quinta-feira, 18 de maio de 2017

PIS e COFINS: não cumulatividade e créditos – limitações da lei e da SRFB ao creditamento

1. Introdução
Sempre que somos provocados para pronunciamento sobre o específico tema da não cumulatividade, insistimos para deixar registrado nosso inconformismo com as práticas legislativas que continuam desfigurando o nosso sistema tributário. O abusivo manejo do instituto da substituição tributária, como também da tributação dita monofásica, são comodidades adotadas pelas administrações tributárias que vão transformando em engodo o que se colocou no sistema como garantia constitucional.

Com efeito, não é necessário maior esforço para se antever que os objetivos de concentrar a arrecadação em poucos contribuintes, mediante a fixação de incidência em única etapa como acontece com os regimes de tributação monofásica e de substituição tributária, são práticas que se revelam incompatíveis com a diretriz constitucional da não cumulatividade, pois esta tem como pressuposto a distribuição da carga tributária pelas diferentes etapas da cadeia de produção e circulação da riqueza, assegurando a incidência plurifásica em detrimento da concentração monofásica.

Mesmo estando esfacelada a garantia da não cumulatividade, originalmente prevista na Constituição para o IPI[1] e para o ICMS[2], insistiu o constituinte derivado para que essa técnica também estivesse contemplada na apuração das contribuições destinadas ao custeio da seguridade social (PIS e COFINS). No entanto, a iniciativa não passou de novo engodo, na medida em que serviu de oportunidade para majorar as incidências das referidas contribuições, sob o pretexto da necessidade de calibrar novas alíquotas para que não houvesse perda arrecadatória no chamado regime não cumulativo, novamente deformado na sua estrutura pela mitigação de créditos, em total menosprezo ao conteúdo semântico da locução acrescentada na Magna Carta para ser aplicável, também, na apuração das contribuições sociais.

Ao acenar com a introdução do regime da não cumulatividade, também para essas contribuições, temos como certo que a Constituição Federal operou com expressão que já identificava mecanismo de conteúdo semântico pressuposto, deixando pouca margem ao legislador ordinário ao estabelecer, no §12 do art. 195, que “a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, “b”, e IV do caput, serão não cumulativas”.

Começando pelo comando final do parágrafo transcrito, tenha-se presente que a técnica da não cumulatividade já estava sedimentada em nosso ordenamento jurídico, a ponto de ser catalogada ao lado dos princípios constitucionais por vários doutrinadores[3]. Com efeito, prevista inicialmente na Constituição Federal como diretriz a ser obrigatoriamente observada pelo legislador ordinário, quando da estruturação da regra de incidência do IPI e do ICMS, sempre foi reconhecida como técnica para distribuir o encargo desses impostos ao longo da cadeia das etapas de produção e circulação, mediante o certeiro comando de aproveitamento do imposto, suportado via preço na operação anterior, como crédito para ser deduzido do imposto incidente sobre as operações realizadas na sequência, para efeito de determinar o valor a ser recolhido à Fazenda Pública.

Portanto, ao fazer referência expressa para que a não cumulatividade fosse adotada, também, para cálculo das contribuições sociais incidentes sobre a “receita” e sobre as “importações”, de determinados sujeitos passivos compreendidos em específicos “setores de atividade econômica” que seriam definidos pela lei, não era necessário qualquer avanço do constituinte derivado para explicitar a forma de sua realização, pois a técnica já era reconhecida, assim como o seu pretendido efeito de eliminar a sobreposição de incidência das referidas contribuições.

Para tanto, além de identificar os “setores de atividade econômica”, cujos sujeitos passivos estariam submetidos à nova sistemática de apuração, ao legislador ordinário cabia, quando muito, a escolha pelo método que se revelasse eficiente para impedir a incidência em cascata das mencionadas contribuições. Contudo, afrontando as mencionadas diretrizes constitucionais, é possível demonstrar que nenhuma dessas tarefas foi adequadamente cumprida pelo legislador ordinário, como se pretende apresentar nesse breve ensaio.

