quarta-feira, 29 de julho de 2015

29/07 Gestão do caixa único entre pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico

Em decorrência das especificidades das atividades operacionais, algumas empresas acabam por ter um excesso de caixa que não é imediatamente reinvestido na atividade ou redistribuído aos acionistas. Para otimizar a gestão desses recursos de um mesmo Grupo Econômico, alguns administradores tem preferido concentrar os recursos numa única pessoa jurídica, buscando uma melhor administração das contas a pagar e a receber e uma gestão mais eficiente do excesso de caixa dos empreendimentos do grupo. Dessa forma, a gestora recebe o excesso de caixa dos ativos do Grupo, administra o caixa único, realiza investimentos financeiros e repassa a remuneração dessas aplicações às empresas superavitárias.

Em decisão desfavorável ao contribuinte, a 2º Turma da 1º Câmara do Carf desconsiderou um contrato de conta corrente entre empresas do mesmo grupo, a fim de cobrar IOF sobre as transações financeiras praticadas entre o contribuinte e as pessoas jurídicas ligadas (Controladas e Coligadas).

Para o contribuinte, tais transações configuram operações de conta corrente e de constituição de caixa único, para qual não há previsão legal para cobrança do IOF. No entanto, o relator acatou a tese da fiscalização, na qual entende que tais transações configuram a realização de mútuo de recursos financeiros, sujeito à cobrança do citado imposto.

O Acórdão 3102-002.318, publicado em 06.01.2015, restou assim ementado:

OPERAÇÃO DE MÚTUO DE RECUROS FINANCEIROS. EXISTÊNCIA DE REGISTROS CONTÁBEIS QUE IMPORTEM ENTREGA DE RECURSOS A DISPOSIÇÃO DE TERCEIROS. CONFIGURAÇÃO. Para fim de incidência do IOF, caracteriza-se operação de mútuo de recursos financeiros a operação de crédito representada pelo registro ou lançamento contábil que, pela sua natureza, importe colocação ou entrega de recursos financeiros à disposição de terceiros, independemente de ser pessoa ligada ou não.

IOF. MÚTUO ENTRE PESSOAS JURÍDICAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. INEXISTÊNCIA DE CONTRATO FORMAL. POSSIBILIDADE. É devida a cobrança do IOF sobre as operações de mútuo de recursos financeiros realizadas entre pessoas jurídicas não financeiras integrantes do mesmo grupo econômico, ainda que não exista contrato que ampare tal operação, desde que os registros ou lançamentos contábeis, pela sua natureza, importem colocação ou entrega de recursos financeiros à disposição de terceiros.

Como se sabe, o contrato mútuo financeiro, conforme definido no artigo 586 do Código Civil, é negócio jurídico bilateral por meio do qual determinada parte se compromete a entregar um montante a outra, que o restituirá, em prestação futura, o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.

Por outro lado, conta corrente é contrato segundo o qual duas ou mais pessoas jurídicas convencionam fazer remessas recíprocas de valores, anotando os créditos resultantes em uma única conta. Trata-se, portanto, de operação em que os créditos não se liquidam imediatamente e são anotados em partidas de débito e crédito. Neste caso, a obrigação é apenas de escriturar e não de “ceder” um crédito.

Diante disso, à princípio, o contrato de conta corrente não se confunde com o contrato de mútuo de recursos financeiros, tendo em vista que, não há uma relação jurídica de natureza creditícia, eis que a pretensão de exigir eventual saldo remanescente só surge com o término do contrato. E ainda, como não há exigibilidade imediata das quantias registradas, não podem os correntistas serem considerados credores e devedores, ao contrário do que ocorre no contrato de mútuo.

Corroborando com esse entendimento, a Lei nº. 9.779/99, art. 13 [1], ao prever a incidência do IOF sobre as operações de créditos realizadas fora do Sistema Financeiro Nacional, restringiu-a às operações de mútuos.

No presente caso, o relator, à princípio, concorda que as operações de conta-corrente, obviamente, não constituem hipótese de incidência do IOF, por não representarem mútuo de recursos financeiros, mas mera administração de contas a pagar e a receber.

