segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Denúncia espontânea na compensação tributária

O Código Tributário Nacional (CTN) previu, no seu artigo 138, o instituto da denúncia espontânea, assegurando aos contribuintes o direito de confessar a prática de determinada infração tributária e, com isso, obter a exclusão da penalidade. Como referida norma decorre do princípio da boa-fé, que norteia a relação entre Fisco e contribuinte, a exclusão da multa apenas se dá se a confissão for realizada antes do início de qualquer procedimento administrativo de fiscalização relacionado à infração em si.

Ainda, para que o contribuinte faça jus à denúncia espontânea, não basta a confissão do débito, devendo haver também o pagamento do tributo devido (Súmula 360/STJ). Nesse ponto, a seguinte questão é intensamente debatida nos tribunais administrativos e judiciais: a denúncia espontânea restringe-se ao pagamento em dinheiro ou aplica-se também nos casos de compensação tributária?

O artigo 156, I e II, do CTN estabelece como modalidades de extinção do crédito tributário, respectivamente, o pagamento e a compensação. Embora previstas em incisos distintos de um mesmo artigo, não há dúvidas que tais modalidades não se distinguem. Com efeito, a compensação pressupõe credor e devedor recíprocos e, portanto, assim como no pagamento, o encontro de contas em que o devedor paga/compensa o débito tem por consequência a extinção de débito e crédito.

A compensação não difere do pagamento, pois ambos têm credores e devedores recíprocos

No âmbito tributário, a disciplina legal da compensação, por ora, restringe-se aos tributos federais. No início, tal modalidade de extinção da obrigação tributária foi prevista na Lei nº 8.383/91, sendo hoje disciplinada na Lei nº 9.430/96 (e posteriores alterações) e regulamentada por diversos diplomas normativos editados pela Receita Federal.

Inúmeros comandos legais dão à compensação a finalidade de pagamento de tributos. O artigo 7º do Decreto-lei nº 2.287/86, com a redação da Lei nº 11.196/05, prevê a compensação de ofício (de iniciativa do próprio Fisco federal), definindo que o valor a ser restituído ao contribuinte ou que ele teria direito à compensação pode ser usado para o pagamento de tributo devido. Várias passagens do Decreto nº 2.138/97, que regulamenta de forma geral a compensação na esfera federal, assim como o artigo 74, parágrafo 2º, da Lei nº 9.430/96, estatuem que a compensação implica a extinção do crédito tributário.

Disso decorre uma constatação inequívoca: o crédito do contribuinte objeto da compensação é usado como verdadeira “moeda de troca” com o Fisco. É como se o contribuinte, ao pagar um tributo, ao invés de usar o dinheiro em espécie, use como moeda um crédito seu. Assim, inegável a conclusão de que todo o sistema jurídico aponta para a equiparação entre a compensação e o pagamento, o que deve ser aplicado para todos os fins.

Nada obstante, a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 384, de 26 de dezembro de 2014, evidenciou a sua posição sobre o tema, sustentando que somente o pagamento permitiria o uso da denúncia espontânea, vez que a compensação não teria sido contemplada pelo artigo 138 do CTN.

Tal posição teve reflexo direto no julgamento do tema nos tribunais administrativos e judiciais, os quais, até os dias de hoje, não uniformizaram a jurisprudência. Aliás, é possível notar, em ambas as esferas, que os julgamentos tendem a ser desfavoráveis aos contribuintes.

Em 2 de junho deste ano, contudo, o Superior Tribunal de Justiça (S TJ), ao analisar o conceito de pagamento em matéria tributária no Resp 1.122.131/SC, consignou que a compensação é modalidade de pagamento. Conforme bem ficou registrado, a compensação não difere do pagamento, pois ambos têm credores e devedores recíprocos, de cujo encontro de contas resulta o mesmo efeito jurídico: a extinção da obrigação tributária.

Essa decisão representa importante precedente para os contribuintes que possuem discussões em torno da denúncia espontânea em casos de compensação ou mesmo para aqueles que querem resguardar o seu direito à espontaneidade.

O STJ fez questão de lembrar que a interpretação das normas tributárias não deve conduzir a um raciocínio jurídico ilógico, que defenda preponderância do interesse do Fisco na arrecadação de tributos, devendo haver harmonização das relações entre o poder tributante e os contribuintes.

Ora, sobretudo no caso da denúncia espontânea, cujo objetivo essencial é o de regularização dos débitos dos contribuintes, e não o incremento dos cofres públicos, não se deve permitir que o Fisco se apoie em uma interpretação literal nitidamente arrecadatória, em detrimento da necessária interpretação sistemática das normas.

Eis o que fez o STJ no REsp 1.122.131/SC, fazendo-nos crer, portanto, que tende a prevalecer na jurisprudência a decisão proferida pelo mesmo STJ no ano de 2010, quando, ao se deparar com a discussão aqui colocada, decidiu que a denúncia espontânea se aplica tanto nos casos de pagamento clássico quanto nas compensações, sendo o único requisito para tanto que o Fisco não tenha prévio conhecimento da infração antes da confissão do contribuinte (AgR-Resp. 1.136.372/RS).

Portanto, os contribuintes que se sentirem lesados pelo não aproveitamento da denúncia espontânea em casos de compensação devem pleitear o afastamento da exigência da multa.

Marcelo Annunziata e Rômulo Cristiano Coutinho da Silva são, respectivamente, sócio e advogado associado do Demarest Advogados.

Fonte: Valor Econômico

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