quarta-feira, 17 de agosto de 2011

17/08 Cooperativas têm dúvidas na aplicação das normas internacionais


O sistema cooperativo brasileiro vem discutindo a aplicação das regras e observa divergências de interpretação, principalmente no que tange aos conceitos básicos da contabilidade
Se depender das cooperativas brasileiras, a implementação das Normas Internacionais de Contabilidade não acontecerá tão cedo, com exceção daquelas que seguem as regras das suas agências reguladoras, em especial as cooperativas de Créditos e as Operadoras de Planos de Saúde. No entanto, no caso das cooperativas em que a contabilidade é completamente diferenciada, tanto em nomenclaturas quanto em interpretação de contas e sistema tributário, padronizar como requer a lei, parece uma tarefa um tanto quanto complicada.

Mas, para facilitar o entendimento e o trabalho dos contadores, em especial em relação às cooperativas do segmento agropecuário, o Sistema Ocergs Sescoop/RS está lançando um Manual de Contabilidade. Com aproximadamente 300 páginas, o documento vai contemplar os aspectos básicos da contabilidade e as legislações específicas aplicáveis a eles. Além disso, haverá um capítulo reservado para uma abordagem completa sobre a aplicação prática das normas trazendo um modelo de plano de contas e de demonstrações contábeis. A organização e autoria são do contador e coordenador da Comissão Contábil-Tributária do Sistema Ocergs/Sescoop/RS, Dorly Dickel, que acredita finalizar a obra até final de agosto, para ser distribuída em janeiro de 2012.

A normativa que está revolucionando o universo contábil foi instituída em 2007 no Brasil após a publicação da Lei 11.638, a International Financial Reporting Standards (IFRS), interpretada e organizada pela International Accounting Standards Board (IASB), presente em 112 países. De acordo com Dickel, que é especialista em cooperativismo, enquanto não houver resolução de alguns pontos polêmicos, não haverá implementação. Segundo ele, o conflito está nas próprias normas.

O Rio Grande do Sul reúne 601 cooperativas cadastradas na Ocergs (Sindicato e Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul). São cerca de 2 milhões de associados, que geram 50 mil empregos diretos com um faturamento anual de R$ 18 bilhões. As cooperativas gaúchas são responsáveis por 10,11% do PIB do Rio Grande do Sul.

A demanda contábil do setor é grande e há alguns pontos polêmicos para a aplicação das novas regras internacionais que envolvem questões conceituais. A instrução emitida pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), o ICPC 14, modifica o lançamento da cota-parte dos cooperados para o Passivo Não Circulante. A cota-parte corresponde ao capital social que visa a assegurar a estabilidade patrimonial da sociedade. Essa determinação é uma tradução da IFRIC 02, publicada em novembro de 2004 pelo IASB.

Dickel explica que, no entendimento do Comitê, o capital da cooperativa é um instrumento financeiro, mas, conforme ele, ela é um instrumento patrimonial e deve manter-se no patrimônio líquido, pois, do contrário, alteraria o próprio resultado do balanço, sendo classificada em dívida. “Entendo que é um enorme equívoco a reclassificação, pois acima de tudo contraria o próprio pronunciamento conceitual básico emitido pelo CPC”, indigna-se o contador que vê nesta alteração a perda da essência da contabilidade.

Além disso, na explicação de Dickel, a Lei nº 5.764/71, diz que o capital somente pode ser devolvido aos cooperados quando houver demissão, eliminação ou exclusão da sociedade. Ocorrendo um desses eventos, ele deve ser reclassificado para o passivo, pois passa a ser uma exigibilidade.  “Enquanto não acontecer nenhum desses eventos, o capital não satisfaz os requisitos para ser classificado desta forma”, argumenta.

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis foi criado pela Resolução nº 1.055/05 do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e tem o objetivo de estudar e emitir procedimentos contábeis, levando em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais. Mas o assunto tem merecido a atenção do CFC e de um grupo de contadores com integrantes de diversos estados que se reúnem para discutir esse e outros pronunciamentos do Comitê. Dickel, que é representante das cooperativas gaúchas nesses debates, diz que os colegas também entendem que as cotas de capital devem permanecer no patrimônio líquido das cooperativas. Segundo ele, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) está liderando as negociações acerca do assunto e cogita a realização de um workshop internacional para tratar do tema. “Na Europa que já está com o processo de convergência praticamente concluído, o capital das cooperativas permanece classificado no patrimônio líquido”, comenta.

