Como é cediço, para fins de dedução/abatimento do valor do Imposto de Renda devido quando da elaboração da Declaração de Ajuste Anual por parte dos contribuintes pessoas físicas, deve ser observado anualmente os limites fixados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Independentemente de considerações paralelas relativas à qualidade do ensino público, sobre o valor das mensalidades cobradas pelas instituições de ensino privadas, ou mesmo sobre a necessidade de contratação do referido serviço (já que, em última análise, é dever do Estado prover educação), parece-nos claro que a imposição de um limite máximo anual culmina por alterar, indevidamente, o conceito real de renda previsto pela Constituição.
Ao se buscar enfrentar qualquer questão relativa à constitucionalidade de uma norma tributária, faz-se necessário analisar primeiramente a regra matriz de incidência do tributo em questão.
Por sua vez, o Código Tributário Nacional traz em seu artigo 43, incisos I e II, mais elementos ao critério material da regra matriz de incidência, conceituando como renda a aquisição da disponibilidade de acréscimo patrimonial, produto do capital, do trabalho, da combinação de ambos (renda) ou de qualquer outra causa (proventos).
O critério quantitativo da regra matriz, por sua vez, é também prescrito pelo Código Tributário Nacional, mais precisamente em seu artigo 44, estabelecendo que a base de cálculo do imposto é o “montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”.
Temos, portanto, que este montante real deve ser obtido a partir da diferença entre os rendimentos recebidos e as deduções previstas no inc. II do art. 8º da lei 9.250/95, que fixa o limite pecuniário, individual e anual, do contribuinte e de seus dependentes, para a dedução dos pagamentos de despesas com instrução.
Importante ressaltar que o conceito de renda não está à disposição do legislador infraconstitucional, que não pode extrapolar a amplitude dos conceitos de “renda” e “proventos de qualquer natureza”, sob pena de inconstitucionalidade.
Isso porque, a Constituição Federal estabeleceu o critério material da regra matriz de incidência tributária de forma que é impossível ao legislador infraconstitucional competência para alterar o âmbito das próprias competências tributárias impositivas constitucionalmente estabelecidas.
Portanto, a renda, o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, assim como os demais proventos não compreendidos na definição, devem traduzir um efetivo aumento patrimonial entre dois momentos de tempo.
Em razão da associação necessária do conceito de renda (pressuposto previsto na regra matriz originalmente prevista pela Constituição) com a ideia de acréscimo patrimonial, o legislador infraconstitucional somente pode fazer incidir o aludido imposto sobre os acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte, assim considerados os valores remanescentes após as deduções do valor integral das despesas com instrução, no exercício do direito fundamental à educação, consoante artigos 6º e 205, da Constituição Federal.
Tendo em vista que as despesas relacionadas à educação constituem decréscimos patrimoniais (desembolsos traduzidos na efetiva perda da disponibilidade econômica e jurídica), qualquer dispositivo infraconstitucional que vede ao contribuinte a dedução de qualquer importância que exceda o limite legal autorizado subverteu o conceito constitucional de renda.
Em outras palavras, a diferença entre o valor efetivamente gasto pelo contribuinte e o limite legal autorizado não pode ser considerada acréscimo patrimonial para compor a base de cálculo do imposto de renda.
Com efeito, temos que a alínea “b”, do inciso II, do art. 8º, da Lei 9250/90, ao trazer limitação quantitativa à dedução com despesas com instrução, padece de constitucionalidade por contrariar o conceito constitucional de renda.
O princípio da capacidade contributiva, positiva-se pela previsão de graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte, consoante disposto no artigo 145, §1º, da Constituição Federal.
O Estado deve exigir que as pessoas contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade para contribuir, ou seja, conforme a respectiva possibilidade concreta de cada indivíduo suportar a tributação, segundo os signos presuntivos de riqueza, sem implicar em confisco ou excesso de exação para ninguém, e, preservando-se o mínimo vital.
Neste particular, a vedação à dedução do valor integral das despesas com educação ofende, portanto, o princípio da capacidade contributiva, porque as deduções são técnicas de aferição da possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo, levando-se em conta não só os rendimentos brutos, mas também os gastos necessários para a sua educação e a de seus dependentes.
Esta capacidade de suportar a carga tributária do contribuinte que teve despesas com educação acima do limite previsto por lei restará relativizada em relação a outro que tenha aferido a mesma renda, com tais despesas dentro do teto, violando-se o princípio da isonomia.
A igualdade no que tange ao Direto Tributário, vem estampada pela Constituição Federal, quando se trata do Sistema Tributário Nacional, mais especificamente em seu artigo 150, inciso II.
Referido princípio, com relação à estipulação dos impostos, estabelece que deverá ser respeitada a capacidade contributiva auferida pela pessoalidade e progressividade em conjunto.
Em outras palavras, a igualdade será realizada quando houver a distinção dos contribuintes por meio da avaliação de sua capacidade econômica, segundo a qual aqueles que têm mais deverão assumir maior parcela na carga tributária do que aqueles que têm menos, ou nada têm.
Assim, temos que o princípio da isonomia exige que a lei não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, e, os discrimine, na medida de suas desigualdades, aqueles que não se encontrem em situação equivalente.
Portanto, sob este prisma, a norma que permite a dedução das despesas com educação tem como fundamento para diferenciar os contribuintes, a necessária concretização do direito fundamental à educação, enquanto a norma que limita o valor do abatimento, desigualando aqueles contribuintes que tem despesas com educação até o teto daqueles que tem despesas em valor superior ao teto, diferencia situações que não são efetivamente distintas entre si.
