sexta-feira, 26 de maio de 2017

Moeda eletrônica: é vital entender o que está acontecendo

Carteiras digitais, moedas eletrônicas, bitcoin, transações em criptomoeda, blockchain. Se você acessa a internet com um mínimo de regularidade já deve ter ouvido falar em um desses termos. Talvez tenha se perguntando, inclusive, o que está por trás das operações financeiras eletrônicas. De fato, o assunto vem intrigando muita gente e merece destaque. Há quem diga que o dinheiro virtual é bem mais vantajoso e seguro que as moedas tradicionais. Outros garantem que as criptomoedas podem dar mais poder às pessoas para gerenciar seus rendimentos. Entusiastas afirmam ainda que as moedas digitais representam a solução para o futuro do dinheiro que, aliás, hoje já é em sua maioria dinheiro eletrônico… Parece confuso, não?

Opiniões à parte, acredito que esse é um momento oportuno para analisar o assunto e começar a entender o que está acontecendo. Para tanto, o primeiro passo é entender os conceitos fundamentais dessa discussão bem como as tecnologias que os sustentam.

Moeda eletrônica x dinheiro digital/virtual

Para entender a diferença, basta compreendermos os conceitos de “dinheiro eletrônico” e “dinheiro digital”. O primeiro refere-se aos dados controlados por computador ou periféricos que espelham algum valor da realidade. Do outro lado, o termo digital significa uma forma de codificação de objetos do mundo real por meios de dígitos binários – sequência de zeros e uns (00 e 11). Em outras palavras, moeda eletrônica é uma representação do dinheiro real, aquele que você possui no banco e é apresentado no seu saldo ou extrato. Já a moeda digital ou virtual (bitcoin) não possui vinculação à uma moeda oficial ou lastro regulatório que o corrobore. É um ativo intangível, eletrônico em si.

Reza a lenda que a ideia de criar uma moeda digital descentralizada e sem lastro regulatório começou numa conversa entre um grupo de programadores em 2008. No ano seguinte, um dos integrantes desse grupo, que atendia pelo pseudônimo de Satoshi Nakamoto, criou um código que deu vida ao sistema e convidou voluntários a desenvolver criptografias para dar vazão a uma “moeda livre de regulamentações de bancos centrais ou governos”. Em janeiro de 2010 foi realizada a primeira transação envolvendo os bitcoins e desde então o número de operações cresce com velocidade.

Assim como o real ou o dólar, o bitcoin é uma moeda. A diferença é que ela é exclusivamente digital e baseada em criptografia. Além disso, ela não pertente a nenhum país e não é submetida à regulação de sistemas financeiros ou do governo. As criptomoedas são geradas e reguladas por meio de código. Programadores e pessoas ligadas ao mundo cibernético desenvolvem atividades para angariar as criptomoedas, atividade que ficou conhecida como “mineração digital”. Por outro lado, uma cadeia de codificadores em blocos (blockchain), composto por programadores que usam softwares para validar a moeda, garantem a sua integridade e validade. É a aplicação prática do que o professor Lawrence Lessig já preconizava na obra “Code and Other Laws in Cyberspace”, de 1999.

Hoje é possível comprar praticamente tudo com bitcoins, desde equipamentos eletrônicos, roupas, comida e até mesmo uma casa. O dinheiro virtual também pode ser trocado por moedas tradicionais, ouro e prata em casas de câmbio especializadas. A cada dia mais empresas aceitam pagamentos em bitcoins, não só as de tecnologia como a Microsoft, Dell e WordPress, mas também lojas e restaurantes de grandes metrópoles nos quatro cantos do mundo, incluindo várias cidades brasileiras.

Quanto ao blockchain, ou cadeia de blocos, é a tecnologia que sustenta e regula todas as transações com o bitcoin, dispensando a intermediação de bancos ou autoridades financeiras. O sistema permite validar a originalidade da moeda que passa a ser transferível pela Internet sem a possibilidade de duplicação ou falsificação garantindo que os valores sejam transferidos de pessoa para pessoa com credibilidade e segurança. Ao contrário dos métodos tradicionais, o funcionamento do blockchain não é regulado por uma única “autoridade central”. Não há um dono, ele é aberto a qualquer um e está presente em milhares de computadores pessoais que formam uma espécie de comunidade. Essa validação coletiva favorece a autoregulação, a criação de soluções e uma análise muito mais criteriosa das transações, o que garante um rastreamento eficaz dos ativos movimentados. Todos os valores de transferências e operações são públicos (somente a identidade dos usuários são preservadas) e há um arquivo que registra todas as movimentações realizadas.

O que possibilita essa eficácia é um banco de dados à prova de violação, formado por blocos que são gerados a cada minuto. Esses dados são abertos e podem ser checados por toda a comunidade. É uma medida de segurança que impede que um mesmo valor/bitcoin seja utilizado duas vezes. Segundo especialistas, é impossível corromper o sistema ou fraudá-lo inserindo ou retirando as moedas.