2. Deficiências do regime não cumulativo criado para PIS e COFINS e limitações da lei ao creditamento
Diante do mencionado comando inserido na Constituição, não é preciso muito esforço interpretativo para concluir que a discricionariedade do legislador para disciplinar a referida não cumulatividade limita-se, exclusivamente, à seleção dos “setores das atividades econômicas” sujeitos ao regime da não cumulatividade.

Porém, as leis que efetivamente instituíram as contribuições não cumulativas ao PIS (Lei nº 10.637/02) e para a Cofins (Lei nº 10.833/03), incidentes sobre as receitas, complementadas pela Lei nº 10.865/04 que instituiu a incidência dessas contribuições também sobre as importações, desrespeitaram o critério estipulado pela Constituição Federal ao fixar que a obrigatoriedade da sistemática não cumulativa está vinculada, principalmente, ao regime de apuração do IRPJ da pessoa jurídica (Lucro Real), sendo irrelevante o “setor de atividade econômica” de que participa. Evidente que a forma de tributação adotada para o IRPJ nada tem a ver com o critério constitucional que exige a indicação de “setores da atividade econômica”, para os quais será pertinente a adoção da sistemática da não cumulatividade.

Não bastasse essa desconformidade com o texto constitucional, optou o legislador ordinário pelo que denominou de “método subtrativo indireto” para neutralizar os efeitos da incidência em cascata, mediante apuração de créditos que não guardam relação direta com a real incidência de contribuição anterior, anomalia reconhecida em parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), como se vê do trecho a seguir transcrito:

[…]

Vê-se, assim, que as normas legalmente postas ao respeito da não cumulatividade da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS não impõem uma proporção entre o tributo pago pelo vendedor e o crédito apurado pelo comprador. O sistema, portanto, não comporta uma perfeita proporção entre débito do vendedor e crédito do comprador. O sistema convive com descompassos, com falhas, de forma que, se o compararmos com o método do imposto contra imposto (IPI) dificilmente haverá uma cadeia em que o crédito apurado seja proporcional à contribuição anteriormente recolhida (ou devida ou exigível).[4] (grifos constam do original)
Além dessa confessada desconexão que, pela sua relevância, foi sublinhada pela própria PGFN no seu pronunciamento, no parecer transcrito há também o reconhecimento expresso no sentido de que o “sistema convive com descompassos, com falhas”. Dentre tantas distorções, cabe acrescentar o equívoco na técnica restritiva adotada pelas mencionadas regras jurídicas, ao limitar o registro de créditos unicamente sobre as operações expressamente listadas no texto legal, relacionadas com determinadas despesas e específicos custos suportados pela pessoa jurídica.

É preciso engrossar o coro da crítica também contra essa sofrível técnica legislativa, pois ao lado da lista positiva de operações que asseguram o registro de crédito, enumerou o legislador lista negativa para relacionar as operações em que o crédito está expressamente vedado, critério que só faz aumentar a incerteza e a insegurança jurídica, ao se deparar com operações que não se encaixam na lista positiva, tampouco na lista negativa.

3. Restrição ao registro de crédito por meio de regra antielisiva
Além da extrema complexidade da legislação dessas contribuições, retalhada pela prevalência das exceções em detrimento das regras, é preciso pontuar que há uma série de dispositivos dessa legislação que avançam sobre direitos inerentes ao mecanismo da não cumulatividade, a exemplo da restrição de crédito sobre locação de imóvel que já pertenceu ao patrimônio da locatária, prevista no art. 31, §3º, da Lei nº 10.865/04 já mencionada.

Nem se argumente que essa restrição que veda a possibilidade de registro de crédito pela locatária, sobre os valores devidos a título de “aluguel e contraprestação de arrendamento mercantil de bens que já tenham integrado o patrimônio da pessoa jurídica”, para efeito de apuração não cumulativa de PIS e COFINS, estaria legitimada pelo seu evidente caráter antielisivo, assim considerada toda regra jurídica que busque desclassificar os negócios jurídicos realizados com o único objetivo de reduzir a carga tributária que normalmente incidiria em cada operação.

