quinta-feira, 30 de março de 2017

Caixa 2

Muito se tem comentado a respeito da possível “descriminalização” da prática do chamado “caixa 2” – também tachado, por alguns, de “recursos não contabilizados”, “prática recorrente ou model reinante”.

O Congresso Nacional estuda aprovar leis para “descriminalizar” esta conduta e assim viabilizar impunidade àqueles que a praticaram.

A prática do caixa 2, por si só, pode configurar, conforme a situação jurídica, crime de falsidade ideológica, tipificado no artigo 299 do Código Penal e/ou crime de sonegação fiscal e/ou o delito previsto no artigo 350 da Lei 4.737 de 1965; o Código Eleitoral.

Mas a prática de “Caixa 2”, tanto quanto a de “Caixa 1”, em outras configurações de situações jurídicas, também podem configurar crimes de lavagem de dinheiro.

Lavagem de dinheiro poderia ser definida como o método pelo qual um indivíduo ou uma organização criminosa processa os ganhos financeiros obtidos com atividades ilegais, buscando trazer a sua aparência para obtidos licitamente. Trata-se de crime que depende da existência de outro antecedente, que gera ganhos ilícitos, de bens, direitos ou valores.

O depósito de dinheiro em caixa 2 (slush fund) – quer dizer, de forma não declarada às autoridades em relação à sua origem, pode significar, outrossim, outras duas formas de infrações penais:

a) Se o dinheiro tem origem criminosa, consiste em forma de “ocultar” ou “dissimular” a sua origem, portanto, configura crime de lavagem de dinheiro. Através desta conduta, o agente efetua depósito de valores em contas disfarçadas – as quais deseja que não apareçam. Então ela consiste, por si só, ação de “ocultar” a sua origem, configurando mecanismo de lavagem.

b) Se, entretanto, o dinheiro tem origem lícita, pode consistir em forma penal de sonegação de tributos e; ao ser questionado por qualquer autoridade no exercício de suas funções, se a resposta for falsa, consiste em crime de falsidade ideológica, prevista no artigo 299 do Código Penal, entre outras possíveis, conforme o caso

Depósito de valores nos chamados caixas 2 – sempre será configuração de infração penal, dependendo, somente, da origem dos valores depositados, seja ilícita ou lícita,  conforme o caso.

Então, para “descriminalizar” depósitos de “Caixa 2” decorrentes, por exemplo, de crimes de corrupção ou concussão”, seria necessário o impensável – descriminalizar o delito de lavagem de dinheiro, já que o Brasil é subscritor da Convenção de Viena de 1988, tendo-a ratificado através do Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991.

O depósito de dinheiro em caixa 1 – isso é, de forma registrada, se igualmente tiver origem em infração penal, também significará prática de crime de lavagem de dinheiro, se houver qualquer manobra para a sua ocultação ou dissimulação. Além disso, ao declarar a origem (por ex. às Receitas Federal, Estadual e/ou Municipal), o agente, que mentir sobre a origem (porque era criminosa), também incorrerá em crime de falsidade ideológica e/ou  outras específicas no âmbito do sistema tributário-legal.

Marcelo Mendroni
é Pós-doutor pela Università di Bologna (Itália). Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid. Especializado no trabalho contra Crime Organizado, Lavagem de Dinheiro e crimes econômicos. Promotor de Justiça no Ministério Público de São Paulo. Autor.

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