terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

CARF admite uso de empresa veículo em operação com ágio

Em julgamento realizado recentemente sob a relatoria do conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da Primeira Seção de Julgamento do CARF [1] cancelou, por unanimidade de votos, autuação fiscal lavrada para a glosa de despesas de ágio sobre o principal fundamento de que as operações realizadas seriam desprovidas de motivação extratributária, especialmente quanto à utilização das chamadas “empresas-veículo”.

Em suma, o recurso voluntário julgado envolvia a aquisição de participação societária com ágio por holdings constituídas no Brasil, utilizando recursos provenientes de suas controladoras domiciliadas no exterior. Entre outros argumentos, a Fiscalização afirmou que tais pessoas jurídicas foram interpostas com a finalidade de ocultar as verdadeiras investidoras, quais sejam, as controladoras estrangeiras, e, assim, viabilizar o aproveitamento fiscal do ágio no Brasil:

“(…) restou inexplicada, a esta fiscalização, a não ser por motivo exclusivamente tributário, a opção de uma multinacional por um esquema com mais de 6 empresas interpostas e intervenientes entre a matriz e as coligadas (por certo tempo) e controladas, empresas essas sem funcionários, sede ou qualquer propósito negocial, a não ser como condutoras de recursos originados no exterior (…)” [2]

Como já pudemos escrever em obra coletiva, a jurisprudência do CARF tem analisado a utilização das empresas-veículo de investimento sob o ponto de vista do propósito negocial, rechaçando a interposição de pessoa jurídica “para criar de modo artificial as condições para aproveitamento da amortização do ágio como dedução na apuração do lucro real”. [3]

Ao analisar o caso concreto objeto do acórdão nº 1402-002.373, porém, o conselheiro relator verificou que, a despeito de quatro das seis holdings não possuírem empregados, administradores ou sedes independentes, conforme afirmado pela autoridade autuante, foram utilizadas com o intuito de organizar e operacionalizar a entrada do grupo estrangeiro no mercado brasileiro, o que é usual e, inclusive, aumenta os custos de implementação do projeto:

Aparentemente, conferindo todo o respeito ao trabalho da N. Autoridade Fiscal, houve uma má interpretação do conceito de Direito Comercial de empresas holdings, de forma que suas características próprias e plenamente lícitas foram utilizadas como argumento para constatação de sua suposta “inexistência”. Permitindo-se aqui uma tradução livre, o próprio verbo inglês to hold significa “deter”, “segurar”. Assim, sua própria nomenclatura já indica a sua função primordial: deter participações de outras empresas. (…) Em relação a grandes grupos estrangeiros, é extremamente natural se organizarem por meio de tais figuras, principalmente em outros países. Nos primeiros contatos com o novo mercado, é plenamente compreensível a escolha por não criar uma nova estrutura complexa, ou mesmo uma filial, que espelharia, ainda que parcialmente, por razões de políticas internas e compliance, a organização e a configuração institucional de sua matriz, representando, inclusive, um acréscimo injustificável de custos nesse momento inicial.

Ademais, transcorreram doze anos entre a aquisição da participação societária e o evento de incorporação, e as operações realizadas efetivamente culminaram na consolidação da Kimberly-Clark no mercado brasileiro, contradizendo a alegação fiscal de que as operações foram, desde o início, realizadas com o único intuito de assegurar o aproveitamento fiscal do ágio, conforme registrado no voto condutor:

E uma vez demonstrado que as empresas holdings, brasileiras, estavam regularmente constituídas, dentro de seus propósitos, essas, naturalmente, revestiram-se de investidoras quando do dispêndio para uma aquisição societária (…). Uma prova disso é que a Recorrente, outrora chamada de empresa veículo, é uma firme personificação societária do Grupo Kimberly-Clark hoje, no Brasil, movimentando relevantes somas, responsável por boa fatia do mercado, comprovando o alcance econômico e o real propósito extratributário por trás de todas essas operações de entrada, investimentos, parcerias e, finalmente, a sua reorganização societária, após o seu definitivo estabelecimento mercadológico.

Essa decisão, ao nosso ver, merece destaque, pois, com base em análise minuciosa das peculiaridades do caso concreto e da praxe das operações de investimento estrangeiro no Brasil, assegurou o direito da contribuinte ao aproveitamento fiscal do ágio.

Leia o acórdão

[1] Publicado em 14/2/2017.

[2] Trecho do termo de verificação fiscal transcrito no relatório do acórdão 1402-002.373.

[3] Conforme decidido pela 3ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da Primeira Seção de Julgamento do CARF sob a relatoria do eminente Conselheiro Aloysio José Percínio da Silva no acórdão nº 1103-000.960, de 06/11/2013, citado em nosso artigo Caso Usina Moema – Acórdão n. 1302-001.184 – propósito negocial e utilização de empresa veículo (VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins. VEIGA, Thais Romero. In: Análise de casos sobre aproveitamento de ágio: IRPJ CSLL – À luz da jurisprudência do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. PEIXOTO, Marcelo Magalhães. FARO, Maurício Pereira (coord.). São Paulo: MP Editora, 2016, p. 84.

por Breno Vasconcelos - Sócio do escritório Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Pesquisador e Professor da FGV Direito SP.

Thais Romero Veiga - Advogada do escritório Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados. Pós-graduada em Administração de Empresas com foco em gestão tributária pela FIPECAFI. Graduanda em Ciências Contábeis pela FIPECAFI.

Fonte: Jota.info/

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