terça-feira, 17 de maio de 2016

17/05 A coisa julgada em matéria tributária

O Supremo Tribunal Federal (STF) atribuiu repercussão geral à questão jurídica que versa sobre os efeitos prospectivos de uma decisão transitada em julgado em matéria tributária quando a norma que embasa a sentença é posteriormente declarada inconstitucional pela Suprema Corte.

A questão será analisada no recurso extraordinário nº 955.227/BA, por meio do qual a União questiona, no tempo, decisão definitiva que garantiu à petroquímica Braskem, em 1992, o direito de não recolher a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

As relações jurídicas estão condicionadas em sua dimensão temporal. Nem mesmo a autoridade da coisa julgada é capaz de imunizá-las contra fatos novos e alterações legislativas, que impõem, ou podem impor, mutações significativas no perfil da relação jurisdicionada, seja por mudança da base fática seja por alteração da própria lei.

Transitada em julgado, a sentença tem força definitiva para reger não só a relação jurídica instantânea, descrita no dispositivo, mas também os desdobramentos futuros da relação jurídica permanente e as reiterações futuras da relação jurídica sucessiva.

Essa eficácia vinculativa perdura, todavia, enquanto a relação jurídica permanente ou as relações jurídicas sucessivas se mantiverem fiéis aos mesmos fatos em que se baseou a sentença e à mesma norma jurídica por ela aplicada.

Alterada qualquer das parcelas dessa equação (fato ou norma), cessam os efeitos da coisa julgada sobre relações jurídicas permanentes ou sucessivas que tenham por base os novos fatos ou o novo enquadramento jurídico.

Sempre que as circunstâncias de fato ou de direito da causa forem alteradas de modo a ensejar nova causa de pedir, surgirá uma nova ação, inteiramente diversa da anterior, desconectando-se da coisa julgada que repousa sobre a primeira decisão.

As novas circunstâncias de fato e de direito – por constituírem nova causa de pedir e, portanto, nova ação – põem fim à eficácia da coisa julgada, que permanece incólume, todavia, em relação a todos os desdobramentos da relação jurídica permanente e a todas as reiterações das relações jurídicas sucessivas até ali verificadas.

Se a sentença reconheceu, por exemplo, que a atividade empresarial do autor era isenta do ICMS, a normatividade que emana da sentença transitada em julgado permanece até que lhe sobrevenham novas circunstâncias de fato (mudança de atividade) ou de direito (revogação da norma isentiva), capazes de desfigurar a relação (causa de pedir) que serviu de base para a sentença.

Todavia, não é qualquer alteração de fato ou de direito que põe fim à força prospectiva da coisa julgada. É preciso aferir se a alteração traduz uma verdadeira "circunstância nova" ou uma "circunstância velha sob roupagem nova".

A Súmula nº 239/STF, segundo a qual "a decisão que declara indevida a cobrança de imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores", tem sido mal interpretada. As Fazendas Públicas têm se valido de exegese literal da súmula para defender que a coisa julgada em matéria tributária jamais se estende a exercícios financeiros seguintes.

Essa não é a interpretação correta da súmula se examinados os precedentes que a embasaram, como o AgPet 11.227, de 05 de junho de 1943.

As circunstâncias relativas ao lançamento são temporárias por natureza, de modo que sobrevivem, apenas, até que novo procedimento fiscal seja realizado. Já as circunstâncias relacionadas a legalidade ou constitucionalidade da tributação, ou alguma causa excludente (isenção, imunidade ou alíquota zero), retratam elementos estáveis, que se mantêm perenes para além do exercício financeiro em que prolatada a sentença.

Nos embargos de divergência no RE nº 83.225/SP, o próprio Supremo tratou de esclarecer o enunciado da Súmula 239, atribuindo a ele uma interpretação restritiva, ao esclarecer que "a Súmula não se aplica às decisões relativas à isenção ou imunidade, mas àquelas que declaram indevida a cobrança em determinado exercício".

Por fim, a declaração de inconstitucionalidade não tem o efeito de retroagir sobre a coisa julgada, ou seja, não atinge os fatos já ocorridos sob o império da coisa julgada e da norma declarada inconstitucional. A declaração de inconstitucionalidade, todavia, limita sua eficácia no tempo, fazendo cessar sua cogência e imperatividade.

Isso porque a declaração de inconstitucionalidade retrata circunstância nova de natureza substancial, uma verdadeira alteração no estado de direito, já que a norma declarada inconstitucional é expurgada do mundo jurídico e, portanto, deixa de existir.

Em verdade, a questão jurídica retratada no RE nº 955.227/BA, submetida à repercussão geral, não é nova no Supremo, que deverá aplicar a orientação já consagrada nos precedentes que geraram a Súmula 239/STF.

A tendência, portanto, é a de que os precedentes sejam confirmados, de modo a impor um limite temporal à coisa julgada quando o dispositivo que embasa a sentença venha a ser, posteriormente, declarado inconstitucional pelo Supremo.

por Marcos Meira é advogado, procurador do Estado de Pernambuco, pós-graduado em direito tributário pela FGV e mestre em direito processual civil pela PUC-SP

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte : Valor

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