domingo, 17 de julho de 2016

Com maior pedido de recuperação da história, Judiciário testa inovações na Oi

O maior pedido de recuperação judicial da história vem sendo conduzido de forma inédita, aprofundando o uso de medidas inovadoras por juízes e administradores judiciais responsáveis pelo tratamento das empresas na enfermaria.

Depois de bater às portas da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro pedindo ajuda por dívidas de R$ 65 bilhões, a Oi obteve da Justiça a suspensão dos efeitos de uma cláusula que blindava fornecedores de uma eventual quebra da empresa, acrescentando um novo capítulo à controversa jurisprudência sobre o tema. O processo tem número 0203711-65.2016.8.19.0001.

O juiz também solicitou à Agência Nacional de Telecomunicações a sugestão de cinco empresas para facilitar a escolha do administrador judicial que cuidará da recuperação da Oi. Além disso, suspendeu cerca de 450 mil execuções judiciais contra a tele.

Cláusula de blindagem de fornecedores

Empresas em dificuldades precisam de ajuda e essa é uma das explicações para a existência da nossa infanta Lei de Recuperação e Falências (Lei 11.101/05). No fim de junho, o pedido feito pela Oi caprichou na narrativa dramática.  No item I.2 da petição inicial,  a empresa mencionou muitos números para dar a magnitude das operações do grupo – e, consequentemente, do impacto de seu eventual ocaso. Alguns:

  • 14,9 milhões de linhas fixas em operação – 35% do total;
  • 47,8 milhões de usuários móveis – 19% do total;
  • 2 milhões de hotspots wifi;
  • R$ 30 bilhões de impostos recolhidos entre 2013 e 2016;
  • 138,3 mil empregos gerados;
  • R$ 65,4 bilhões em dívidas;

Os números sublinham a magnitude do problema sobre a mesa do juiz Fernando Viana, da 7ª Vara Empresarial do RJ. Talvez por isso, segundo advogados, o magistrado tenha adotado inovações no curso da recuperação. Registre-se que há pouco ou quase nenhum exemplo de empresas que efetivamente conseguiram retomar a normalidade depois do auxílio dado pela Justiça.

“É natural ter inovações, existe uma evolução da lei. Os últimos casos têm gerado soluções mais criativas”, avaliou Francisco Satiro, professor de Direito Comercial da Universidade de São Paulo. “Mas se a dívida for impagável, a empresa não vai pagar.”

Advogados ouvidos pelo JOTA reservadamente chamam a atenção para “criatividade” de um salvo conduto geral para o Grupo Oi dado pela Justiça carioca. Por decisão do juiz Viana, a tele não precisará manter o pagamento a fornecedores, que tentaram justamente se proteger contra uma eventual recuperação judicial da empresa.

O pedido da Oi foi claro: “por favor, senhor juiz, impeça de antemão que sejam cumpridas as cláusulas revisadas por nosso departamento jurídico, em diversos contratos, que podem proteger outras empresas.”

O documento apresentado pela Oi à Justiça dizia:

“Para prestar aos seus clientes os serviços de comunicação, a RECUPERADAS contratam com fornecedores a prestação de inúmeros serviços, podendo ser apontado como exemplo de vital importância para a operação aqueles que possuem como objeto a interconexao, constituição das redes de telecomunicações, direitos de passagem, alem de outros cuja eventual rescisão possa afetar adversamente a prestação dos serviços pelo GRUPO OI. Grande parte dos contratos das RECUPERADAS, inclusive aqueles operacionais, contam com cláusulas de rescisão e de vencimento antecipado em cado de pedido de recuperação judicial por uma das partes. (…) Concluindo, o dano recorrente de eventual interrupção na prestação dos serviços publicas fornecidos pelas RECUPERADAS é de tal gravidade que impõe seja determinada, de plano, em tutela de urgência, a suspensão da eficácia das cláusulas contratuais que preveem o ajuizamento de recuperação judicial como causa de rescisão co contrato.”

Viana achou a solicitação razoável. Citando a função social do contrato e jurisprudência no mesmo sentido, escreveu:

“Com efeito, a simples distribuição do pedido de recuperação judicial por si só não pode ser motivo ensejador a resolver o contrato, pois estaríamos a presumir a ‘exceptio non adimpleti contractos’, conferindo autonomia privada poderes tais, ao ponto de se sobrepor ao bem coletivo. Conclui-se, portanto, a se manter a eficácia da cláusula resolutiva no âmbito falimentar/recuperacão, não se estará pondo em observância a função social dos contratos, principio limitador da autonomia privada.”

