terça-feira, 30 de maio de 2017

Valor fixo de bônus de eficiência não deve reduzir judicialização

O texto da Medida Provisória (MP) 765, que trata do bônus de eficiência para analistas e auditores fiscais, foi modificado na Câmara dos Deputados e passou a prever um valor fixo mensal para os representantes da Fazenda no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Essa foi a saída encontrada tanto para facilitar a aprovação da matéria como para tentar frear a ida de contribuintes à Justiça contra os julgamentos na esfera administrativa.

Com a mudança, os conselheiros passariam a receber uma gratificação mensal de aproximadamente R$ 5,6 mil. Já aos demais profissionais da Receita Federal foi mantido o formato original da MP, um modelo de bonificação com base em percentuais que variam conforme a produtividade.

Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, Cláudio Damasceno, defende o bônus para os julgadores do Carf – inclusive da forma originariamente prevista na MP. Mas considera boa a saída encontrada. "Deixar os conselheiros completamente de fora poderia diminuir o interesse em integrar o Conselho", diz.

Para advogados, no entanto, a solução encontrada não terá o efeito desejado com relação aos contribuintes. Especialmente porque a estratégia foi usada no sentido de esvaziar a argumentação de que o bônus colocaria em dúvida a imparcialidade da conduta dos representantes da Fazenda nos julgamentos do Carf.

Do ponto de vista jurídico, segundo os especialistas, não haveria diferenças entre uma ou outra forma de pagamento. "Sendo fixo ou variável, eles [conselheiros] vão continuar tendo interesse econômico na demanda", diz um advogado.

Isso porque a fonte das gratificações continua sendo a mesma: o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf) que, entre outras receitas, é composto pelas multas tributárias. "Se esses valores são decorrentes das autuações da Receita, quem garante que não será [o bônus] um incentivo aos conselheiros para mantê-las?", aponta outro especialista.

Há preocupação dos contribuintes em relação ao posicionamento no Carf porque, apesar de a quantidade de conselheiros representantes da Fazenda e dos contribuintes ser a mesma nos julgamentos, em caso de empate de votos é o presidente (que representa o Fisco) quem dá a palavra final.

O texto já modificado da MP 765 deve ter votação concluída no plenário da Câmara dos Deputados hoje. Começou a ser apreciado em uma sessão conturbada na última semana. Já era madrugada de quinta-feira quando o texto-base foi aprovado, mas a votação acabou sendo interrompida por um pedido de verificação de quórum.

Depois da Câmara, a matéria vai ao plenário do Senado e terá pouquíssimo tempo para ser analisada. A tramitação tem de ser concluída no Congresso até quinta-feira, sob pena de perder a eficácia por decurso de prazo.

A MP 765 foi editada pelo governo federal em dezembro do ano passado. Foi a forma encontrada para, em meio a greve e protestos da categoria, aumentar a remuneração sem precisar mexer nos salários. Essa medida, contudo, vem levando desde o começo de 2017 inúmeros contribuintes ao Judiciário.

Eles pedem, principalmente, a suspensão dos julgamentos no Carf. Inicialmente houve uma grande quantidade de liminares deferidas, mas no fim de março a Fazenda conseguiu uma vitória importante sobre o tema. O presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, desembargador Hilton Queiroz, reverteu todas as decisões.

O magistrado entendeu que a suspensão de julgamentos que sequer foram concluídos geraria "insegurança jurídica tanto para a União quanto para os contribuintes, uma vez que não permite definir se houve ou não a constituição definitiva do crédito tributário".

Agora estão começando a aparecer decisões, ainda na primeira instância, com um viés diferente: os juízes estão mantendo os julgamentos, mas determinando que os valores das multas geradas a partir daqueles resultados específicos não sejam utilizados para o pagamento do bônus.

Isso já aconteceu duas vezes. Uma das decisões foi proferida pela 14ª Vara Cível da Justiça Federal do Distrito Federal. A outra pela 5ª Vara Cível. "A garantia de um julgador imparcial é corolário do devido processo legal. Nesta senda, contradiz o ideal a imparcialidade o julgador que, ao depender do resultado do julgamento, poderá vir a ser beneficiado por gratificação financeira", afirma em uma das decisões o juiz Eduardo Rocha Penteado.

Os advogados do escritório Demarest, Marcelo Annunziata e Lucas Muniz Tormena, que atuaram em um dos casos, chamam a atenção que, apesar de ter negado a liminar, o juiz deixou claro que só não suspendeu o julgamento por entender que decisões reiteradas nesse sentido poderiam inviabilizar o Carf. "Ou seja, apesar de não ter dado a liminar, ele concordou com a tese dos contribuintes", diz Annunziata.

Já o procurador Rogério Campos, da coordenação-geral da representação judicial da Fazenda Nacional, diz que decisões nesse sentido são inexequíveis. "Porque a multa em si não é rateada. Valor arrecadado a título de multa é apenas um dos componentes dessa gratificação. Há uma falta de compreensão dos juízes do que é, de fato, esse bônus", argumenta.

Para tentar resolver a questão, o TRF da 1ª Região analisa hoje a admissibilidade de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) – quando um caso é apreciado e a decisão aplicada a todos os demais, pela segunda instância – sobre o tema.

E há ainda um outro julgamento importante que pode respingar nessa questão do bônus. O advogado Tiago Conde, do Sacha Calmon, cita um processo com repercussão geral reconhecida no Supremo Tribunal Federal (STF) e que também aborda o tema. O caso em questão trata de uma lei de Rondônia. Os ministros vão decidir se é constitucional a vinculação de receita arrecadada com multas tributárias para o pagamento de adicional de produtividade.

Por Joice Bacelo | De São Paulo
Fonte : Valor

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