quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Fiscos vorazes no Brasil

A insegurança jurídica e o risco da persecução penal em razão de divergências interpretativas da legislação tributária assombram investidores e executivos estrangeiros

A necessidade de arrecadação e o combate à sonegação fizeram com que os crimes tributários ganhassem extrema relevância. Não são raras as vezes em que o fisco funciona como instrumento abusivo, ferindo garantias e direitos individuais. A instabilidade da jurisprudência, o abuso das autoridades públicas, a complexidade do sistema tributário brasileiro, a comportar diversas interpretações díspares, agravam o fenômeno da persecução penal no campo dos tributos.

A quase totalidade dos tributos coloca o contribuinte como responsável para interpretar uma legislação complexa, calcular o tributo e o recolher, sendo papel do fisco apenas a fiscalização a posteriori. Não raras vezes há divergências quanto à interpretação dos fatos ou do direito; divergências normais, diante da anunciada complexidade e de uma guerra fiscal sem fim entre estados e municípios.

Demandas que envolvem alta carga interpretativa e complexidade jurídica são tomadas, a priori, como sonegação fiscal e, findo o processo administrativo (a espera do fim do processo administrativo se deve à Súmula 24, do STF) são iniciados pelo Ministério Público procedimentos criminais contra os contribuintes, como se fossem criminosos.

O dirigente de empresa, acuado pelo direito penal, muitas vezes acaba por pagar valores indevidos a enfrentar as agruras de uma ação penal totalmente injustificada. Agora mesmo, em Minas Gerais, se quer forçar empresas de outro grupo a pagar dívida de empresa paralisada do filho do empresário, numa tentativa de criar por ficção, na marra, um mesmo “grupo econômico”. Está insuportável o rumo que o MP está tomando. Quando se depara com inadimplência, corre-se em cima dos parentes, das empresas dos parentes.

É necessário resgatar o elemento essencial do tipo penal tributário, qual seja, o dolo, o que evitaria a instauração de inquéritos e oferecimento de denúncias, que assumem o caráter de cobrança por coação penal, em completo desrespeito às garantias fundamentais. Se a pessoa declara, mas não recolhe, parcela o débito e paga prestações e depois para, há inadimplência, jamais sonegação, que exige o ocultamento do tributo (no caso nada se oculta). Existe confissão.

Só isso, sem mais, afasta o crime de sonegação. Aliás, este deveria ser o papel do Ministério Público — bloquear qualquer tentativa de inquérito ou ação penal que não estivesse fundada na correta subsunção do tipo penal. O STF e o STJ devem, com urgência urgentíssima, repudiar as constrições políticas e penais.

A insegurança jurídica proporcionada e o risco da persecução penal em razão de divergências interpretativas da legislação tributária são fatores que assombram negativamente investidores e executivos estrangeiros. Às vezes até determinam a escolha de outro país para investir. É preciso resgatar a noção do direito penal como última ratio, sob pena de se instaurar no país verdadeiro caos, no qual o simples exercício de cargos de diretoria significa, previamente, atestado de culpa, aliás, atestado de dolo. Entretanto, a pessoa jurídica está discutindo em juízo apenas questões de inadimplência ou de alta complexidade jurídica, direito elementar em qualquer Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, afigura-se notável a relevância do tema a fim de colocar em pauta a discussão dos seguintes pontos: a) aplicabilidade da Súmula 24 do STF no contexto atual de oscilação jurisprudencial e sua ampliação para suspender qualquer investigação criminal ou ação penal quando a execução fiscal estiver com garantia idônea, aceita pela Fazenda Pública ou quando o crédito tributário estiver com suspensão da exigibilidade. A redação da Súmula é a seguinte: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”; b) o requisito do dolo específico para a configuração da prática dos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei 8.137/90 deve ser constatado a priori, sob pena de responsabilização dos agentes públicos da Fazenda Pública. É elementar e preliminar à persecução penal; c) a imutabilidade dos direitos e garantias do contribuinte anti a persecução penal; d) a exigência e constatação sólida do dolo pela autoridade fiscalizatória e confirmação no processo administrativo, para configuração do tipo penal tributário; e) a diminuição de multas que, às vezes, ultrapassam até em 300% o tributo a pagar (desde a época da hiperinflação).

Trata-se de tema de relevância, pouco explorado, pois influencia diretamente os negócios, sendo motivo de preocupação não só dos diretores, mas das próprias empresas. Os fiscos devem disciplinar-se e ganhar foros de civilização. Agir com decência e respeito, a bem do desenvolvimento econômico e social do país, em estado de grande conturbação política e recessão econômica.

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