quinta-feira, 28 de julho de 2016

O PIS e a Cofins na própria base

A Lei nº 12.973/2014, ao alterar as leis que tratam do PIS e da Cofins, dispôs que tais contribuições devem incidir sobre o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, valendo-se, para tanto, da definição contida no art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77.

A teor do artigo, a receita bruta compreende (I) o produto da venda de bens nas operações de conta própria; (II) o preço da prestação de serviços em geral; (III) o resultado auferido nas operações de conta alheia; e (IV) as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III. O parágrafo 5º do referido dispositivo prevê que "na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes [...]".

Ao analisar o parágrafo 5º da norma, percebe-se que o legislador tratou expressamente da inclusão dos impostos sobre vendas e serviços (ICMS e ISS) na base de cálculo do PIS e da Cofins, em aparente tentativa de dar ares de legalidade à longa discussão travada no Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente julgada no RE 240.785, sem repercussão geral, e pendente de solução definitiva nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 18.

Essa sistemática de apuração faz com que a base de cálculo seja majorada por rubrica estranha ao conceito de faturamento ou receita

No entanto, a dicção do dispositivo parece ter um alcance ainda maior: é que, ao se referir genericamente aos "tributos incidentes sobre a receita bruta", o dispositivo dá margem para que as autoridades fiscais exijam a inclusão, nas bases de cálculo das contribuições, dos valores relativos a elas próprias (cálculo por dentro).

Sabe-se que a inclusão do PIS e da Cofins sobre as suas próprias bases de cálculo já era aplicada na prática, eis que, em que pese o conceito de receita trazido pelo Pronunciamento Técnico CPC nº 30, na "receita bruta tributável" incluíam-se os tributos incidentes sobre vendas, dentre os quais se enquadram essas próprias contribuições, tal como prevê a Instrução Normativa SRF nº 51/1978 e a Solução de Consulta nº 82/2010, esta última exarada pela DISIT da 7ª Região Fiscal.

Em termos práticos, a consequência da utilização do método de "gross up" para se alcançar a base de cálculo do PIS e da Cofins é fazer com que o tributo incida sobre ele mesmo, o que ocorre na composição do preço, da seguinte forma:

Valor da Mercadoria = (Custo + Margem de Lucro) / [1- (0,18 + 0,076 + 0,0165)]

Essa equação tem como resultado direto a majoração do valor da mercadoria ou serviço e, bem assim, a elevação da receita bruta, i.e., da base de cálculo do PIS e da Cofins.

O primeiro aspecto que deve ser observado – embora contraintuitivo – é que o cálculo por dentro do PIS e da Cofins não merece o mesmo tratamento conferido ao ICMS. Para o imposto, a base de cálculo é o valor da operação, cujo montante engloba o próprio tributo estadual, enquanto que para o PIS e a Cofins a hipótese é de "faturamento" ou "receita", o que não comporta o valor das próprias contribuições.

Nessa linha, ao julgar o RE 582.461, o ministro Gilmar Mendes destacou que: "o Plenário do STF [...] pacificou o entendimento de que [...] a base de cálculo do ICMS, definida como valor da operação da circulação de mercadorias [...], inclui o próprio montante do ICMS incidente, pois ele faz parte da importância paga pelo comprador e recebida pelo vendedor na operação".

A questão quanto ao PIS e à Cofins ganha contornos mais sutis, pois o cálculo por dentro escancara o fato de o valor das contribuições estar compondo as bases de cálculo delas próprias, reacendendo o debate sobre a constitucionalidade de se exigir PIS e Cofins sobre ônus fiscais (tributos).

Quanto à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, o STF abordou a questão no julgamento do RE 240.785, onde concluiu, em resumo, (a) que "faturamento" pressupõe receita própria, conceito em que não se inclui o ICMS, uma vez que este não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, (b) que seria um contrassenso cogitar de tributo sobre ônus fiscal, por não configurar demonstração de riqueza apta a justificar a imposição tributária, e, por fim, (c) pela impossibilidade de se desvirtuar termos e expressões utilizados pela Constituição Federal para a definição da base de cálculo de tributo.

Esses argumentos se prestam para justificar a inconstitucionalidade do "cálculo por dentro" do PIS e da Cofins, eis que essa sistemática de apuração faz como que sua base de cálculo seja majorada por rubrica estranha ao conceito de "faturamento" ou "receita", sendo certo que o pagamento daquelas contribuições representa verdadeiro ônus fiscal do contribuinte, sendo contabilizado a débito em conta de resultado, em contrapartida a um crédito no passivo circulante.

A nosso ver, a considerar o conceito constitucional de receita, caso as empresas desejem repassar o PIS e a Cofins ao adquirente da mercadoria ou serviço, seu cálculo deveria ser feito "por fora", somando-se o resultado ao preço, tal como acontece com o IPI.

Renato Moreira Trindade e Rafael Alves dos Santos são, respectivamente, advogado tributarista, pós-graduado em direito empresarial, com concentração em tributário, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio de Mello Alves & Trindade Advogados; advogado tributarista, graduado em contabilidade, professor do Curso Avançado de Jurisprudência Tributária e sócio do Abreu Faria, Goulart & Santos – AFGS Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor

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