Advogados alertam para o impacto econômico danoso da decisão. “Com a benção da Justiça para um descumprimento de cláusulas contratuais dessa natureza, todo o setor sofre. A insegurança jurídica afeta todas as outras empresas. Certamente, o crédito para a Vivo e para a Tim já está mais caro”, avalia um deles.

Procurado pelo JOTA, o advogado Marcelo Muriel, sócio do Muriel Medici Franco Advogados, ponderou a suspensão desse tipo de cláusula não é novidade. “Isso vem de longe, desde o tempo da concordata”, afirma. “Mas houve inovação pelo fato de a empresa pedir, de antemão, para o juiz impedir a rescisão de qualquer contrato e o juiz conceder. Normal é isso ser tratado caso a caso.”

O sinal ganha mais relevância por se tratar de uma empresa tão grande no meio da mais longa recessão vivida pelo país. Isso está levando muitos advogados a questionar se a inovação se transformará em tendência – e também muitos fornecedores a adotar ainda mais cautela na negociação de contratos.

Na avaliação de Francisco Satiro, professor de Direito Comercial da USP, com a eliminação da cláusula a Oi “ganha um poder de barganha desproporcional”.

“Se não for feito o pagamento, o fornecedor tem que poder rescindir o contrato como qualquer contrato, o prejuízo da dívida anterior está submetido à recuperação de qualquer jeito”, explicou.

“Se parar para pensar, da onde vêm as cláusulas? Na concordata fazia sentido. Se antecipa o vencimento, fica fora da recuperação judicial. A empresa não está pagando porque não tem condição, para preservação da empresa não pode cortar o contrato. Permitir que o credor elimine o contrato pelo simples pedido de recuperação judicial é complicado, a empresa não está falida.”

Consulta ao regulador

Outra determinação inédita do juiz Viana foi a solicitação à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) da indicação de até cinco empresas “com idoneidade e expertise comprovada” para que a Justica escolha o administrador judicial do processo.

Segundo a Lei 11.101/05, cabe ao administrador judicial conduzir o processo de recuperação judicial da empresa ou acompanhar o plano de recuperação da companhia. Segundo o artigo 21, a escolha do juiz deve recair “preferencialmente” sobre “profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada”.

“Há de se reconhecer que o presente pedido de proteção judicial é formulado por uma das maiores empresas de telecomunicações do mundo, que impacta fortemente a economia brasileira, já que alcança um universo colossal de 70 milhões de clientes, empregando mais de 140 mil brasileiros, com milhares de fornecedores, e ainda gera recolhimento de volume bilionário de impostos aos cofres públicos”, disse Fernando Viana, na decisão.

Na avaliação do professor Satiro, a agência reguladora possui interesses próprios, como cobrança de multas à tele, que podem tornar mais complicado o cenário, principalmente sobre penalidades aplicadas pela Anatel que são questionadas pela empresa.

“A Anatel tem interesse conflitante”, afirmou. “No caso do grupo Rede, teve muita questão regulatória que influenciou na situação da empresa, na recuperação judicial o administrador tem que ter condição de fiscalizar.”

O processo de recuperação engloba a  Telemar Norte Leste, Oi Móvel, Copart 4 e 5 Participações, Portugal Telecom e Oi Brasil. Segundo o juiz, a receita bruta de R$ 40 bilhões anuais é um indicativo de que a empresa tem condições de se recuperar.

Procurada, a Anatel não se respondeu ao pedido de entrevista feito pelo JOTA até a publicação deste texto. O juiz Fernando Viana não tem concedido entrevistas sobre o assunto, pronunciando-se nos autos do processo.

“As requerentes informam à inicial que grande parte de seus contratos que estão em vigor, inclusive os operacionais, contam com cláusulas de rescisão e de vencimento antecipado em caso de pedido de recuperação judicial por uma das partes.

Essas cláusulas, comumente chamadas de ipso facto da insolvência, justamente por estabelecer que, mediante a declaração do estado de insolvência, como do pedido de recuperação judicial de uma das partes, há por si só a resolução do contrato de pleno direito, ainda que nenhuma obrigação nele tenha sido inadimplida.