Ainda que se admita a sua vocação de norma antielisiva, a mencionada restrição legal deveria obedecer as diretrizes da norma geral prevista no art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, incluído pela Lei Complementar nº 104/01, norma geral que delega competência à legislação ordinária para estabelecer os procedimentos voltados a “desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.”

Sem discutir a possibilidade constitucional dessa delegação de competência, percebe-se que a questionada Lei nº 10.865/04 extrapolou as condições impostas na referida legislação complementar, mediante a diretriz que exige a prática de ato com a finalidade de dissimulação do fato gerador efetivamente ocorrido, situação nem sempre condizente com as glosas de crédito implementadas pela fiscalização federal.

No entanto, a costumeira conduta abusiva do Fisco tem contribuído para justificar o receio dos contribuintes quanto à possibilidade de o Fisco pretender questionar o propósito negocial, ou a substância econômica da operação, que consuma a locação de imóvel que anteriormente fez parte do patrimônio da locatária, analisando particularidades da operação para fundamentar a eventual glosa do crédito de PIS e Cofins, e até mesmo para crivar de indedutibilidade a despesa para efeito de IRPJ e CSLL.

Assim em sua literalidade, o mencionado art. 31, §3º, da Lei nº 10.865/04 parece contrariar a legislação complementar, além de afrontar o preceito constitucional da não cumulatividade, ao impedir o direito ao crédito em operações lícitas e efetivas, como são exemplos os contratos de locação celebrados por pessoa jurídica na modalidade built-to-suit, regulados pela Lei nº 12.744/12 que introduziu o art. 54-A na Lei nº 8.245/91, ainda que a edificação contratada venha a ser realizada pela pessoa jurídica locadora em terreno que anteriormente tenha pertencido à própria locatária.

Nesse ponto, embora a lei civil considere o imóvel como um todo, correspondendo ao “solo e tudo que se lhe incorporar natural ou artificialmente”[5], é possível a existência de parte correspondente ao valor das edificações que não esteja na literalidade da proibição de crédito, por representar valor que nunca tenha integrado o “patrimônio da pessoa jurídica” locatária. Assim, o direito ao crédito persistiria, no mínimo de forma proporcional ao valor dos investimentos realizados pela locadora, na medida em que o valor das edificações que tenha sido suportado pela locadora, nunca pertencera ao patrimônio da locatária.

Ainda que essa particularidade não estivesse em exame no caso levado a julgamento, é preciso registrar que tem sido outra a análise do Poder Judiciário, como se vê do pronunciamento proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região que aqui se transcreve: […]

3.3. Se o § 12 do art. 195 estabeleceu que a lei trataria da “não cumulatividade” do PIS/COFINS, restou aberta a possibilidade de o legislador eleger quais poderiam ser os fenômenos econômicos aproveitáveis para fins de redução da carga fiscal dessas contribuições. Não há qualquer vício de inconstitucionalidade no § 3º do art. 31 da Lei nº 10.685/2004, que limitou despesa aproveitável pelo contribuinte do PIS/COFINS, para lhe gerar crédito com finalidade de diminuir a carga dessas contribuições no regime da “não cumulatividade”; as regras do regime da “não cumulatividade” foram cometidas à lei infraconstitucional. Destarte, não há óbice a que o legislador determine que algumas despesas do contribuinte não possam gerar créditos para abatimento na base de cálculo do PIS/COFINS. […].[6] (grifos acrescidos).

