quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

31/01 O planejamento tributário e o fisco

É de conhecimento geral a alta carga tributária no país. De acordo com estudos recentes[1], o Brasil tem a segunda maior carga tributária da América Latina. Em 2010, a receita tributária alcançou, de acordo com a metodologia adotada na referida pesquisa, 32,4% do PIB. Levando-se em consideração o retorno em serviços públicos, pode-se afirmar que o Estado Brasileiro está entre os países com maiores cargas tributária no mundo. Para agravar a situação, o sistema constitucional tributário pátrio é extremamente complexo, impondo ao contribuinte um elevado número de obrigações acessórias e um dever diário de acompanhamento das alterações na legislação tributária (o que demanda, no mínimo, a contratação de mais profissionais para o cumprimento de tais deveres instrumentais). Tais fatores impactam diretamente a sociedade, e, em especial, as sociedades empresárias.

Ocorre que, além da questão do ônus tributário como um obstáculo efetivo para as empresas expandirem suas atividades e tornarem-se mais competitivas no mercado, estas têm suportado ainda intensa concorrência em virtude do aumento da importação de produtos fabricados em países em que o custo da produção é bem inferior.

Nesse contexto, o planejamento tributário, consubstanciado na adoção de medidas lícitas que possam reduzir o ônus tributário (comumente denominada elisão fiscal), afigura-se indispensável para uma boa gestão empresarial. De acordo com Marco Aurélio Greco[2], o “tema do planejamento tributário está ligado ao exercício da liberdade individual de organizar a vida na busca da menor carga tributária admitida pelo ordenamento jurídico. Esta organização se dá mediante a celebração de atos ou negócios jurídicas das mais diversas naturezas que, em sua maioria, encontram previsão no Código Civil, seja como contratos típicos, seja quanto aos elementos e requisitos dos negócios jurídicos em geral.”

O instituto da elisão fiscal, por seu turno, não se confunde com a evasão ou sonegação fiscal. Esta última, a evasão fiscal, consiste na adoção de meios ilícitos ou fraudulentos com o intuito de reduzir ou suprimir o pagamento de tributos. A linha divisória entre a elisão e a evasão fiscal, no entanto, nem sempre é de fácil constatação na medida em que em ambos os institutos o contribuinte tem como objetivo a economia de tributos. Assim, além dos meios utilizados (lícitos ou ilícitos), a doutrina costuma apontar o critério temporal como fator distintivo. Na elisão, os atos visando a redução do tributo são praticados antes da ocorrência do fato gerador e na evasão praticados depois.
A questão ganhou novas cores com a introdução do parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional, que assim dispõe: "a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária".

De início, tem-se que para a desconsideração do negócio jurídico levado a efeito pelo contribuinte, exige a norma geral antielisiva que sejam observados “os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Visando alcançar tal propósito, foi editada a Medida Provisória nº 66/2002. Os arts. 13 a 19 estabeleceram os requisitos e o procedimento para a desconsideração, fazendo referência à falta de propósito negocial e ao abuso de forma. Todavia, os referidos dispositivos legais foram rejeitados quando da conversão na Lei nº 10.637/2002. Logo, para a aplicação de tal norma necessário se faz ainda a edição de lei ordinária.

A par da questão relativa à regulamentação, dois fatos podem ser ressaltados a partir da edição do referido dispositivo legal: (i) o Fisco, mesmo antes da mencionada norma geral, já efetuava o lançamento de ofício do tributo na hipótese de constatação de dolo, fraude ou simulação (art. 149, VII, do CTN); (ii) o Fisco, a par da rejeição da MP no citado ponto, tem mantido como referência a “falta de propósito negocial” a fim de caracterizar a simulação ou a dissimulação. Em outras palavras, tem adotado uma interpretação mais ampla no que tange à simulação, em substituição à interpretação anterior, mais restrita (acolhimento do negócio jurídico indireto). Transcrevo ementas do Conselho de Contribuintes que expressam cada uma dessas duas interpretações. Primeiro, aquelas que adotam a interpretação mais restrita quanto ao conceito de simulação:

Ementa. IRPF - GANHOS DE CAPITAL - SIMULAÇÃO - Para que se possa caracterizar a simulação, em atos jurídicos, é indispensável que os atos praticados não pudessem ser realizados, fosse por vedação legal ou por qualquer outra razão. Se não existia impedimento para a realização de aumentos de capital, a efetivação de incorporação e decisões, tal como realizadas e cada um dos atos praticados não é de natureza diversa daquele que de fato aparenta, isto é, se de fato e de direito não ocorreram atos diversos dos realizados, não há como qualificar-se a operação de simulada. Os objetivos visados com a prática dos atos não interferem na qualificação dos atos praticados, portanto, se os atos praticados eram lícitos, as eventuais conseqüências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como casos de elisão fiscal e não de evasão ilícita. IRPF - ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS - DIREITO ADQUIRIDO - Não há incidência de imposto de renda sobre ganhos de capital apurados na alienação de participações societárias ocorridas após 01.01.89, adquiridas até 31.12.83, a teor da alínea “d” do artigo 4º do Decreto-lei Nº 1.510/76, face ao princípio do direito adquirido. Recurso provido. (1º CC, Acórdão nº 106-09.343, de 18/09/1997)