No entanto, ressalta que, para isto, a escrituração das citadas “contas correntes” deve obedecer aos critérios e métodos da escrituração contábil, fixado na referida legislação, ou ser feita em registros auxiliares, sem qualquer modificação na escrituração fiscal realizada em conformidade com a legislação.

Desta forma, a simples apresentação do citado instrumento contratual, desacompanhada de prova hábil e idônea de que houve as transferências e gestão dos referidos instrumentos financeiros, não é suficiente para comprovar que houveram as alegadas transações de conta corrente e de gestão de caixa único.

Ou seja, sem a prova da transferência dos referidos recursos financeiros para o “caixa único”, não tem subsistência a alegação do contribuinte de que não financiava empresas ligadas, com os recursos financeiros próprios, pois, se não há provas de que tais recursos foram transferidos para o citado “caixa único” pelas empresas ligadas, certamente, os recursos repassados para as citadas empresas foram provenientes do caixa da própria recorrente. Observe-se que a decisão se baseou somente na falta de documentação que comprove a transferência de recursos financeiros pelas empresas ligadas.

Além dessa decisão, foram proferidas outras decisões sobre a matéria, que buscam analisar a natureza jurídica do contrato de conta corrente, conforme se observa da tabela abaixo:


Nota-se que o atual cenário jurisprudencial administrativo permanece incerto, existindo, conforme se observa, um maior número de decisões desfavoráveis ao contribuinte. Esta questão não foi apreciada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF até o presente momento, de modo que poderá ocorrer uma mudança no referido entendimento.

Dentre as decisões citadas acima, cabe destacar o Acórdão 3101-001.094, na qual afastou a incidência do IOF sobre operações não qualificadas juridicamente como mútuo. Neste caso, o relator do voto vencedor foi enfático ao defender sua tese que existem diferenças essenciais entre o contrato de mútuo e o de conta corrente e que ambas estão previstas no direito civil como modalidades diferentes de contrato. Sendo assim, não cabe ao Fisco decidir qual destes está sendo implementado pelo contribuinte.

Esse acórdão está assim ementado:

“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO E SEGUROS OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS IOF. RECURSOS DA CONTROLADA EM CONTA DA CONTROLADORA. CONTA CORRENTE. RAZÃO DE SER DA HOLDING. Os recursos financeiros das empresas controladas que circulam nas contas da controladora não constituem de forma automática a caracterização de mútuo, pois dentre as atividades da empresa controladora de grupo econômico está a gestão de recursos, por meio de conta corrente, não podendo o Fisco constituir uma realidade que a lei expressamente não preveja. Recurso Voluntário Provido”  (Acórdão nº 3101001.094, 1ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, publicado em 04/07/2013)

Verifica-se, portanto, que as decisões do CARF nos levam a concluir que a implementação de contratos de caixa único num Grupo Econômico deve, para ser aceita, ser cercada de alguns cuidados mínimos que permitam atestar a consistência da estrutura contratual em relação à realidade das operações de caixa realizadas.

Nesse sentido, há necessidade de se comprovar as transferências sucessivas e recíprocas entre as empresas do Grupo e a efetiva gestão dos referidos instrumentos financeiros do grupo. Nessa espécie de contrato, o saldo é apenas exigível das partes ao final do prazo estabelecido no contrato, quando se torna possível distinguir as respectivas posições credoras e devedoras.

[1] Art. 13.  As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras.

por Marcos Neder é sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe. É Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), formado em Engenharia, Economia e Direito. Pós Graduado em Sistema e Administração Tributária Comparada pela Harvard University (Kennedy School of Government, Cambridge, EUA), Tributação pela Japan International Corporation Agency (JICA) – Tókio/Japão e Auditoria de Fraudes Financeiras Internacionais pelo Internal Revenue Service (IRS) – Geórgia/EUA. Atuou durante 25 anos na administração tributária. Até dezembro de 2010, foi Subsecretário da Receita Federal do Brasil. É professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

Fonte: Jota

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