segunda-feira, 29 de setembro de 2014

29/09 Visão integrada

Redução do custo de capital, valorização da profissão e da área de contabilidade, mais transparência e maior integração entre diferentes áreas da empresa são os maiores benefícios colhidos pelas companhias desde a adoção efetiva, em 2010, da norma contábil internacional IFRS. Especialistas consultados pelo Valor acreditam que os benefícios ainda não estão totalmente em vigor, mas que as empresas já começam a perceber seus efeitos, principalmente nas relações com investidores e com outras empresas de fora do país.

“Empresas maiores, mesmo as que não possuem capital aberto, saíram beneficiadas, principalmente as multinacionais, porque agora conseguem escriturar na mesma linguagem da matriz”, comenta Marta Pelucio, professora do Mackenzie e sócia da Praesum Contabilidade Internacional. “Para o investidor, ficou mais fácil entender como ele vai escriturar suas operações no país e como vai poder retirar seus dividendos.”

“Do ponto de vista prático, a consequência mais palpável é que a contabilidade não fica mais restrita ao setor de contabilidade”, explica Ricardo Julio Rodil, sócio da Baker Tilly Brasil. “O contador, que vivia isolado, pegando as normas e fazendo débito e crédito, agora tem que conversar com vários setores da empresa.” De acordo com Marta Pelucio, cresce a responsabilidade do departamento jurídico e da alta administração no momento em que a escrituração de operações e ativos passa a ser avaliada sobre critérios de atualidade e valor real.

“O contador se valorizou e o salário subiu”, afirma Ramón Jubels, sócio da KPMG no Brasil. Levantamento realizado pelo Grupo Catho com exclusividade para o Valor mostra que o salário médio de um contador aumentou 18% em cinco anos, no Brasil. O maior salto ocorreu justamente na passagem de 2010 para 2011, o primeiro ano da nova norma, com evolução de 8,6%, contra uma inflação de 5,91% (IPCA).

“O nível técnico dos profissionais de contabilidade melhorou”, comenta Marcelo Lico, diretor da Crowe Horwath. “A qualidade das informações também melhorou, mesmo entre as empresas que não são obrigadas a publicar balanços”. Em sua avaliação, a adoção da norma IFRS combate uma antiga cultura da contabilidade brasileira de que tudo era feito para atender ao Fisco. O resultado é mais transparência.

“Não apenas o Fisco, mas credores e fornecedores estão exigindo mais a análise das demonstrações financeiras para concessão de crédito”, afirma Marcelo Diniz, sócio do escritório LCDiniz Advogados Associados. Para ele, o IFRS permite “um conhecimento maior sobre a situação da companhia, o que acaba proporcionando também esse controle”. Isso serve aos propósitos do Fisco, mas o objetivo não é esse, e sim dar a quem é de fora e deseja se relacionar com a empresa uma visão mais acurada do que como ela se encontra. “A cada dia se torna mais importante mostrar os fundamentos da empresa para obter melhores condições de negociação”, diz Diniz. Para ele, as instituições financeiras também deverão seguir essa lógica dentro de algum tempo, embora busquem outras informações em suas análises de crédito corporativo.

A transparência é a principal responsável pela queda do custo de captação. Uma série de estudos, sobretudo sobre a adoção do IFRS na Europa (em 2005) mostra a redução do custo de capital em proporções que variam entre 6 e 21 pontos-base. No Brasil alguns estudos já surgiram nesse sentido, também com grande variação, mas qualquer análise ficou prejudicada pela crise internacional de 2008, que distorce os resultados, pondera Jubels.

O fortalecimento da transparência é bem vindo, comenta Amador Alonso Rodriguez, presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). A entidade entrega hoje a 24 empresas o Troféu Transparência de Balanços. “Na prática, a IFRS representa um upgrade para a contabilidade porque promove um alinhamento mundial do Brasil e deixa de representar o antigo alinhamento entre a área societária e a fiscal que havia na época da velha contabilidade “, diz Bruce Mescher, sócio-líder da área de auditoria para serviços integrados de “finance transformation” da Deloitte. Para ele, os desafios são a capacitação de pessoal, amplificação da norma entre pequenas e médias empresas, monitoramento das atualizações e busca por melhoria contínua da qualidade das informações, “sobretudo nas notas explicativas”.

A despeito dos ganhos salariais, a falta de preparo entre os contadores ainda é grande, admite Joanilia Neide Sales, professora da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) da Universidade de São Paulo. Ela defende que as companhias se preocupem com a contratação de bons profissionais e fiquem atentas à capacitação permanente. Segundo diz, existem dois problemas em relação à norma IFRS no que tange a capacitação profissional: os profissionais antigos e os novos. Os novos estão sendo formados já sob a orientação da norma, mas falta experiência. Entre os antigos, a maioria não se atualizou adequadamente. Joanilia se preocupa com a atualização profissional fora dos grandes centros. “São mais de 1.300 cursos de ciências contábeis em todo o Brasil. Até todos estarem em ordem, vai demorar”, prevê.

Quem também defende a educação profissional continuada para os preparadores de informações financeiras – e não apenas para os contadores – é Tadeu Cendon, sócio da consultoria PwC no Brasil. Segundo ele, a adoção da norma aumentou o custo com preparação de pessoal e aquisição ou adaptação de sistemas, “mas os benefícios, como redução de capital e atração de investidores, compensam”.

A principal mudança proporcionada pelo IFRS no Brasil foi sair de uma contabilidade totalmente objetiva, baseada em regras, para uma contabilidade subjetiva, que obriga o contador a avaliar o patrimônio da empresa, dizem Henrique Formigoni e Liliane Cristina Segura, professores da Universidade Mackenzie. Para eles, as possibilidades de tratamento contábil dos eventos econômicos trouxeram desafios profissionais, “pois houve uma mudança cultural na aplicação e interpretação das transações”.

Outro problema são as empresas de menor porte que não se relacionam com investidores externos e têm dificuldade em compreender as mudanças, afirma Silvinei Cordeiro Toffanin, diretor da Direto Contabilidade, Gestão e Consultoria. Essas seguem uma versão simplificada da norma. Ele afirma que as exigências da nova norma o levaram a ampliar o quadro de pessoal em 15% – elevando os custos em 15% a 20%.

Fonte:  Valor | Por Eduardo Belo
Via Enfoco

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