Devido à sua capacidade de registrar transações com segurança e publicamente, sem permitir modificações no histórico das operações, há um grande interesse no recurso, sobretudo por parte das instituições financeiras e fintechs. De acordo com estudo recente da empresa de análise Accenture, o blockchain ajudaria os maiores bancos de investimento do mundo a cortar custos de infraestrutura em quase 30%, o que representaria economias de US$ 8 a US$ 12 bilhões ao ano.

Além de diminuir drasticamente as possibilidades de fraude em transações, o blockchain confere outras grandes vantagens às instituições financeiras e às fintechs. São elas:

*Mais transparência para a entidade financeira

*Maior qualidade de seus dados

*Reduz significativamente os prazos para transações

*Diminui a necessidade de processos de contabilidade onerosos

*Agiliza a compensação de títulos a exemplo de boletos

Se por um lado o blockchain, e as criptomoedas que existem a partir dessa tecnologia, tem potencial suficiente para revolucionar o sistema financeiro (assim como já ocorreu com setores inteiros da economia: transportes, telefonia, indústria da música, para citar alguns exemplos), por outro lado essa mesma tecnologia está impondo desafios ao mundo inteiro. Isso porque, sendo a premissa descentralizar e se desvincular das autoridades normativas, como criar leis que regulamentem esse sistema sem afetar sua eficácia e sem inibir a evolução?

Definitivamente não será tarefa fácil, mas já temos observado algumas iniciativas que podem indicar o caminho a seguir. O Japão, por exemplo, é um dos países mais avançados no que diz respeito à legislação para uso das novas moedas. Recentemente os três maiores bancos de lá investiram na maior “Exchange” de bitcoin do país. Além disso, desde abril deste ano começaram a vigorar em terras japonesas novas regras na Legislação Bancária, em especial relativo à Legislação de Serviços de Pagamento e Prevenção de Transferência de Produtos de Crime (Banking Act), com a inclusão de disposições que tratam de moedas digitais, a exemplo do bitcoin.

No Brasil, o recente e moderno marco regulatório do setor de pagamentos no país acabou por regular as moedas eletrônicas conforme disposições do Art. 6 e seguintes, mas esquivando-se de regular as moedas digitais como os bitcoins. Dessa forma, esses não são classificados como moeda eletrônica para fins da legislação. Até o momento a regulação bancária define como moeda eletrônica apenas aquela equivalente à moeda nacional emitida por autoridade central. Existe apenas um Projeto de Lei em tramitação (PL 2303/2015) que pretende oficializar o bitcoin no Brasil. O PL, que aguarda apreciação de comissão especial da Câmara dos Deputados, dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais na definição de “arranjos de pagamento” sob a supervisão do Banco Central. A meu ver, a referida iniciativa, apesar de suma importância, ainda carece de muitas contribuições a fim de permitir que seja abrangente o suficiente para materializar as enormes oportunidades que este segmento vai gerar nos próximos anos e seus impactos em todas as nações.

Em qual medida deve ser feita essa regulação? Ainda é cedo para dizer. O último pronunciamento do Banco Central a respeito do tema foi realizado em 2014. Em comunicado oficial o BC traz um tema mais conservador e chama atenção para os “riscos decorrentes da aquisição das chamadas ‘moedas virtuais’ e da realização de transações com elas”. De acordo com a entidade, e como já explicamos aqui, as chamadas moedas virtuais não se confundem com a “moeda eletrônica” de que tratam a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e sua regulamentação infralegal. “As chamadas moedas virtuais não têm garantia de conversão para a moeda oficial, tampouco são garantidos por ativo real de qualquer espécie. O valor de conversão de um ativo conhecido como moeda virtual para moedas emitidas por autoridades monetárias depende da credibilidade e da confiança que os agentes de mercado possuam na aceitação da chamada moeda virtual como meio de troca e das expectativas de sua valorização. Não há, portanto, nenhum mecanismo governamental que garanta o valor em moeda oficial dos instrumentos conhecidos como moedas virtuais, ficando todo o risco de sua aceitação nas mãos dos usuários”. O comunicado ainda ressalta que o Banco Central do Brasil “está acompanhando a evolução da utilização de tais instrumentos e as discussões nos foros internacionais sobre a matéria – em especial sobre sua natureza, propriedade e funcionamento –, para fins de adoção de eventuais medidas no âmbito de sua competência legal”.

Com os recentes movimentos do Japão, o restante do mundo acompanha de perto as cenas dos próximos capítulos. Não há dúvida de que a nova forma de trocar valores representa um dos caminhos para o futuro das transições comerciais. Divulgar e debater profundamente o assunto é essencial para se construir um papel de protagonismo na nova e fantástica era da economia e do mundo digital!

por Ricardo Capucio - Advogado com ampla atuação no Direito das Tecnologias e Regulatório, empreendedor social, fundador e CEO da conta.MOBI

Fonte: Jota.info/

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