob circunstâncias normais, contanto que 1) todos estejam confiantes que, em condições extremas, se a inflação ficar muito alta ou muito próxima de zero durante muito tempo, as autoridades fiscais irão intervir; e 2) que em tempos normais a política fiscal estabiliza o valor real da dívida.

Ou seja, as pessoas precisam estar confiantes de que uma inflação alta demais vai levar a uma maior contingência fiscal [aumento dos juros] e que uma inflação muito próxima de zero vai induzir déficits e promessas de juros mais baixas ou gastos mais altos no futuro, enquanto em tempos normais a política fiscal deve se preocupar especialmente com o peso da dívida real.

Hiperinflação não tem sido um problema na maioria dos países nos últimos tempos, porque a lição de que ela só pode ser contida com reforma fiscal foi bem aprendida. Inflação baixa persistente tem sido um problema no Japão, nos EUA e na União Europeia porque o fato de que ela só pode ser revertida com expansão fiscal, sem a expectativa de contingência futura, ainda não foi bem internalizado.

Você ouviu falar na polêmica que suas ideias estão causando entre economistas no Brasil? O que acha disso?

Eu sei muito pouco. Pelo que entendi, a TFNP tem sido difundida como a ideia de que subir os juros faz a inflação aumentar. Isso não é necessariamente verdade. O que acontece é que a TFNP defende que, se a política fiscal não presta atenção ao nível de dívida real e ignora a inflação, então uma taxa de juros em trajetória de alta pode esvaziar o orçamento do governo por meio de mais gastos com juros, elevando as emissões da dívida e aumentando a inflação.

No entanto, ao mesmo tempo em que isso é verdade, também é verdade que o Banco Central não tem nenhum controle sobre os níveis de preço, então a política fiscal é muito mais importante do que a política monetária para determinar os níveis de inflação e preços.

Em termos de política fiscal e monetária, e da relação entre elas, o que poderia explicar o caso brasileiro, no qual, até pouco tempo atrás, altas taxas de juros tiveram pouco efeito em impedir o aumento da inflação?

Minha impressão superficial é a de que a inflação recente no Brasil esteve apenas um pouco acima da meta do Banco Central, e de que a política de juros altos ajudou a trazê-la de volta para perto da meta. Aparentemente, esse movimento não requer nenhuma explicação além da interação “normal” das políticas monetária e fiscal. A situação do Brasil nos anos de 1980 e começo dos anos 1990 era muito diferente, e acredito que neste caso a TFNP seria provavelmente relevante.

O cenário brasileiro também inclui altos spreads bancários, baixa oferta de crédito e altos riscos de calote, e, ainda assim, a inflação está acima da meta. Como controlar a inflação nesse caso, além dos juros?

Usar as taxas de juros para controlar a inflação afeta, de fato, a oferta de crédito, spread bancário e riscos de calote. Isso não quer dizer que outros métodos sejam necessários para controlar a inflação. Quando os preços estão muito altos, amortecer a oferta de crédito é um dos métodos que a política monetária tem para fazer a inflação baixar. A regulação pode diminuir as chances de que os inevitáveis períodos de lentidão no crescimento do crédito causem problemas sistêmicos no setor financeiro, que podem respingar na economia real.

Além da dívida pública, qual é a importância do alto endividamento privado (de pessoas e empresas) na política monetária?

O alto endividamento privado não é um problema em si. A proporção do crédito em relação ao PIB normalmente aumenta com o crescimento econômico, e é maior em países ricos. Se o sistema financeiro não for bem regulado, ou se expectativas otimistas sobre oportunidades de investimento dominarem os investidores, mas depois não se concretizarem, pode ocorrer uma súbita contração no sistema financeiro e o crescimento econômico pode desacelerar.

Uma regulação financeira que garanta que a prioridade será o interesse público em um sistema financeiro estável pode ajudar a mitigar essas consequências. Tudo isso pode ser visto como aspecto da política monetária, mas não tem nada a ver com o controle da inflação pelos juros.

Você acha que “congelar” os gastos do governo pelos próximos 20 anos é uma boa forma de controlar as expectativas sobre a dívida pública? Havia outras medidas a serem consideradas?

Eu não tenho conhecimento suficiente sobre o Brasil para dar uma resposta detalhada para esta questão. Se houver mesmo um “congelamento” de 20 anos das despesas públicas no Brasil, eu questionaria a sabedoria desta medida sob dois aspectos. Um é que é pouco provável que o governo possa se comprometer com seriedade em manter o nível de gastos por 20 anos, então uma promessa dessas vai acabar minando, ao invés de aumentar, a percepção da população e do mercado sobre o comprometimento do governo com a responsabilidade fiscal.

O outro é que o governo tem um papel importante em impulsionar o crescimento econômico e deveria esperar que os gastos cresçam conforme a economia se expande. Uma política que congele todos os gastos, em vez de considerar em detalhe quais programas devem ser cortados e quais devem ser expandidos, parece uma forma de evitar o trabalho difícil da boa política fiscal.

Você acha que a vanguarda da teoria econômica deve servir de base para a política econômica? Ou é melhor optar por medidas mais ortodoxas, consideradas mais “seguras”?

Não existem modelos “seguros”. A razão pela qual a TFNP tem ganhado atenção na União Europeia, no Japão, e um pouco nos EUA, é devido ao reconhecimento de que pensar na política como forma de controlar “o dinheiro”, ou de controlar a taxa de juros, e assim controlar a inflação, é impossível quando as taxas de juros estão perto de zero e as reservas estão várias vezes maiores do que as médias históricas.

A TFNP oferece um contexto para pensar sobre essas questões, mas não oferece nenhuma prescrição sobre política monetária. O Brasil, por outro lado, não está com as taxas de juro baixas e nem com hiperinflação. A TFNP, nestes casos, é consistente com a noção de que o Banco Central é capaz de controlar a inflação aumentando as taxas de juros quando os preços estão muito altos, e baixando as taxas de juros quando os preços estão muito baixos.

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