sexta-feira, 24 de março de 2017

Breves comentários à nova redação da Lei 6.019/74: Terceirização ampla e irrestrita???

Operários, 1933 – Tarsila do Amaral
A Lei 6.019/74 acaba de ser alterada pelo PL 4302/98, votado na Câmara dos Deputados dia 22/03/17. O projeto aguarda a sanção presidencial.

Pela nova redação, a Lei 6.019/74 passa a regular tanto o trabalho temporário como a terceirização de serviços em geral, logo, autoriza dois tipos de terceirização de serviços:

1ª – Terceirização do trabalho temporário;

2ª – Terceirização em geral.

O primeiro tipo é praticado pela empresa de trabalho temporário, como já estava previsto na Lei 6.019/74 e a segunda, primeira vez regulada em lei, pela empresa de prestação de serviços.

Para a empresa de trabalho temporário tivemos as seguintes mudanças em relação ao texto anterior.

1 – Agora também pode ser terceirizado trabalho rural, o que é nefasto para esse tipo de trabalhador tão explorado;

2 – A lei deixa clara a possibilidade de terceirizar também atividade fim, o que já era admitido pela maior parte da doutrina, mas limitado pelo Ministério do Trabalho, que vinha autuando as empresas que o faziam;

3 – O prazo deixa de ser de 3 meses prorrogáveis por mais 3 ou 6 meses, dependendo da hipótese, para ser de 180 dias prorrogáveis por mais 90 dias, totalizando 270 dias (cerca de 9 meses), podendo ser dilatado por norma coletiva. Na prática mudou pouco.

4 – Para os contratos de curta duração (até 30 dias) o FGTS poderá ser pago diretamente, se assim as partes ajustarem. Boa medida, pois desburocratiza.

5 – Foi proibida contratação de trabalhador temporário para substituição de trabalhadores em greve. Boa medida, pois não impede o movimento grevista;

6 – Tomadora é pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada. Logo, não pode a pessoa natural terceirizar temporariamente.

7 – Fixa expressamente a responsabilidade subsidiária do tomador, medida que já vinha sendo adotada pela jurisprudência, espelhada pela Súmula 331 do TST;

8 – A tomadora estenderá ao trabalhador da empresa de trabalho temporário o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado. Ótima medida, pois diminui a desigualdade entre o trabalhador temporário e os empregados da tomadora.

9 – Não se aplica ao trabalhador temporário, contratado pela tomadora de serviços, o contrato de experiência. Ótima medida, pois se o contratou significa que gostou do seu serviço enquanto era terceirizado temporário.

10 – O trabalhador temporário que cumprir o período máximo de 270 dias somente poderá ser colocado à disposição da mesma tomadora de serviços em novo contrato temporário, após noventa dias do término do contrato Isso quer dizer que se o período for menor ele poderá ser várias vezes recontratado para trabalhar no mesmo tomador. Seria uma permissão indireta a sucessivos contratos a termo com o mesmo tomador em desrespeito ao artigo 452 da CLT?

Pecou o projeto por não equiparar os direitos do trabalhador terceirizado com àqueles dos empregados da categoria do tomador, garantindo o enquadramento sindical igual ao dos empregados do tomador dos serviços. Mas, a jurisprudência vem avançando nesse sentido (OJ 383 da SDI-1 do TST).

Continuam a exigências de contrato escrito entre a tomadora e cliente, com os motivos da contratação e outros detalhes e entre o trabalhador temporário e a empresa temporária, bem como a necessidade de registro da empresa temporária no Ministério do Trabalho e de nulidade de cláusula de reserva.

A terceirização pela administração pública não foi modificada.

Para a terceirização praticada pela empresa de prestação de serviços (terceirização em geral);

1 – Esta nova modalidade está regulamentada nos artigos 4º-A e 5º-A da Lei 6.019/74 e regula a terceirização em geral;

2 – Apenas pessoa jurídica pode terceirizar trabalhadores;

3 – A empresa prestadora de serviços deverá prestar serviços “determinados e específicos” à contratante. Não se sabe o que esperar da interpretação dessas duas expressões vagas. Alguns vão defender que aí está a autorização para terceirizar atividade fim, desde que especificado, definido, fixado o tipo de serviço no contrato. Outros vão afirmar que aí está a previsão do contrato a termo, pois serviço determinado é o mesmo que serviço certo, previsível. Aliás, o artigo 443, parágrafo 1º da CLT, conceitua o contrato determinado como aquele para execução de serviço especificado ou realização de certo acontecimento. Logo, se equipara a evento certo, determinado. Assim, muitas controvérsias surgirão. Interpreto que o legislador quis se referir a um contrato determinado para atividades meio, pois quando quis ser expresso na autorização de terceirização de atividade fim o fez, como foi o caso do trabalho temporário.

4 – A lei permite que a empresa que terceiriza pode subcontratar serviços. Aí está a permissão da “quarteirização”, um verdadeiro absurdo!

5 – A lei impede o vínculo com o tomador. Aqui também poder-se-ia interpretar o texto como uma autorização legal para terceirização em atividade fim. Discordo. O fato do serviço estar relacionado à atividade meio ou fim não descaracteriza ou impede o vínculo de emprego com aquele que recebe os serviços. Logo, a melhor interpretação deste comando legal é que a terceirização de atividade meio para um fim determinado não gera o vínculo com o tomador;

6 – A empresa prestadora de serviços não precisa de registro no Ministério do Trabalho e não está vinculada ao contrato temporário, pois, basta ter CNPJ e Registro Junta comercial;

7 – A tomadora poderá estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado. Aqui  a  isonomia  é  uma  faculdade, enquanto  para o  trabalho temporário é uma obrigação. Absurda a discriminação entre as duas hipóteses de terceirização de serviços reguladas na mesma lei;

8 – Previsão expressa da responsabilidade subsidiária da tomadora.

Como não foi permitida expressamente a terceirização de atividade fim para as empresas prestadoras de serviços, continuamos a defender a prevalência da Súmula 331 do TST, que só permite a terceirização de atividade meio como regra geral. A lei é clara nesse sentido, pois quando o legislador quis permitir a terceirização em atividade fim o fez expressamente como na terceirização do trabalho temporário.

Conclusão:

Apesar de regulamentada a terceirização geral por empresas prestadoras de serviço, que não se confundem com as empresas de trabalho temporário, esta não pode ocorrer em atividade fim, pois a lei não foi expressa nesse sentido, como o foi para o trabalho temporário.

Entretanto, essa é apenas uma interpretação entre as muitas que surgirão e só o tempo vai pacificar as inúmeras controvérsias.

Vólia Bomfim
é Desembargadora do Trabalho do Rio de Janeiro. Doutora em Direito e Economia. Mestre em Direito Público. Coordenadora do curso de Direito da Unigranrio. Professora.

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