quarta-feira, 22 de julho de 2015

22/07 Uma proposta de independência para os julgamentos do CARF

O Sistema Tributário Nacional consiste em um conjunto de princípios e normas de caráter constitutivo de direitos e obrigações ou interpretativo da legislação e, por isso mesmo, deve ser seguido compulsoriamente pelos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública. Nesse contexto, a fiscalização de tributos e o acompanhamento e controle da arrecadação assumem papel de destaque no que diz respeito ao cumprimento da obrigação tributária pelos contribuintes.

Na sequência dessa divisão de responsabilidades, encontram-se os órgãos encarregados do julgamento de processos decorrentes do lançamento do crédito, dispostos em graus distintos de jurisdição, aos quais se reserva o papel de promover a justiça tributária no âmbito administrativo. No que tange aos tributos de competência federal, a função julgadora cabe às Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento e, em segunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Como é do conhecimento de todos, autoridades federais, em ação conjunta, deflagraram a operação denominada de Zelotes  -em alusão à reação dos hebreus à dominação do seu território pelos romanos no primeiro século depois de Cristo- com o fim de apurar irregularidades que envolviam conselheiros do CARF. Calcula-se que o prejuízo causado ao tesouro nacional, com base no tráfico de influência apontado, alcança a espantosa cifra de R$ 19 bilhões.

Enquanto prosseguem as investigações, o poder público prontificou-se a adotar providências no sentido coibir e desestimular a prática nociva, tais como a edição do Decreto presidencial nº 8.441, de 29 de abril de 2015, que, no bojo de outras medidas, estabelece a remuneração aos conselheiros representantes dos contribuintes, o que os impede, na prática, de exercerem a atividade advocatícia em caráter particular.

Complementarmente, o Ministro da Fazenda expediu a Portaria nº 343, que promove importantes alterações na estrutura e no funcionamento do CARF. A título de exemplo, podem ser citados a simplificação das regras para edição de súmulas vinculantes, a vista coletiva disponibilizada por meio eletrônico, o sorteio eletrônico de processos, a redução do número de turmas, a extinção das Turmas Especiais e o retorno à composição anterior das turmas, que passa a contar com oito conselheiros.

Em que pese o elogiável esforço moralizador das novas medidas, há que se reconhecer que nem todas as causas dos desvios detectados foram atacadas. Referimo-nos à composição paritária dos integrantes das turmas de julgamento do CARF. Em outros termos, destaca-se que a igualdade no número de representantes da Fazenda e dos contribuintes em muito tem contribuído para os desmandos apurados. Em nenhum momento, porém, se cogitou de afastar essa distorção, que acompanha o CARF desde a criação do Conselho de Contribuintes, que o antecedeu, em 1924.

Ao longo do tempo o que se vem observando é a polarização nas decisões do conselho, na medida em que os representantes do fisco têm votado em favor deste e, como contraponto, os representantes dos contribuintes vêm sistematicamente votando contra os interesses de arrecadação do aparelho estatal, ou seja, a favor contribuintes que representam. Pelo menos, no plano federal, é nítido o desvio do ideal de isenção que deveria presidir as discussões no âmbito do órgão recursal administrativo.

Diferentemente de outras sugestões apresentadas, como, por exemplo, a pura e simples extinção do CARF, o que, no mínimo, sobrecarregaria o Poder Judiciário de processos de natureza tributária, o que se propõe é a total independência do conselho administrativo, mediante a realização de concurso público para o fim de preenchimento das vagas a serem criadas, por lei, no quadro de julgadores.

O ingresso com base em concurso público de provas e títulos assegurará a desejada isenção no exame das causas submetidas a julgamento pelo CARF, uma vez que afasta o notório comprometimento dos indicados com o interesse daqueles que os indicaram, como hoje ocorre.

No exame de proficiência que se propõe os candidatos deverão fazer prova de conhecimentos específicos sobre as matérias objeto do cotidiano da fiscalização e das atividades de julgamento. Em outras palavras, as provas deverão ser constituídas de matéria tributária, de contabilidade e, notadamente, da legislação dos tributos julgados pelo órgão. Nessa hipótese, a investidura no cargo de conselheiro se fará em igualdade de condições entre os aprovados que comprovarem habilitação para o exercício do cargo a ser criado.

Os servidores efetivos aprovados em concurso público serão, naturalmente, dotados da neutralidade imprescindível à apreciação da controvérsia e a formação do juízo que o caso requer, uma vez que os julgadores estarão desvinculados da representação que vicia as atuais decisões.

Certamente, o debate nos julgamentos ganharia novos contornos, afastando-se qualquer resquício ou possível pretensão de parcialidade, primando-se, efetivamente, pelo julgamento neutro. Assim, nem o Fisco nomeará Auditores comprometidos com os interesses arrecadatórios da Fazenda nem os indicados pelas entidades adotarão atitude reativa em defesa dos contribuintes. A tendência de empate no julgamento das causas mais controvertidas ou polêmicas, que se verifica no CARF, conduz à decisão com base no voto de qualidade, ou, dito de outra forma, quem decide é voto do presidente da câmara, por lei e segundo o estatuto do CARF, sempre um Auditor-Fiscal da Receita.

A medida permitirá a reestruturação saudável do órgão, na medida em que conferirá maior transparência e independência às decisões, sem contar a confiança que será transmitida à sociedade jurídica e empresarial, tendo em vista que as discussões se processarão em ambiente aberto e franco.

O que se espera com as medidas sugeridas é a garantia da neutralidade e a certeza de julgamentos mais justos e confiáveis.

por Adilson Rodrigues Pires é Doutor em Direito Econômico e Societário pela UGF. Professor Adjunto Visitante de Direito Financeiro da UERJ. Advogado no Rio de Janeiro. E-mail: adilson.pires@lccfadvogados.com.br

     Thaís Boia Marçal é Especialista em Direito Público pela UCAM. Pós-Graduada em Direito pela EMERJ. Bacharel em Direito pela UERJ. Advogada no Rio de Janeiro. E-mail: thaismarcal@adv.oabrj.org.br

Fonte: Jota

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