Apesar das divergências, Dickel considera positiva a adoção das normas internacionais e diz que elas deverão ser adotadas pelas grandes, médias e pequenas cooperativas. “É evidente que o objetivo é aumentar a confiabilidade das informações divulgadas e isso, em última análise, visa a construir um cooperativismo mais seguro, confiável e transparente, tanto para os associados quanto para os bancos e fornecedores em geral”, finaliza.

Balanço da Santa Clara vai seguir modelo antigo
A cooperativa alimentícia Santa Clara, de Carlos Barbosa, está cautelosa com relação à adoção das normas internacionais de contabilidade. “As mudanças vão acontecer, pois são irreversíveis, mas gradualmente”, destaca a gerente de contabilidade Lourdes Gabriel Fracalossi. A explicação para que a reformulação do setor seja mais lenta não é difícil de deduzir. “São muitas as mudanças e leva-se algum tempo para se adaptar. Além do mais, as regras para esta modalidade contábil variam muito e estão sendo constantemente orientadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC)”, justifica Lourdes. “Temos que nos adequar e já estamos fazendo algumas implementações, mas com dificuldades”, confessa.

Em razão disso, a cooperativa está a passos lentos, embora observe os pronunciamentos do CPC, que, segundo a contadora, existem opiniões divergentes, principalmente em relação ao que se refere à redução ao Valor Recuperável de Ativos, ou Impairment, que na prática é o instrumento utilizado para adequar o ativo a sua real capacidade de retorno econômico. “Neste item, estamos nos adaptando, mas com cautela”, salienta Lourdes.
A cooperativa contratou uma empresa especializada para fazer a avaliação da vida útil dos bens e a redução do valor recuperável. Este levantamento, segundo a contadora, também muda os resultados da empresa, o que, em sua opinião, é uma das principais dificuldades da adaptação. “A vida útil dos bens é uma questão de julgamento, até que ponto isso é bom para a empresa?” questiona. Ela diz que as demonstrações contábeis da Santa Clara já estão praticamente adequadas às normas internacionais, mas o balanço de 2010 não seguirá o novo modelo. No caso do ajuste do valor presente, a cooperativa emite cerca de 250 mil documentos mensais, entre notas e cupons fiscais. “Imagina trazer tudo isso a valor presente”, esclarece Lourdes.

De acordo com o contador e coordenador da Comissão Contábil-Tributária do Sistema Ocergs/Sescoop, Dorly Dickel, a adoção do ajuste a valor presente e de taxas de depreciação em conformidade com a vida útil dos bens, valor justo de ativos, reclassificação e avaliação de bens intangíveis, classificação e avaliação de ativos biológicos, instrumentos financeiros, avaliação de propriedades para investimentos, são alguns dos aspectos das normas internacionais que possuem grande influência na apresentação dos balanços e na apuração dos resultados das cooperativas. Mas, segundo ele, o processo de convergência está avançando gradativamente.

Área de saúde é obrigada a adotar as regras
 O Sistema Unimed, assim como outras cooperativas de saúde, obedece às regras da Agência Nacional de Saúde (ANS) que determina a aplicação das normas internacionais já para o balanço de 2010.  De acordo com o gerente do Núcleo Contábil da Unimed do Rio Grande do Sul, Jaime Luiz Becker, a dificuldade para aplicação do novo formato está na própria interpretação, muitas vezes divergente do entendimento dos contadores e auditores.

Entre elas, está a Instrução do Comitê de Pronunciamento Contábil nº 10, o ICPC 10.  “Estamos analisando a legislação da ANS, a Instrução Normativa nº 47 e súmula 18, nas quais entendemos que possa existir uma possível contrariedade quanto aos registros do custo atribuído, o chamado deemed cost do Ativo Imobilizado com a determinação do ICPC 10.” Apesar disso, segundo ele, a contabilidade das 26 Unimeds gaúchas está totalmente adaptada às regras internacionais.


Especialista em cooperativismo, o coordenador da Comissão Contábil-Tributária do Sistema Ocergs/Sescoop, Dorly Dickel, estranha a determinação da ANS que solicita o estorno da avaliação do imobilizado pelo custo atribuído, realizado em 2010. “Inexplicável essa atitude da agência, pois o procedimento contábil adotado está regulamentado pelas normas internacionais e, além disso, em muitos casos existia uma defasagem entre o valor contábil dos bens e o valor justo em cerca de 300%, isto porque a última correção do valor somente foi permitida legalmente em dezembro de 1995”, esclarece Dickel.

Mesmo com algumas divergências de interpretação das agências reguladoras com os pronunciamentos contábeis, Dickel comenta que, na carteira de clientes do seu escritório de contabilidade e auditoria, das 150 cooperativas, aproximadamente 40 delas pertencem ao ramo da saúde e todas elas estão atendendo às normas internacionais.


JC-RS

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