Na esfera administrativa, não surpreende que os órgãos de julgamento venham acolher a restrição imposta pelo já mencionado art. 31, §3º, da Lei nº 10.865/04, visto que, em regra, os órgãos administrativos não podem afastar a aplicação de lei sob o argumento de inconstitucionalidade, em obediência ao específico comando previsto no art. 26-A do Decreto nº 70.235/72 que regula o processo administrativo tributário na esfera federal. Confirmando essa perspectiva, há manifestação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) aplicando a questionada regra proibitiva de crédito, acrescentando ser irrelevante a época em que o imóvel locado tenha participado do patrimônio da locatária.[7]

4. Limitação ao crédito de PIS e COFINS por atos da administração tributária
Não bastassem as exorbitantes restrições ao direito de crédito impostas, de forma expressa ou até indireta, pelas próprias leis que idealizaram o chamado regime não cumulativo dessas contribuições, o desvirtuamento dessa sistemática de apuração vem complementado por atos de caráter normativo expedidos pela administração tributária, costumeiramente anunciados como normas com a função de esclarecer a correta aplicação da norma tributária, mas que acabam extrapolando o conteúdo e alcance das leis em função das quais esses atos são expedidos.

No restrito espaço destinado ao presente estudo, selecionamos dois temas conexos que servirão para demonstrar o abuso perpetrado pela administração tributária federal, por meio de atos normativos baixados a pretexto de interpretar o alcance das regras jurídicas que regulam a não cumulatividade do PIS e da COFINS.

4.1. Indevido aniquilamento do conceito de “insumos” para registro de créditos para PIS e COFINS.

Para confirmar as críticas registradas em tópico precedente, traz-se aos olhos parte do texto da regra jurídica que adotou o modelo de listar as operações que autorizam o registro de créditos para COFINS (Lei nº 10.833/03), sendo certa a existência de idêntico comando para os créditos relacionados com o PIS (Lei nº 10.637/02). Colocando o enfoque no tema atinente aos “insumos”, eis a específica mensagem do legislador:

Lei nº 10.833/2003:

Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

[…]

II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes […]; (grifos acrescidos).

De pronto, é preciso destacar que dentre os diferentes sentidos possíveis para o vocábulo “insumo” (elemento físico, funcional ou econômico), adotou-se valoração legislativa que dá destaque para o sentido funcional ou finalístico para esses custos suportados pela pessoa jurídica, enfatizando o texto legal que os “bens e serviços” não precisam, necessariamente, ser reconhecidos a priori como “insumos”, pela própria natureza intrínseca de cada um deles. Pelo contrário, os “bens e serviços” devem revelar aptidão para serem “utilizados como insumos” na específica atividade exercida pela pessoa jurídica, seja na “prestação de serviços, na produção ou na fabricação de bens ou produtos destinados à venda”, como consta do inciso transcrito.

Evidente que esse utilizar como implica exame das operações contratadas pela pessoa jurídica em cada caso (exame do fato), não bastando o costumeiro exame da norma jurídica. Além do mais, é preciso ter presente que o referencial para o registro do “crédito” (de PIS e COFINS) é o ciclo de operações inerentes e vinculadas à obtenção de ingresso que se qualifica como “receita”, pois essa é a materialidade tomada pela lei como conteúdo do fato jurídico tributário submetido à incidência das referidas contribuições.

Neste sentido, para efeito de implementar a não cumulatividade mediante o registro de créditos de PIS e de COFINS, parece-nos induvidoso que “insumo” é conceito relacional na regra jurídica examinada, alcançando todos os ingredientes das “atividades” desempenhadas pela pessoa jurídica (não só dos produtos), atividades essas marcadas especialmente pelos verbos “prestar” (serviços), “produzir” (bens e serviços), “fabricar” (produtos e bens), ciclo que se completa necessariamente com a ação de “destinar” (à venda) os “bens, produtos e serviços” concebidos com esse conjunto de atividades desenvolvidas.

Nesse conjunto de ações, materializadas pelos verbos colocados em destaque, devem ser admitidos registros de créditos sobre todos os custos e encargos, submetidos à incidência dessas contribuições, que se revelem inerentes e necessários para que seja possível a obtenção da “receita”, por ser esta a base de incidência para cálculo dos valores identificados como “débitos” que, considerados no regime de apuração não cumulativa, serão confrontados com os correspondentes “créditos” para se dimensionar o quantum da obrigação a recolher, a título dessas contribuições, em cada período de apuração determinado pela lei.

