domingo, 17 de julho de 2016

Multinacionais e transparência na UE

Grupos multinacionais, incluindo empresas brasileiras, devem se acostumar com o novo padrão mundial de transparência para fins tributários. Um dos principais exemplos dessa tendência refere-se à Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Assuntos Fiscais, por meio da qual os países signatários comprometem-se a trocar informações tributárias e a prestar assistência mútua em fiscalizações.

Ressalte-se que o Brasil assinou a referida Convenção em 2011 e a depositou em 1º de junho de 2016, de forma que em 1º de outubro de 2016 entrará em vigor no país.

Nesta esteira, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou em 2015 os relatórios finais da sua iniciativa sobre erosão de base e transferência de lucros (Beps). Dentre as possíveis medidas para evitar o planejamento tributário agressivo e a erosão de base, a OCDE recomendou, no Plano de Ação nº 13, a adoção do chamado "country-by-country reporting". Trata-se de um relatório abrangente com informações detalhadas sobre componentes financeiros e tributários das empresas multinacionais, discriminadas por unidade de negócios no exterior. As informações reportadas serão, em seguida, trocadas automaticamente entre os países nos quais a empresa multinacional possui uma presença negocial.

As autoridades fiscais brasileiras e estrangeiras serão beneficiadas com um volume cada vez maior de informações

Nesse contexto, em 25 de maio de 2016, o Conselho Europeu (European Council) publicou regras relativas ao reporte de informações tributárias por empresas multinacionais e à troca de informação entre Estados Membros da União Europeia (Diretiva).

A Diretiva tem como escopo justamente a implementação do "country-by-country reporting" por meio de um instrumento juridicamente vinculante da União Europeia (UE). Em princípio, estão obrigadas ao reporte as multinacionais com receitas consolidadas totais anuais de no mínimo 750 milhões de Euros.

As informações a serem reportadas país a país são informações relativas a (i) receita; (ii) lucro ou prejuízo; (iii) imposto de renda pago; (iv) imposto de renda devido; (v) capital social; (vi) lucros acumulados; (vii) número de empregados; e (viii) ativos tangíveis além de caixa ou equivalente.

Ademais, cada entidade participante do grupo multinacional será identificada com a respectiva jurisdição de residência fiscal (e jurisdição onde foi constituída, caso seja diferente). Por fim, deve-se também identificar a natureza do negócio principal de cada unidade de negócios do grupo multinacional.

As informações devem ser prestadas já para ano fiscal de 2016 pela entidade matriz do grupo multinacional residente em Estado-Membro da UE. Caso a matriz seja residente em um Estado não membro, uma entidade do grupo multinacional deve realizar o reporte caso seja residente fiscal em um Estado membro e, cumulativamente, uma das seguintes condições se aplicarem: (i) a matriz do grupo não seja obrigada ao country-by-country reporting na sua jurisdição de residência fiscal; (ii) a jurisdição de residência da matriz não tenha tratado em vigor exigindo a troca de informações relativas ao country-by-country reporting com o Estado membro onde a entidade tem residência fiscal; e (iii) haja uma falha sistêmica da jurisdição de residência fiscal da matriz na troca de informações com o Estado Membro em questão.

São estipulados prazos de: (i) 12 meses após o término do ano fiscal para as empresas protocolarem a entrega das informações tributárias; e (ii) três meses subsequentes a tal protocolo para as administrações fiscais trocarem a respectiva informação.

Apesar de o Brasil não estar vinculado às normativas relacionadas ao BEPS e o country-by-country reporting não estar ainda previsto na legislação pátria, diversas empresas brasileiras podem ser diretamente impactadas pela nova norma introduzida na UE neste mês de maio.

Primeiramente, multinacionais que tenham a matriz na Europa e unidades de negócios no Brasil terão a obrigação de reportar as informações tributário-financeiras de suas entidades brasileiras. Portanto, subsidiárias brasileiras, neste cenário, terão de necessariamente trabalhar para fornecer as informações requeridas pelas respectivas matrizes na Europa.

Ademais, as multinacionais originalmente brasileiras podem ter suas subsidiárias ou unidades de negócio na Europa atingidas pela obrigação, uma vez que embora a matriz não esteja sujeita ao reporte compulsório, como visto anteriormente, qualquer entidade de negócio residente na Europa estará, provavelmente, sujeita à obrigatoriedade de consolidação de informações em relação às demais atividades realizadas pelo grupo econômico.

Tais informações, portanto, circularão inevitavelmente entre as autoridades fiscais dos Estados Membros da UE. O alcance da Diretiva poderá ser potencializado pelas legislações domésticas dos Estados Membros para atingir, também, a administração fiscal de países fora da UE. Este é, na verdade, um dos principais objetivos do BEPS.

Ademais, é notório que o Brasil está se inserindo ativamente no contexto de troca de informações tributárias de forma irreversível. Talvez o principal exemplo recente desta tendência tenha sido a tentativa (embora frustrada) do governo brasileiro de implementação da Declaração de Informações de Operações Relevantes, através da MP 685/15.

As empresas brasileiras deverão aprender a conviver, portanto, com o cenário em que as autoridades fiscais brasileiras e estrangeiras serão, em um futuro quase imediato, beneficiadas com um volume cada vez maior de informações decorrente de fluxos de intercâmbio de documentações robustas e detalhadas sobre as atividades, riscos, funções e resultados financeiros de grupos multinacionais em todas as suas jurisdições de atuação.

por Luciana Nobrega e Silva Loureiro e Dalton Yoshio Hirata são, respectivamente, associada sênior do escritório Trench, Rossi e Watanabe e especialista (LLM) em direito tributário internacional pela Universidade de Leiden, Holanda; associado da mesma banca e mestre em direito e desenvolvimento pela Fundação Getulio Vargas-SP

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte : Valor

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