terça-feira, 13 de junho de 2017

Análise econômica da Reforma Trabalhista

A chamada “Reforma Trabalhista” é, na verdade, um Projeto de Lei (N. 6787/2016) que pretende alterar uma centena de artigos da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada em 1946. Tendo sido aprovada na Câmara dos Deputados, e aguardando votação no Senado Federal, esta reforma está mais adiantada e tem menos obstáculos políticos do que a outra, a da Previdência. No entanto, ainda impressiona o barulho feito contra ela por alguns grupos organizados, principalmente levando-se em conta a pequena dimensão dessa reforma. O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre alguns pontos propostos pelo PL 6787, sob o prisma da Análise Econômica do Direito (AED).

Antes disso, vale a pena rever alguns conceitos que embasarão a discussão mais adiante.

Uma das premissas da economia é que os agentes são racionais. Racionalidade econômica, entretanto, não implica alta escolaridade, capacidade de fazer cálculos matemáticos ou manejar programas computacionais sofisticados. Um indivíduo ser racional implica que ele(a) deseja algo (por utilidade, necessidade, ou prazer) e sabe que, para se obter esse algo será preciso despender algum esforço monetário, temporal, ou de trabalho, etc. Por exemplo, um sem-teto que deseja comer, que sabe que para conseguir comer deverá trabalhar, esmolar, ou furtar, e que efetivamente escolhe uma dessas ações levando-se em conta suas possibilidades, oportunidades ou habilidades, age de maneira racional.  

Outra discussão muito útil para a Análise Econômica do Direito Trabalhista é o Teorema de Coase, resultado de observações do economista Ronald Coase, fundador da AED. Ele percebeu que, em situações onde os custos de transação são baixos, os agentes (indivíduos e/ou empresas) conseguem negociar de maneira relativamente cooperativa, e os resultados derivados dessas negociações serão os melhores, ou seja, maximizam os benefícios das partes envolvidas e são eficientes. Nesses casos, não interessa qual é a determinação legal: mesmo que haja direitos garantidos, se valer a pena, os agentes transacionarão esses direitos. Por outro lado, caso haja custos transacionais significativos, a negociação privada terá sérios obstáculos para acontecer, e a lei (eg. legislação, regulação, decisões judiciais) terá que atuar e impactará de maneira determinante no resultado econômico. A questão é que há diversas situações no mundo real em que a presença de tais custos de transação é significativa. Como se não bastasse, existem ainda falhas de mercado, tais como assimetrias de informação, externalidades, além de assimetrias de poder de barganha e poder político. Tudo isso é particularmente evidente no mercado de trabalho.

É por isso que o Direito Trabalhista precisa existir. É implausível, mesmo sob um ponto de vista estritamente econômico, que as relações de trabalho sejam reguladas puramente como relações contratuais. A igualdade entre as partes – princípio do Direito Contratual – não vale (pelo menos para a maioria dos casos) para o mundo das relações de trabalho: em sua maioria (apesar de não na totalidade), existe assimetria de informação, de poder de barganha, e de “poder político” entre as partes envolvidas.

Dito tudo isso, vamos discutir brevemente alguns dos pontos mais polêmicos do PL 6787.

1. Art. 59: Por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, poderá haver até 2 horas extras diárias de trabalho.

2. Art. 59-A: Também por acordo, é possível pactuar jornadas diferentes das 8 horas, desde que limitadas a 12 horas diárias, 44 horas semanais, e 220 horas mensais.

3. Art. 134, §1º: Com concordância do empregado, as férias de 30 dias poderão ser parceladas em até três vezes, sendo que uma delas não será inferior a duas semanas corridas, e as outras duas não poderão ser inferiores a 5 dias corridos, cada uma.

Análise econômica: A justificativa econômica destes artigos é simples: os agentes são racionais, sabem o que querem, o que é bom e desejável para eles. Além disso, o Teorema de Coase é claro: se as partes puderem acordar de maneira cooperativa, o resultado alcançado por elas será a melhor possível, maximiza os ganhos sociais. À lei, nestes casos, caberia garantir baixos custos de transação, ou seja, facilitar a negociação colaborativa, inclusive, reduzindo assimetrias de informação e desequilíbrios no poder de barganha. Até agora, o costume das leis trabalhistas nesses casos era de impedir a livre negociação e determinar compulsoriamente as regras do jogo (normalmente a favor do “mais fraco).

4. Art. 75: Regula o chamado teletrabalho, ou trabalho remoto.

Análise econômica: Até juristas mais ortodoxos reconhecem que o Direito anda a reboque da sociedade e das inovações tecnológicas. A regulação do teletrabalho é uma tentativa de responder a essas mudanças na organização social.

5. Art. 579 (também tratado pelos artigos 545 e 578): O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa do trabalhador.

6. Art. 510-A: Em empresas com mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de comissão para representá-los, com finalidade de promover o entendimento direto com os empregadores.

Análise econômica: Além de violar o direito de facto da liberdade de associação, a contribuição sindical obrigatória, dentro de um contexto de unicidade sindical como a existente no Brasil, é uma afronta à liberdade econômica individual, uma extorsão dentro de um contexto de monopólio garantido por lei. A análise econômica iria além: além da contribuição obrigatória, a unicidade sindical também deveria ser extinta.

Com relação ao artigo 510, aí reside o maior potencial para evolução nas relações trabalhistas brasileiras. As comissões são comuns em países com tradição de cooperação capital-trabalho, como na Alemanha. Empregados entendem mais sobre os desafios e oportunidades existentes em seus respectivos locais de trabalho. Empregadores também sentem-se mais à vontade para discutir e negociar com seus próprios colaboradores. Mesmo que o Brasil tenha ainda um longo caminho até chegar ao ponto das comissões alemãs (e outras similares), é muito benvinda a essas previsão pelo PL.

7. Art. 611-A: A convenção e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando dispuserem sobre alguns assuntos, tais como jornada de trabalho, bancos de horas, remuneração, prêmios, etc.

Análise econômica: Este é um dos pontos mais polêmicos do projeto. No entanto, trata-se de muito barulho por pouca coisa, sem contar que é solidamente embasada na análise econômica, sobretudo no conceito de agentes racionais e no Teorema de Coase: os trabalhadores sabem o que é melhor para eles e, quando garantidas as condições mínimas para negociação, o resultado será o mais eficiente. Isso será sobretudo mais certo se a negociação for feita via comissões de representantes, quando é possível melhor equiparar poderes de barganha. É muito barulho por pouco, porque o artigo 611-A elenca quinze temas (e somente quinze) que podem ser tratados por convenções e acordos coletivos; em seguida, o artigo 611-B lista trinta assuntos que não podem ser negociados. Dentre eles, alguns que criam externalidades e precisam, portanto, de uma regulação mais forte (eg, questões de saúde, segurança, insalubridade, etc.).

Para concluir, ressalte-se que, de um prisma econômico, esta reforma é tímida, garantindo o “óbvio” e indo aquém do que seria ideal. As novas tecnologias do big data, das impressoras 3-D, das máquinas inteligentes, da robotização ilimitada, etc. virão como verdadeiros tsunamis varrendo o mundo do trabalho como o conhecemos, pressionando a todos nós – sem exceção – a repensarmos o papel do trabalho humano. É urgente o Direito do Trabalho, no Brasil e no mundo, voltar-se a essas questões que, sem dúvida, serão muito mais impactantes nas vidas dos trabalhadores em um futuro bastante próximo.

Luciana Yeung Luk Tai - Professora de Economia do Insper, Fundadora e Ex-Presidente da ABDE

Fonte: Jota.info/

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