terça-feira, 27 de setembro de 2016

A cobrança de créditos tributários antes da conclusão da discussão administrativa

Foi disponibilizado, em 26 de agosto, o acórdão proferido pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no qual a Corte afirmou a possibilidade da cobrança de parte do crédito tributário que tenha se tornado definitiva na esfera administrativa. A decisão ainda não é definitiva e já foi objeto de embargos de declaração. Além disso, os efeitos da decisão se restringem às partes envolvidas no processo, uma vez que não se trata de decisão dotada de efeitos panprocessuais, como seriam aqueles derivados de decisão proferida na sistemática de recursos repetitivos, por exemplo.

Não se pretende aqui discutir o acerto da decisão, mas abordar alguns desdobramentos do entendimento nela adotado.

Inicialmente, vale observar que os reflexos da decisão devem se dar especialmente no âmbito dos recursos especiais ou extraordinários na esfera administrativa. Isso porque as legislações relativas ao processo administrativo fiscal preveem expressamente a cobrança imediata da parcela dos créditos tributários que não tenha sido impugnada, o que já ocorrendo sem maiores sobressaltos, e porque as hipóteses de cabimento dos recursos para a segunda instância administrativa são usualmente bastante abertas, de modo que tais recursos costumam abranger o crédito tributário em sua integralidade.

É mesmo nas esferas especiais ou extraordinárias, em relação às quais o acesso é restrito, dependendo, em geral, da existência de divergência na decisão recorrida ou em relação a outras decisões, que se torna possível que apenas parcela da decisão possa ser objeto de recurso, mantendo-se irrecorrida outra parcela da decisão.

Deve-se destacar, ainda, que, para que a Fazenda Pública possa cobrar parte do crédito antes do encerramento da esfera administrativa, é essencial que essa parcela do crédito haja se tornado definitiva, o que significa que ela não possa ser impactada pela discussão que persiste nas cortes administrativas. Para tanto, é insuficiente que a parcela não tenha sido objeto de recurso. Tome-se, por exemplo, a hipótese de uma discussão administrativa em que o contribuinte haja interposto recurso discutindo apenas o principal, não discutindo os juros ou as penalidades.

Evidentemente, não se poderá, nesse caso, proceder à cobrança das parcelas referentes aos juros e às penalidades, a pretexto de que não foram objeto de recurso, na medida em que a eventual reforma em relação ao principal, impactará esses valores. Da mesma forma, a circunstância de nem todos os fundamentos da irresignação do contribuinte seja veiculado no recurso não autoriza a cobrança do crédito tributário antes de encerrada a esfera administrativa, caso os fundamentos veiculados sejam suficientes para alterar o valor do crédito tributário.

Por fim, a decisão do Superior Tribunal de Justiça traz consequências não apenas para o contribuinte, mas também para a Fazenda Pública. É que o fundamento da decisão é o de que a parcela que poderia ser cobrada antes do encerramento da esfera administrativa está em que esta parcela haveria se tornado definitiva. Quando a parcela se torna definitiva e sendo possível sua cobrança pela Fazenda Pública, passa a estar sujeita à prescrição, que começará a correr na data em que o contribuinte tiver sido notificado da decisão contra a qual não foi interposto recurso ou da decisão que haja inadmitido o recurso por ele interposto.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça traz, em consequência, a oportunidade de os contribuintes revisarem os créditos tributários objeto de cobrança administrativa ou mesmo judicial, para verificar se, considerando esse critério, tais créditos não foram extintos pela prescrição. Vale recordar, aqui, que prescrição é matéria de ordem pública, que pode ser conhecida de ofício, a qualquer tempo, pelo órgão julgador (o que significa que, em relação aos créditos tributários que sejam objeto de execução fiscal, a prescrição, se não for conhecida de ofício, pode ser alegada por meio de mera petição, independentemente da garantia do juízo).

Diga-se, aliás, que a própria Fazenda Pública deveria tomar a iniciativa de revisar créditos tributários que sejam objeto de questionamento parcial, para identificar aqueles que já tenham sido atingidos pela prescrição, pois não há interesse público na manutenção da cobrança de créditos tributários já extintos, cobrança essa inevitavelmente fadada ao fracasso, que apenas implicará custos e poderá impor a condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios.

Como se verifica, o que parece ser uma decisão contrária aos contribuintes, traz diversos questionamentos, inclusive para a Fazenda Pública. Resta saber como a Receita Pública reagirá, especialmente nesses momentos de receitas escassas e minguantes.

Por Henry Gonçalves Lummertz
Sócio de Souto Correa Advogados

Fonte: Jota

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