quinta-feira, 31 de março de 2016

31/03 Ônus da prova e o novo Código de Processo Civil

O ônus da prova, em um primeiro momento, pode ser denominado como o encargo processual destinado a uma das partes, que deve comprovar as suas alegações através dos meios de provas disponíveis no direito, seja através de prova pericial, testemunhal ou documental.

Quanto ao ônus da prova, a Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) trata sobre o tema de forma bastante simples: de acordo com o seu artigo 818, a prova das alegações incumbe à parte que as fizer, o que significa que, em regra, o ônus da prova incumbe ao autor da demanda trabalhista, quanto as suas alegações na petição inicial e, ao réu, em relação às matérias contidas em sua defesa.

Porém, a prática trabalhista fez com que a jurisprudência, atenta às dificuldades enfrentadas pelos autores das reclamações quanto à comprovação de suas alegações em algumas matérias, invertesse a regra contida no artigo 818 da CLT, determinando ao réu a incumbência da prova.

Exemplo bastante comum se refere ao pedido de horas extras. Neste caso, se o estabelecimento tiver mais de dez empregados, a reclamada atrai para si o ônus de comprovar a inexistência de jornada extraordinária.

Outra exceção à regra contida no artigo 818 da CLT é o ônus da prova quanto à dispensa discriminatória, já que, neste caso, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (“TST”), pacificado pela Súmula 443, é que cabe à empresa reclamada a prova quanto à legalidade da demissão de empregado portador de doença grave.

Percebe-se, portanto, que na esfera trabalhista, a prática demonstra que o ônus da prova não é (e jamais poderia ser) algo estático, sendo certo que a distribuição do encargo de comprovar as alegações depende da análise de cada um dos pedidos contidos na reclamação trabalhista.

Em relação ao Novo Código de Processo Civil (“NCPC”), a matéria não sofreu grandes modificações, já que também imputa à parte autora o ônus de comprovar o fato constitutivo de seu direito e, ao réu, o de comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do alegado direito do autor.

Contudo, o NCPC trouxe duas novidades sobre o tema. A primeira é a possibilidade de o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso do que determina a lei, desde que o faça por meio de decisão fundamentada. A segunda é a possibilidade de as partes convencionarem sobre o ônus da prova, salvo nos casos em que tratar de direito indisponível ou quando a produção da prova for excessivamente difícil para uma das partes.

Seriam tais disposições aplicáveis ao Processo do Trabalho?

O NCPC, preocupado com o resultado justo do processo, entendeu por bem aplicar, de forma genérica, o inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), para que em determinados casos, diante das circunstâncias específicas do processo, esse ônus recaia sobre quem estiver em melhores condições de provar, independente da posição processual das partes ou da natureza do fato a ser provado. 

No Processo do Trabalho, esse entendimento já era constantemente aplicado, na medida em que na relação processual, o empregado, na maioria dos casos, está em condições desfavoráveis quanto à produção de prova, se comparado com o seu empregador. Em observância ao princípio da aptidão das provas, o ônus deverá ser distribuído entre as partes.

Portanto, é possível a aplicação no Processo do Trabalho da distribuição do ônus da prova pelo magistrado de forma diversa do que a lei prevê, desde que respeitada a condição de hipossuficiência do empregado, que por vezes, não tem acesso aos documentos necessários para a produção de sua prova.

Quanto à possibilidade de prévia convenção do ônus da prova pelas partes, entendemos que tal instituto é incompatível com o Processo do Trabalho, na medida em que qualquer acordo prévio realizado em prejuízo da parte autora poderá ser considerado nulo, frente a presumível condição de hipossuficiência do empregado.

Levando tal entendimento em consideração, não resta alternativa, senão entender que o ônus da prova previamente convencionado não deve prevalecer perante a Justiça do Trabalho, frente ao possível prejuízo do empregado.

Portanto, a título de conclusão, entendemos que é aplicável a distribuição do ônus da prova diversa da lei ao Processo do Trabalho, desde que respeitada a limitação do empregado quanto à produção de provas documentais relacionadas ao contrato de trabalho. Contudo, não entendemos aplicável ao processo do trabalho o prévio ajuste quanto ao ônus da prova, frente à presunção de hipossuficiência do empregado.

Art. 818. A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

Súmula 443.  Dispensa discriminatória. Presunção. Empregado Portador de Doença Grave. Estigma ou Preconceito. Direito à Reintegração. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração.

Art. 6º, inciso VIII.  São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. 

por Marianne Calil - Advogada na Nunes & Sawaya Advogados

Fonte: Foco Fiscal

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