Nessa amplitude, entendemos que há legitimidade para o registro de créditos de PIS e COFINS sobre os custos suportados com representação comercial, pelos pagamentos de comissões para pessoas jurídicas que prospectam pedidos de clientes para que os “bens, produtos ou serviços” possam ser destinados à venda.

No entanto, é prudente anotar que esse entendimento está em sentido contrário ao posicionamento adotado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), que tem promovido glosas sobre os créditos de PIS e COFINS registrados pelas empresas sobre os encargos com a natureza de “comissões sobre vendas”, não os reconhecendo na extensão do conceito de “insumos”. A questão segue controvertida, pois ao lado de julgados administrativos que confirmam esse procedimento do Fisco, conforta registrar aceno de reversão dessa glosa em julgamento perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), conforme síntese da ementa a seguir transcrita:

PIS/COFINS NÃO-CUMULATIVA. SEGURADORA DE GARANTIA ESTENDIDA. SERVIÇO DE VENDA DO SEGURO. GERAÇÃO DE CRÉDITO. POSSIBILIDADE.

Deve-se considerar como insumo, para fins de crédito do PIS e da COFINS não-cumulativos, todo bem ou serviço essencial à atividade da empresa. In casu, a terceirização do serviço de prospecção e de venda do seguro é imprescindível à atividade da Recorrente, motivo pelo qual se classifica como insumo e gera crédito do PIS e da COFINS não-cumulativos.[8]  (grifos acrescidos)

Em resumo, adotada essa concepção funcional para explicitar o conceito de “insumo”, já é possível antecipar que as operações que autorizam o registro de créditos para PIS-COFINS não são tão restritas como aquelas previstas na legislação do IPI que adota o conceito de “insumo” no sentido físico e não relacional, assim como deve ser rechaçada qualquer tentativa de buscar elasticidade para abranger todos os custos e despesas operacionais que afetam o resultado da pessoa jurídica, nos termos da legislação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

No entanto, desde a edição das Instruções Normativas nºs 247/02 e 404/04, insiste a administração tributária em manter posicionamento que restringe indevidamente o conceito de “insumos” para efeito de registro de créditos de PIS e COFINS, atrelando o seu entendimento àquele atinente ao registro de créditos da não cumulatividade do IPI, sabidamente vinculado ao produto industrializado (sentido físico) que é sua base de incidência, ainda que seja outro o referencial pertinente para as contribuições, pois estas têm o ingresso da “receita” como materialidade de incidência.

Inúmeros conflitos são provocados pelas inapropriadas restrições impostas pelas mencionas Instruções Normativas. Evoluindo para a concepção funcional que parece adequada para o conceito de “insumos”, registra-se pronunciamento da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), colegiado a quem é atribuída a nobre missão de uniformizar a jurisprudência administrativa no âmbito do CARF, de onde se destaca trecho conclusivo de voto da relatora, convergente com a concepção trazida no presente estudo:

As Instruções Normativas nºs 247/2002 e 404/2004, ao admitirem o creditamento apenas quando o insumo for efetivamente incorporado ao processo produtivo de fabricação e comercialização de bens ou prestação de serviços, aproximando-se da legislação do IPI que traz critério demasiadamente restritivo, extrapolaram as disposições da legislação hierarquicamente superior no ordenamento jurídico, a saber, as Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, e contrariaram frontalmente a finalidade da sistemática da não cumulatividade das contribuições do PIS e da COFINS. Patente, portanto, a ilegalidade dos referidos atos normativos.[9] (grifamos)

Essa diretriz estampada no voto transcrito, no sentido de afastar o conceito de “insumo” daquele adotado pela legislação do IPI, é a premissa que tem norteado os julgamentos dos conflitos que são levados a exame perante o Tribunal Administrativo. No entanto, é pouco o resultado para ser comemorado, pois ainda prevalecem a incerteza e a insegurança jurídica diante da necessidade de avaliação de cada caso, mediante exame não só das peculiaridades de cada negócio jurídico realizado, mas principalmente do contexto em que está inserida cada operação, sua finalidade e destino dos “bens, produtos e serviços” adquiridos, tudo isso frente a uma complexa e retalhada legislação que é dotada de inúmeras “falhas” e está “descompassada”, na confessada avaliação da Procuradoria da Fazenda Nacional transcrita no início deste estudo.

