quinta-feira, 8 de junho de 2017

Trabalho: reforma com ou sem reforma

Em meio a mais uma crise política, a reforma trabalhista no Brasil ganhou um novo significado. Considerada como prioridade desde os debates do Fórum Nacional do Trabalho, iniciado em 2003, a modernização dessa legislação sempre esbarrou na ausência de consenso.

Com a urgente necessidade de melhoria de indicadores sociais, a aplicação da reforma trabalhista, neste momento, surtirá o efeito imediato de se devolver a confiança no país. Para aprimorar as regras trabalhistas, destacam-se a ausência de evolução das normas celetistas, que não caminham em consonância com as demandas da sociedade moderna, e a insegurança jurídica. Qualquer que seja o conjunto normativo, é fundamental que seja claro e preciso.

Ao retirar o excesso de generalidade e a abstração das normas de hoje, assegura-se a uniformidade de sua aplicação, além de preservar a livre concorrência e os princípios da ordem econômica, que suportam o desenvolvimento social. Essa garantia dará segurança ao passado, a correta adoção no presente e a previsibilidade para o futuro.

Não podemos agir como parte de torcidas de futebol, onde a emoção constrói verdades absolutas. As mudanças devem ser em favor de avanços sociais

O atual momento político nos leva também a cogitar da hipótese das mudanças trabalhistas, que estão sendo debatidas no Poder Legislativo, não avançarem. A insegurança jurídica e o descompasso entre a norma e a realidade social fazem com que as instituições, entidades de classe e os operadores do direito tenham uma função social ainda mais relevante: conduzir a reforma sem a reforma legislativa.

Reflexões e ações assertivas são necessárias para que os atuais desempregados não sejam definitivamente excluídos do mercado, eis que a demora da retomada da economia fará com que os mais jovens tenham prioridade nas admissões futuras.

O novo desenho do livre convencimento, desenvolvido pelos mais de 3,6 mil magistrados do Brasil quando realizam suas obrigações jurisdicionais, poderá ter um papel crucial nessa evolução da aplicação do direito do trabalho.

Podemos destacar dois casos para exemplificar esse cenário. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em abril de 2015, de forma unânime, no recurso extraordinário nº 590.415 que convenções e acordos coletivos se sobrepõem à lei, mesmo que sejam menos favoráveis do que o previsto na própria lei. Dois anos depois, o Ministério Público do Trabalho (MPT), no item 4 da Nota Técnica nº 7, declara ser inconstitucional a prevalência do negociado sobre o legislado, quando o negociado não é mais favorável do que o legislado

Diante de posicionamentos divergentes de instituições tão importantes, como deve seguir o operador do direito que atua em negociações coletivas, especialmente quando é notório o processo evolutivo das entidades sindicais brasileiras? Quanto tempo até que se harmonizem os entendimentos dessas instituições?

Outro exemplo é sobre as horas de deslocamento entre residência-posto de trabalho-residência, conhecidas como horas in itinere. A lei estabelece que não é devida a hora extra quando o transporte até o local de trabalho é fornecido pela empresa, não sendo este de "difícil acesso" e quando existir disponibilidade de transporte público.

Na atual forma de organização dos núcleos urbanos, a interpretação que vem sendo adotada para a expressão "local de difícil acesso" pode não ser a mais adequada. Em muitas situações, o tempo despendido entre um município e a cidade onde está localizada a empresa pode ser de minutos, enquanto que o deslocamento entre bairros da mesma cidade pode levar mais tempo. Também deve-se considerar que as cidades onde não estão localizadas as empresas podem ser as mais carentes do ponto de vista socioeconômico.

A norma também exige que haja transporte público que atenda as empresas, para não incidência de horas extras. Entretanto, se ela não assim exigisse, esses recursos poderiam ser direcionados para ampliação de linhas para locais de saúde, lazer e educação.

Diante do impasse, casos como esses tendem a ser debatidos ao longo de anos, mantendo conflitos desnecessários dentro e fora do Poder Judiciário.

Conclui-se, que, se desse processo estiver ausente o Poder Legislativo, caberá aos atuais operadores do direito a avaliação do impacto da aplicação das atuais normas legais às relações sociais e a adoção de eventuais novos posicionamentos, que poderão contribuir com o atual e futuro mercado de trabalho.

A atual polarização sobre a aplicação das leis trabalhistas nos faz repensar a maneira como podemos equilibrar as relações do trabalho. Não podemos agir como parte de torcidas de futebol, onde a emoção constrói verdades absolutas. Para o direito do trabalho, mudanças de posicionamento devem ocorrer sempre em favor dos avanços sociais.

A sociedade em transformação não suporta as longas esperas dos conflitos até que todos os temas trabalhistas cheguem ao STF para que se adequem a intepretação das normas à realidade. O Brasil possui profissionais experientes e pensadores do direito capazes dessa incumbência e parâmetros legais, como os que tratam dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – ambos já consagrados na Carta Magna.

Dessa forma, o ideal seria que a condução dessa etapa do processo fosse realizada via Poder Legislativo, em virtude da separação dos poderes, do princípio da legalidade e da conformidade funcional. No entanto, deve ocorrer com participação ativa dos operadores do direito, cada um à sua maneira, sempre com a prevalência do interesse legítimo no desenvolvimento da sociedade.

por Adauto Duarte é advogado especialista em relações trabalhistas

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte : Valor

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