Sustentam as requerentes que, para prestar aos seus clientes os serviços de comunicação, contratam com fornecedores a prestação de inúmeros serviços, tais como a interconexão, constituição de redes de telecomunicações, direitos de passagem, além de outros cuja eventual rescisão pode afetar adversamente a prestação desses serviços.

Neste passo, entendem que eventual rescisão dos contratos, por conta do ajuizamento do presente pedido de recuperação judicial, impactaria sua atividade-fim com reflexos no sucesso da recuperação judicial e, em última análise, prejuízo aos consumidores que ficariam privados de tais serviços, pelo que requerem a concessão de tutela de urgência para o fim de ser decretada a suspensão da eficácia das clausulas contratuais que preveem o ajuizamento de recuperação judicial como causa de rescisão contratual.

É preciso destacar de plano, o fato de não raras vezes o estado de insolvência está ligado tão somente à uma falta momentânea de liquidez, situação que neste momento prefacial parece ser o que levou as devedoras a formularem o seu pedido de recuperação judicial. Contudo, tal fato não pode se configurar, sem uma análise mais detida das relações contratuais existentes, a plena e clara configuração de que as devedoras não possuem meios para a satisfação dos contratos por elas firmados, devendo, com isso haver uma relativização do contido no art. 477 do CC.

Somado a isto, quase sempre é possível se configurar que diversos dos contratos firmados com aquela que postula o pedido de recuperação judicial, estão diretamente ligados às atividades essenciais da mesma, principalmente aqueles de duração diferida no tempo, de modo tal que, sua extinção implicará no agravamento da crise, podendo tornar a mesma insuperável.

A questão, portanto, deve ser enfrentada sob dois enfoques. No primeiro, deve-se avaliar se a cláusula contratual que permite a rescisão da avença em razão do ajuizamento de pedido de recuperação judicial deve ser interpretada sob a ótica da função social do contrato, na esteira do que dispõe o art. 421 do Código Civil.

Tal dispositivo representa uma tendência do direito civil moderno, que tem por escopo o afastamento das concepções individuais em prol da socialização do contrato, subordinando a liberdade de contratar à sua função social, com prevalência das questões de ordem pública.

A melhor doutrina leciona que “a função social do contrato serve precipuamente para limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e esta deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório”. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25.)

Mamede (2014, pag.122) trata do tema: Uma das metanorrmas que orienta o Direito Empresarial viu-se no primeiro volume desta coleção, é o princípio da preservação da empresa, cujos alicerces estão fincados no reconhecimento de sua função social. Por isso, a crise econômico-financeira da empresa é tratada juridicamente como um desafio passível de recuperação, ainda que se cuide de atividade privada, regida por regime jurídico privado. (MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Atlas, 2014).

A função social do contrato, portanto, é considerada tanto pela doutrina como pela jurisprudência, como uma cláusula geral – regra de conduta que não consta do sistema normativo – dirigida ao Juiz, o que ao mesmo tempo que o vincula, também lhe dá liberdade para decidir.

Neste aspecto dispõe o parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.”

É justamente neste aspecto que se insere a questão objeto do pedido, já que, no confronto entre a aplicabilidade da cláusula que prevê a rescisão contratual e as consequências danosas da interrupção de serviços essenciais e contínuos, prestados e direcionados a consumidores, deve prevalecer aquele que atende à função social do contrato, vale dizer, prevalece a suspensão da eficácia da referida clausula contratual.

Aliado a isto, o § 2o do art. 49 da LFRE dispõe que “as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente controladas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecidos no plano de recuperação judicial”, o que demonstra a possibilidade da manutenção dos contratos e suas obrigações para fins de garantir os princípios estampados no antecedente art. 47 do citado diploma legal.

Não se pretende com isso, dizer que, a todo custo, estará aquele que contratou com empresário ou sociedade empresária na condição referida, obrigado a manter em vigor os contratos firmados, com a possibilidade de haver por parte daqueles o descumprimento de obrigação contratual essencial, o que tornaria letra morta a previsão contida no art. 477 do Código Civil, que se traduz na expressão “exceptio non adimpleti contractus”.

Neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO No 0002437-24.2014.8.19.0000, AGRAVANTE: PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. – PETROBRÁS AGRAVADA: TQM SERVICE CONSULTORIA E MANUTENÇÃO LTDA. RELATOR: DES. HELENO RIBEIRO PEREIRA NUNES. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR. PEDIDO DE PROCESSAMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. RESCISÃO DE CONTRATO PELA DESTINATÁRIA DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELA EMPRESA REQUERENTE. VIABILIDADE DA EMPRESA. FUMUS BONI IURIS. PERICULUM IN MORA. MULTA. 1) A ampla gama de soluções admitidas pela Lei no 11.101/2005 tem como destinatários os credores da empresa em recuperação, vale dizer, todos aqueles que se qualifiquem como titulares de créditos constituídos em desfavor do devedor. 2) A agravante, na verdade, se qualifica como consumidora dos serviços prestados pela agravada, não sendo possível, em princípio, lhe impor sacrifícios, mormente considerando que a sua atividade econômica envolve a execução de empreendimentos de grandes proporções e complexidade na área petroquímica, de grande repercussão para economia do País, sob pena de subverter a finalidade do instituto da recuperação judicial. 3) Deste modo, os contratos firmados pela empresa agravada anteriores ao seu pedido de recuperação judicial devem ser cumpridos por ambos os contratantes, com observância das condições originalmente pactuadas, a teor do disposto no art. 49, §2o, da Lei no 11.101/2005, não havendo como negar o direito da agravante de rescindir o ajuste por descumprimento da correlata contraprestação. 4) Ademais, constitui afronta ao princípio da autonomia da vontade exigir que a agravante celebre novos contratos com a agravada. 5) Contudo, a atividade empresarial desempenhada pela agravada tem como destinatária exclusiva a agravante, em virtude do que a possibilidade de rescisão em razão unicamente do pedido de recuperação judicial, tal como previsto no contrato, coloca a recorrida em posição de extrema desvantagem, rompendo com a presunção de igualdade contratual que, a rigor, permeia os contratos empresariais, o que pode frustrar a salvação da empresa agravada, mesmo que esta se revele viável. 6) Assim, deve-se suprimir a determinação imposta à agravante no sentido de que esta celebre novos contratos de prestação de serviços com a agravada e restringir a ineficácia das rescisões contratuais àquelas que tenham por fundamento o mero ajuizamento da ação de recuperação judicial pela agravada, persistindo, entretanto, tal possibilidade na hipótese de descumprimento das obrigações pactuadas. 7) Uma vez admitida a possibilidade de rescisão contratual pela agravante quando fundada em inadimplemento da agravada, e considerando que, pelo teor do provimento jurisdicional impugnado, a sanção é, na verdade, dirigida às instituições financeiras por ela alcançadas, impõe-se a exclusão da multa diária de R$10.000,00 fixada para a hipótese de descumprimento da decisão relativamente à Petrobrás. 8) Recurso ao qual se dá parcial provimento.”

Sob um segundo enfoque, tem-se que as requerentes são empresas prestadoras de serviços, e a manutenção dos contratos em vigor afigura-se condição sine qua non para o sucesso da recuperação judicial, sendo certo que a abrupta rescisão dos contratos inviabilizará a atividade empresarial desenvolvida.

Interpretar a validade e eficácia da cláusula, apenas pela rigidez da ótica civilista, é seguir em sentido oposto, e violaria flagrantemente o espírito do legislador ao editar a lei de recuperação judicial, e colocaria em risco não só o sucesso da salvaguarda das empresas, como, em última análise, o interesse dos consumidores que sub-repticiamente ficariam alijados de serviços de natureza essencial e continua.

Na frente da evolução do direito falimentar está a preservação da atividade econômica produtiva, e, sobretudo à tão decantada função social, de modo a acompanhar flexibilização da rigidez do antigo conceito pragmático civilista, quando da promulgação da CRFB/88, quando se inaugurou uma nova ordem jurídica no país, passando a proteger interesses para além da esfera individualista.

Com efeito, a simples distribuição do pedido de recuperação judicial por si só não pode ser motivo ensejador a resolver o contrato, pois estaríamos a presumir a “exceptio non adimpleti contractos”, conferindo autonomia privada poderes tais, ao ponto de se sobrepor ao bem coletivo. Conclui-se, portanto, a se manter a eficácia da cláusula resolutiva no âmbito falimentar/recuperacão, não se estará pondo em observância a função social dos contratos, principio limitador da autonomia privada.” 

Por Laura Diniz
Por Iuri Dantas

Fonte: Jota

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