4.2. Indevida restrição ao crédito sobre custos para obtenção do “insumo do insumo”.

Para demonstrar o endurecimento da rígida posição assumida pela administração tributária, que é indicativo da continuidade dos conflitos que se multiplicam entre Fisco e contribuinte, traz-se a exame matéria conexa à examinada no subitem precedente, relacionada com as negativas de crédito para as operações já batizadas de “insumo dos insumos”.

Nesse tema, chama a atenção recente orientação expedida pelo órgão central da SRFB, por meio da Solução de Divergência COSIT nº 7/2016, publicada com o objetivo de uniformizar o entendimento das diferentes unidades de suas repartições fiscais existentes no país, merecendo destaque a parte inicial da sua ementa, a seguir transcrita:

ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP

EMENTA: NÃO CUMULATIVIDADE. DIREITO DE CREDITAMENTO. INSUMOS. DIVERSOS ITENS.

  1. Na sistemática de apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep, a possibilidade de creditamento, na modalidade aquisição de insumos, deve ser apurada tendo em conta o produto destinado à venda ou o serviço prestado ao público externo pela pessoa jurídica.
  2. In casu, trata-se de pessoa jurídica dedicada à produção e à comercialização de pasta mecânica, celulose, papel, papelão e produtos conexos, que desenvolve também as atividades preparatórias de florestamento e reflorestamento.

[…]

É sintomático que a orientação tenha sido veiculada por meio de ato denominado “Solução de Divergência”, instrumento utilizado para unificar diferentes entendimentos de órgãos da administração tributária sobre a mesma matéria. No entanto, a necessidade de ato para “solucionar divergência” revela o cenário de desentendimentos, divergências e desencontros, demonstrando que nem mesmo entre as autoridades fiscais há consenso na interpretação das “descompassadas” regras jurídicas que regulam a complexa e caótica não cumulatividade do PIS e da COFINS.

Embora seja longa a ementa da mencionada Solução de Divergência Cosit nº 7/2016, faz-se aqui o deliberado corte como medida profilática, com o sentido de demonstrar que são suficientes esses dois itens transcritos para destacar a abusiva restrição ao direito de crédito de PIS e COFINS que se pretende demonstrar.

No texto transcrito está evidenciado o contorcionismo na atividade interpretativa. A despeito do aceno positivo que aparece como considerável avanço no item 1, no sentido de que a possibilidade de registro de crédito deve ser avaliada “tendo em conta o produto destinado à venda ou o serviço prestado”, na linha que destacamos anteriormente, é lamentável que essa construção tenha servido unicamente de mote para acrescentar a expressão restritiva “ao público externo”, complemento ali colocado com o deliberado objetivo de impedir o registro de crédito sobre custos incorridos na produção de matéria prima desenvolvida na própria empresa (insumo dos insumos), restringindo ilegalmente o direito ao crédito somente para os insumos relacionados diretamente com a etapa que destina o produto ou o serviço ao “público externo”.

Portanto, longe de valorizar a etapa de “destinação à venda” – que sempre deve ser considerada –, a premissa colocada no item 1 da ementa transcrita serve ali de suporte para que o Fisco encadeie as conclusões restritivas subsequentes, no sentido de que as chamadas “operações internas” não admitem créditos, como são considerados os gastos com a formação e manutenção da floresta, da qual se extrai a madeira como matéria prima (insumo) que é imprescindível para a fabricação de pasta de celulose, papel, papelão e outros produtos.

Como se vê, além da complexidade da legislação, falta racionalidade na interpretação restritiva exteriorizada pelo Fisco, na medida em que há o reconhecimento de que haveria direito ao registro de crédito se a madeira (matéria prima) fosse adquirida de terceiro, de outra pessoa jurídica que, seguramente, teria registrado os créditos sobre os custos para obtenção da madeira vendida. Portanto, não parece razoável negar o crédito para idênticos custos relacionados com a produção da própria matéria prima (madeira), quando suportados pela pessoa jurídica que concentra todas essas atividades desde a formação da floresta, utilizando a madeira ali produzida para a geração de receita com a venda de papel, celulose, papelão e outros produtos.

