sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Fisco pode reter produtos para reclassificação fiscal

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que abrange o Sul do país, adotou entendimento que preocupa os importadores. Os desembargadores da 2ª Turma consideraram legal a retenção de mercadorias para reclassificação fiscal, exigida pelo Fisco.

O processo envolve a empresa Hi-Mix Eletrônicos, que teve equipamentos de DVR (gravadores de imagens televisionadas) retidos pela fiscalização, sem ajuizamento de autuação fiscal.

Os desembargadores entenderam que não seria aplicável a casos de desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas a Súmula nº 323 do Supremo Tribunal Federal (STF). O texto diz que "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos".

O relator do caso (apelação nº 5002582-02.2016.4.04.7008), desembargador Sebastião Ogê Muniz, baseou seu voto em precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os ministros, em julgamento de um processo que discutia desembaraço aduaneiro barrado por suposta prática de dumping, entenderam que a liberação das mercadorias poderia colocar em risco o mercado nacional (REsp 1668909).

Para a advogada Analice Castor de Mattos, sócia do escritório Delivar de Mattos & Castor Advogados, que representa a empresa no processo, a decisão é preocupante porque o caso é diferente do analisado pelo STJ. Agora, acrescenta, trata-se apenas de reclassificação fiscal para o pagamento de diferença de tributo.

Analice ainda ressalta que a mesma 2ª Turma do TRF da 4ª Região, em processo semelhante ao que defende (nº 5014381-7. 2016.4.04.7003), decidiu pela aplicação da súmula do Supremo. E que a decisão foi mantida, em junho, pelo ministro Mauro Campbell Marques, do STJ.

No recurso (Resp 1738387), o ministro reconheceu ser ilegal a retenção de mercadoria como forma coercitiva para o pagamento de multa administrativa, o que deve ser cobrado pela autoridade aduaneira mediante auto de infração.

"Todavia, o novo entendimento da 2ª Turma do TRF gera insegurança jurídica para os importadores, que muitas vezes sofrem exigências arbitrárias e ilegais por parte da autoridade aduaneira", afirma Analice.

A decisão do TRF ainda sugere a possibilidade de apresentação de garantia administrativa para a liberação da carga. Porém, segundo a advogada, isso só seria possível após instaurada a fase litigiosa do processo administrativo, que se dá por meio da impugnação do auto de infração, que ainda não teria sido lavrado.

Analice ainda ressalta que o tema já foi analisado pelo Supremo, ao fixar a tese nº 856 (ARE-RG 914.045), em processo sob repercussão geral. A tese diz que "é inconstitucional a restrição ilegítima ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando imposta como meio de cobrança indireta de tributos".

Segundo Leonardo Castro, sócio da área tributária do Costa Tavares Paes Advogados, a decisão é uma tentativa do Fisco de aplicar sanções políticas para coagir o contribuinte a recolher tributos e só depois verificar o efetivo cabimento e valor correto da cobrança exigida. "Isso é completamente descabido e já foi superado no Brasil com o artigo 151 do Código Tributário Nacional há mais de meio século."

Para ele, se essa argumentação do TRF prevalecer, grande parte das importações de mercadorias estariam sujeitas à apreensão, já que divergência de classificação fiscal é uma realidade na esfera aduaneira nacional.

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.

Por Adriana Aguiar | De São Paulo

Fonte : Valor

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