Ementa. INCORPORAÇÃO ATÍPICA - NEGÓCIO JURÍDICO INDIRETO - SIMULAÇÃO RELATIVA - A incorporação de empresa superavitária por outra deficitária, embora atípica, não é vedada por lei, representando um negócio jurídico indireto, na medida em que, subjacente a uma realidade jurídica, há uma realidade econômica não revelada. Para que os atos jurídicos produzam efeitos elisivos, além da anterioridade à ocorrência do fato gerador, necessário se faz que revistam forma lícita, aí não compreendida hipótese de simulação relativa, configurada em face dos dados e fatos que instruíram o processo. EVIDENTE INTUITO DE FRAUDE - A evidência da intenção dolosa, exigida na lei para agravamento da penalidade aplicada, há que aflorar na instrução processual, devendo ser inconteste e demonstrada de forma cabal. O atendimento a todas as solicitações do Fisco e observância da legislação societária, com a divulgação e registro nos órgãos públicos competentes, inclusive com o cumprimento das formalidades devidas junto à Receita Federal, ensejam a intenção de obter economia de impostos, por meios supostamente elisivos, mas não evidenciam má-fé, inerente à prática de atos fraudulentos. PENALIDADE - SUCESSÃO - A incorporadora, como sucessora, é responsável pelos tributos devidos pela incorporada, até a data do ato de incorporação, não respondendo por penalidades aplicadas posteriormente a essa data e decorrentes de infrações anteriormente praticadas pela sucedida (CTN, art. 132). (Publicado no D.O.U. De 28/11/02). (1º CC, Acórdão nº 103-21.047, 16/10/2002)

Ementa. IOF. OPERAÇÕES DE AQUISIÇÃO DE TÍTULOS DE DÍVIDA PÚBLICA ESTRANGEIRA E POSTERIOR VENDA DELES A EMPRESAS BRASILEIRAS, COM PAGAMENTO EM REAIS, SEM REGISTRO NO BANCO CENTRAL DO BRASIL. ALEGAÇÃO DE ILÍCITO CAMBIAL. INCOMPETÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA. Compete ao Banco Central do Brasil a verificação do cumprimento das normas relativas ao registro de operações que envolvam a entrada e saída de recursos financeiros do país, cabendo à Administração Tributária somente analizar a ocorrência de fato gerador de tributo e promover o cumprimento das obrigações então surgidas. DESCONSIDERAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. FALTA DE PRECISÃO LEGAL. Não existindo norma vedando a utilização de mecanismo jurídico menos oneroso ao contribuinte, não pode o Fisco desconsiderar os negócios jurídicos praticados, alegando possuírem conteúdo econômico de fato gerador de tributo, ante a falta de previsão legal para tanto. Recurso provido. (2º CC, Acórdão nº 201-77174, 09/09/2003)

A seguir, as decisões que, abandonando a interpretação anterior, prestigiam uma interpretação mais ampla no que toca à simulação, fazendo referência à falta de propósito negocial (para caracterizar a simulação/dissimulação) ou à sua presença para o fim de considerar a elisão fiscal:

Ementa. Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ Ano-calendário: 2007 OPERAÇÕES ESTRUTURADAS. SIMULAÇÃO Constatada a desconformidade, consciente e pactuada entre as partes que realizaram determinado negócio jurídico, entre o negócio efetivamente praticado e os atos formais de declaração de vontade, resta caracterizada a simulação relativa, devendo-se considerar, para fins de verificação da ocorrência do fato gerador do Imposto de Renda, o negócio jurídico dissimulado. OPERAÇÕES ESTRUTURADAS EM SEQUÊNCIA. LEGALIDADE FORMAL. ILEGITIMIDADE MATERIAL. A realização de operações estruturadas em seqüência, embora individualmente ostentem legalidade do ponto de vista formal, não garante a legitimidade material do conjunto de operações, quando fica comprovado que os atos praticados tinham objetivo diverso daquele que lhes é próprio. CRIAÇÃO DE EMPRESA FICTÍCIA. AUSÊNCIA DE PROPÓSITO NEGOCIAL UTILIZAÇÃO DE 'EMPRESA VEÍCULO' Não produz o efeito tributário almejado pelo sujeito passivo a criação de pessoa jurídica, sem qualquer finalidade negocial ou societária. Nestes casos, resta caracterizada a utilização da aludida empresa como mera empresa 'veículo' para redução ilegal da incidência tributária. SIMULAÇÃO. MULTA QUALIFICADA. A prática de simulação com o propósito de dissimular, no todo ou em parte, a ocorrência do fato gerador do imposto caracteriza a hipótese de qualificação da multa de ofício, nos termos da legislação de regência. ( 1401-000.868

Ementa. Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ - Ano-calendário: 1997 GLOSA DE DESPESA DESNECESSÁRIA - Não estando provado nos autos que o negócio jurídico foi simulado ou engendrado com fraude à lei e, principalmente, estando demonstrada sua causa real e legítimo propósito negocial, não prevalece a glosa a título de despesa desnecessária. Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL - Ano-calendário: 1997 DECORRÊNCIA - Os mesmos fundamentos que embasaram o julgamento relativo ao IRPJ também se aplicam à exigência de CSLL, decorrente da mesma situação fática. (1º CC, Acórdão nº 107-09423, 25/06/2008).

Conclui-se, pois, que não obstante a adoção de um planejamento tributário (elisão fiscal) por uma sociedade empresária seja imprescíndivel para uma sadia gestão administrativa, tal procedimento deve ser feito com cautela, mediante acompanhamento conjunto de profissionais das áreas envolvidas, em especial, das áreas contábil e jurídica. O sólido planejamento tributário, baseado em opinião de especialistas nessas áreas, minimiza os riscos relativos a pretensas autuações fiscais, na medida em que apoiado em fundamentos técnicos, poderá ser levado à apreciação do Poder Judiciário, nos casos de eventuais arbitrariedades cometidas pelo Fisco.



[1]Disponível em: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/11/13/carga-tributaria-no-brasil-e-a-2-maior-da-america-latina-atras-de-argentina.htm. Acesso em 06/01/2013.
[2]GRECO. Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética. 2004. p. 452.

Por Alberto Higa

Fonte: Essência Sobre a Forma

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