Conforta registrar que há mais de um pronunciamento do CARF reconhecendo o direito de crédito sobre essa mesma matéria. Com efeito, pelo Acórdão nº 9303-002.628, proferido na sessão de 13 de novembro de 2013, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Nacional, assegurando o registro de créditos sobre esses insumos indiretos de empresa que produz a madeira e fabrica celulose, acatando voto do relator cujo trecho merece transcrição:

Em relação aos serviços silviculturais e serviços florestais de produção, exceto manutenção de vias permanentes e terraplanagem, manutenção de estradas e serviços de pesquisa, desenvolvimento, planejamento e controle florestal, estão vinculadas ao processo produtivo e geram direito ao crédito. Assim as despesas com a manutenção e exploração de florestas ou produção de madeira geram direito ao aproveitamento dos créditos. Estão aqui incluídos todos os insumos empregados na produção de madeira e celulose, como os defensivos agrícolas, fertilizantes, serviços de corte, formicida, calcário, vermiculita e demais insumos usados direta ou indiretamente no processo produtivo. Assim como também dão direito os fretes dos insumos pagos à pessoa jurídica e devidamente comprovados e os combustíveis vinculados à produção de madeira, bem como despesas de manutenção do parque fabril e despesas com manutenção de máquinas e equipamentos industriais e agrícolas. Trata-se da aplicação literal do art. 3º da Lei 10.637/02. Assim, nego provimento ao Recurso Especial da Fazenda Nacional.[10]

Confirmando essa diretriz reproduzida no voto transcrito, em outra oportunidade pontuou a mesma CSRF, pelo Acórdão nº 9303-003.069 de sua 3ª Turma, na sessão de 13 de agosto de 2014, que os gastos com a formação de florestas, por estarem qualificados como “insumos” (ou “insumos dos insumos”) utilizados na produção do bem destinado à venda, devem assegurar direito de crédito para a empresa que tem a madeira como matéria prima para a produção de pasta de celulose, papel, papelão e outros produtos.

5. STF: Rito da Repercussão Geral para definir o alcance da não cumulatividade para PIS e COFINS
Espera-se que o tema do alcance da não cumulatividade, para apuração das contribuições incidentes sobre a receita e sobre as importações, mereça o adequado exame pelo Supremo Tribunal Federal, pois essa matéria tem repercussão geral já reconhecida desde 13.08.2014, catalogada sob o tema nº 756, com o seguinte indicativo de sua abrangência: “Alcance do art. 195, § 12, da Constituição federal, que prevê a aplicação do princípio da não-cumulatividade à Contribuição ao PIS e à COFINS” (RE 841.979).

Enquanto o STF não julgar definitivamente o recurso submetido ao rito da repercussão geral, permanecerão suspensos todos os processos judiciais pendentes sobre a matéria e, por outro lado, quando sobrevier a publicação do acórdão que decidir a questão, a respectiva orientação deverá ser obrigatoriamente respeitada pelos demais tribunais do país, assim como pela administração tributária e também pelos contribuintes, nos termos da lei processual[11] atualmente em vigor.

6. Síntese conclusiva
No pequeno espaço reservado para essa breve reflexão, é possível alinhavar objetivas conclusões nos seguintes termos:

6.1. Há conteúdo mínimo pressuposto a ser respeitado pelo legislador ordinário para a técnica da não cumulatividade, colocada no texto constitucional também para as contribuições do PIS e da COFINS, incidentes sobre a receita;

6.2. Nos tributos submetidos ao regime não cumulativo, há frontal agressão ao ordenamento jurídico pela costumeira prática de ampliar os regimes de incidência concentrada em única etapa, seja pela adoção do mecanismo de substituição tributária ou da incidência conhecida como monofásica;