Destarte, limitar as despesas educacionais culmina na violação do princípio da capacidade contributiva, sob o aspecto subjetivo (artigo 145, §1º, da Constituição Federal), bem como o princípio da isonomia (artigos 5º, caput, e 150, II, da Constituição Federal), na medida em que não há efetiva distinção entre o contribuinte que efetua despesas educacionais até o teto e aquele que realiza despesas em valores superiores.
A Constituição Federal estabelece que a educação é um direito social de todos, e um dever do Estado e da família, e será promovida com vistas “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Contudo, em razão da impossibilidade de o Estado garantir a todos a efetiva prestação de ensino público em estabelecimentos oficiais, permitiu-se a exploração pela iniciativa privada.
Portanto, além do ensino gratuito custeado por recursos públicos (artigo 213, da Constituição Federal), existe também a exploração do ensino, em todos os níveis e modalidades, por meio da iniciativa privada, de modo que a educação, neste caso, será prestada mediante o pagamento de mensalidades e demais despesas legítimas.
Ocorre que, neste particular, a lei 9.250/95, ao prever em seu artigo 8º, II, “b”, limitação arbitrária de limite anual individual, impedindo a dedução do valor real, efetivamente empregado na educação, culminou por violar os princípios constitucionais anteriormente mencionados, atribuindo efeitos jurídicos diferentes dos originalmente desejados pelo legislador constitucional.
Necessário consignar que o artigo 208, §1º, da Constituição Federal assegura o direito fundamental à educação, com o status jurídico de “direito público subjetivo”, atribuindo assim eficácia plena e imediata à norma, cuja concretização demanda uma atuação positiva do Estado.
Contudo, considerando que o Estado não cumpre com seu dever legal de disponibilizar ensino gratuito a toda a população mediante prestações positivas, o mesmo deveria fomentar e facilitar o acesso à educação, deixando de atingir, via tributação, o alcance ao ensino por meio da limitação da dedutibilidade com seus gastos.
Em razão das vertentes acima, resta demonstrada a inconstitucionalidade da norma que impõe limite quantitativo à dedução das despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda (art. 8, II, “b”, da lei 9.250/90). Isso porque, consoante já demonstrado, referida limitação não se adequa ao conceito constitucional de renda previsto no artigo 153, II, da Constituição Federal, uma vez que referidas despesas se traduzem em uma perda de disponibilidade econômica e jurídica, restando patente, portanto a subversão do conceito de renda.
Ademais, a fixação de um limite para a dedução com os gastos com educação ofende também os princípios da capacidade contributiva e da isonomia, na medida em que a técnica da dedução das despesas para a aferição da base de cálculo do Imposto de Renda não se adequa também aos conceitos efetivamente previstos pelos aludidos princípios, seja por não aferir a efetiva possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo, seja em razão da não equiparação de contribuintes que, em situação idêntica, tenham realizado gastos em valores inferiores e superiores ao teto estabelecido.
Não obstante o exposto, analisando se o direito social fundamental à educação temos também que a autorização para a dedução integral das despesas educacionais efetivaria medida concretizadora do objetivo primordial da educação, restando mais uma por descabida a limitação prevista por lei.
Na mesma linha de raciocínio, sempre que o contribuinte ficar obrigado a custear as despesas com educação (para si ou para seus dependentes), com hospitais e remédios, com a previdência privada (para complementar a previdência oficial), com a segurança pública etc., resta claro que o mesmo está fazendo às vezes do Estado, que tem o dever de prestar e fazer valer os direitos sociais dos brasileiros.
Portanto, deveria ser admitida a dedução integral não apenas dos gastos com educação, mas também de todos esses valores dos rendimentos tributáveis, já que, efetivamente, não representam acréscimo de patrimônio, mas justamente o contrário.
Neste sentido, vale conferir as palavras de Mary Elbe Queiroz: “A indedutibilidade e a limitação de custos ou de algumas despesas da pessoa física, em especial no que se refere as classes assalariadas e aquelas de menor capacidade contributiva, implica que, embutida no valor do imposto pago encontra-se uma parte da própria ‘renda’ auferida e que foi usada para o pagamento dos citados custos ou despesas que são necessárias e imprescindíveis a subsistência e a manutenção da fonte produtora, o que implica consumir uma parte do próprio patrimônio, caracterizando-se, portanto, a exação como confiscatória.” (QUEIROZ, Mary Elbe, Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Rio de Janeiro: Manole, 2004.)
Na mesma linha de raciocínio, Roque Antonio Carrazza sustenta que esses gastos, vinculados à dignidade do contribuinte, podem ser deduzidos dos rendimentos tributáveis, ainda que não exista lei autorizando tal dedução: “Uma coisa, no entanto, é mais que certa: apesar das dificuldades que o assunto encerra, não se pode capitular, admitindo só ser dedutível da base de cálculo do IR aquilo que for do agrado do legislador ordinário. Pelo contrário, há gastos que – por dizerem de perto com a dignidade da pessoa humana, a cidadania e o princípio da livre iniciativa – independem da condescendência da lei para serem afastados, em última análise, pelo Poder Judiciário, da tributação em tela.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.)
De qualquer maneira, para que o contribuinte possa deduzir integralmente as despesas tratadas nesta oportunidade, deverá, necessariamente, amparar-se de decisão judicial.
Por Sylvio César Afonso - Advogado e contabilista em SP. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Auditor pelo IBRACON. Conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de SP
Fonte: Jota
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