6.3. É inadequada a adoção da técnica da não cumulatividade na tributação da “receita”, assim como imprópria a vinculação do regime de tributação do IRPJ (lucro real) para atrair a pessoa jurídica para o regime não cumulativo de apuração das contribuições do PIS e da COFINS, pois não se trata de eleição de “setores de atividade econômica” como exige a Constituição;

6.4. A não cumulatividade pressupõe a neutralização da incidência em cascata, concepção que impede a inserção de mecanismos legais impeditivos de registro de créditos do específico tributo incidente e suportado via preço, nem mesmo sob o fundamento de tratar-se de regra antielisiva para inibir comportamentos do contribuinte;

6.5. Revela-se abusiva e inconstitucional a edição de lei para mitigar créditos de PIS e de COFINS para específicas operações de empresas submetidas ao regime não cumulativo, assim como ilegal a edição de atos administrativos expedidos pela administração tributária com o objetivo de impedir o registro de créditos no ciclo de operações voltadas para as atividades necessárias para a obtenção da “receita”, que é o pressuposto de fato para a incidência das contribuições;

6.6. Tem sentido funcional (e não físico) a indicação de registro de créditos sobre “insumos utilizados na produção e fabricação de produtos ou serviços destinados à venda”, avançando a jurisprudência administrativa para reconhecer como ilegal a expedição de atos normativos que atrelam o conceito àquele adotado na legislação do IPI;

6.7. Revela-se abusiva e inadequada a interpretação por meio de atos da administração tributária, com o objetivo de impedir o registro de créditos de PIS e de COFINS para os chamados “insumos dos insumos”, como são os custos suportados na produção da própria matéria prima utilizada na empresa para elaboração dos produtos destinados à venda, a exemplo dos gastos com a formação de floresta para extração da madeira utilizada na produção de papel, cujos créditos têm sido admitidos pelos atuais pronunciamentos da jurisprudência administrativa;

6.8. Estando o tema da não cumulatividade das contribuições sociais submetido ao rito da repercussão geral, espera-se que a Suprema Corte venha assegurar a esperada segurança jurídica, mediante pronunciamento que delimite a estreita atuação do legislador ordinário nessa matéria, respeitando o conteúdo pressuposto da técnica da não cumulatividade, ainda que não explicitada quando da sua inserção no § 12 do art. 195 da Constituição Federal.

[1] CF: art. 153, § 3º, inciso II.

[2] CF: art. 155, § 2º, inciso I.

[3] Como exemplos, dentre outros: AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 13ª. ed., 2007, p. 148. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 27ª. ed., 2016, p. 182.

[4]  Parecer PGFN/CAT Nº 1.425/2014, aprovado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em 29 de agosto de 2014, com Registro PGFN nº 3.911/2014.

[5] Código Civil: Lei nº 10.406/02, art. 79.

[6] Apelação Cível nº 0008589­64.2011.4.03.6114, julgada em 27.03.2014.

[7] Acórdão nº 3401-002.855, da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª. Seção do CARF, julgamento realizado na sessão de 27 de janeiro de 2015.

[8] Acórdão nº 3401-­002.213 da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª. Seção, em 23 de abril de 2013.

[9][9] Acórdão n.º 9303-004.192, da 3ª Turma da CSRF – Sessão de 06 de julho de 2016, relatora a Conselheira Vanessa Marini Cecconello.

[10] Voto do Relator Conselheiro Rodrigo da Costa Possas, acatado à unanimidade no julgamento do recurso interposto pela Fazenda Nacional, conforme Acórdão nº 9303-002.628, proferido na sessão de 13 de novembro de 2013.

[11]Lei nº 13.105/15 art. 1.035, §5º e art. 1.040 (Novo Código de Processo Civil).

por José Antonio Minatel é Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-São Paulo (SP); professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito da PUC-Campinas (SP; ex-Delegado da Receita Federal em Campinas; ex-membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda em Brasília; autor do livro “Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação”, publicado pela MP Editora (SP), em 2005; advogado e consultor tributário.

Fonte: IBET

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