segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Prova pericial em matéria tributária: cabimento e relevância

A realização de prova pericial é inteiramente compatível com os processos administrativos tributários, encontrando expressa previsão no Decreto n. 70.235/72. Nos termos do seu art. 16, IV, quando o contribuinte tiver interesse na realização de exames periciais, deve, além de requerê-los expressamente em sua peça impugnatória, formular os quesitos pertinentes e, na mesma oportunidade, indicar seu assistente técnico, com a respectiva qualificação e endereço. O pedido, portanto, há de ser específico, não bastando efetuar mera referência ao assunto, de maneira genérica: é preciso indicar, de modo pormenorizado, o elemento fático que se pretende ver examinado.

Efetuado o requerimento no tempo e forma legais, prescreve o art. 18 daquele diploma normativo que “a autoridade julgadora de primeira instância determinará, de ofício ou a requerimento do impugnante, a realização de diligências ou perícias, quando entendê-las necessárias, indeferindo as que considerar prescindíveis ou impraticáveis”. A partir de tal dispositivo, entendem alguns ser discricionário o poder de dispor sobre a realização ou não dessa espécie de diligência[1]. Há autores, como Aurélio Pitanga Seixas Filho[2], que chegam a afirmar que o exame pericial não é meio de prova, mas simples “meio de percepção, isto é, uma forma da autoridade aplicadora da lei tomar conhecimento, ou ter uma percepção, da realidade, através do parecer ou laudo, fornecido por um técnico, ou especialista na matéria fática em discussão”, não possuindo o contribuinte direito subjetivo à efetivação de perícia, devendo sujeitar-se ao que for decidido pela autoridade administrativa. Esse é o posicionamento, também, de Lutero Xavier Assunção[3], asseverando que “a autoridade preparadora pode indeferir o requerimento de diligências ou perícia, sem cometer cerceamento de defesa, semelhantemente ao juiz no processo civil, que pode indeferir as diligências inúteis ou meramente procrastinatórias (CPC, art. 130[4]) e a perícia desnecessária ou impraticável (CPC, art. 420, §1º)[5]”. Da própria justificativa exposta por esse autor, contudo, é possível chegar à conclusão diversa: o ato administrativo que defere ou indefere a realização de exame pericial é ato vinculado.

Discricionariedade, na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[6], consiste na “margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente”. Quando, diversamente, a expedição do ato não se opera dentro de campo susceptível de escolha, uma vez que a legislação predetermina seu teor caso atendidas as especificações por ela fixadas, tem-se o chamado ato administrativo vinculado[7].

Na situação ora examinada, o conceito de prescindibilidade e impraticabilidade são extremamente vagos, demandando certo grau de subjetividade. Isso não significa, todavia, que o ato decisório seja discricionário, pois toda interpretação, como construção de sentido que é, exige ato de valoração por parte do intérprete. Apenas no âmbito interpretativo, portanto, tem a autoridade julgadora liberdade de atuação: não se caracterizando o exame pericial como prescindível ou impraticável, é imperativo seu deferimento. Nesse sentido é também a disposição do art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 2015, nos termos do qual “O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias” (destaquei).

Por esse motivo, é nula a decisão administrativa que indefere pedido de exame pericial sem motivá-lo de forma apropriada, reconhecendo uma das hipóteses previstas na legislação[8].

Advém, então, a seguinte pergunta: que é perícia prescindível ou impraticável? Quando uma diligência apresenta-se como inútil ou protelatória?

A perícia mostra-se prescindível, inútil ou protelatória quando o fato que se pretende demonstrar com ela é irrelevante, por não interferir no desenvolvimento da relação jurídica. Tem-se caracterizada a prescindibilidade também na hipótese de o fato que se deseja comprovar já estar suficientemente demonstrado, advertindo Hugo de Brito Machado[9], porém, para a circunstância de que não se pode considerar prescindível exame pericial destinado a provar fato favorável ao contribuinte em razão de entender a autoridade julgadora pela existência de prova cabal em sentido contrário, prejudicial ao sujeito passivo.

Impraticável, por sua vez, é a perícia de impossível realização, quer por terem os vestígios desaparecido, por não existir técnica que permita identificar as peculiaridades fáticas que se pretende averiguar, ou pela ausência de determinação do objeto do exame pericial. A impraticabilidade não se confunde com a mera dificuldade de realização, motivo pelo qual esta não pode ser alegada em virtude de inexistir, nos quadros da Administração, pessoa habilitada para cumprir a tarefa, e, muito menos, em razão da falta de verba para o respectivo custeio.

Inocorrendo quaisquer dessas hipóteses, há de ser deferida a realização da perícia ou diligência pleiteada, cujo laudo assume grande relevância para fins de formação do convencimento do julgador. O Código Processual Civil de 2015, de aplicação subsidiária e supletiva aos processos administrativos tributários, estipula:

“Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.” (destaquei).

Com tais dizeres, veda que a autoridade julgadora desconsidere as conclusões postas em laudo pericial, pelo motivo de com elas não concordar. Trata-se de linguagem produzida por profissional especializado e habilitado para tanto, sendo considerada, por isso mesmo, apta para certificar os fatos cuja análise demanda conhecimento específico do perito.

Nessa linha de raciocínio, mesmo antes da expressa disposição do art. 373 do CPC/15, já concluía Paulo de Barros Carvalho[10], em atilado raciocínio lógico:

“Se, de outro modo, considerássemos que o magistrado tinha por indispensável o esclarecimento técnico para formar sua convicção e, sobrevindo o laudo pericial, decide não acatá-lo apontando sua insuficiência, deveria então, de ofício, determinar a realização de nova perícia, como prescrito no art. 437[11] do Código de Processo Civil, o que, como se observa nos autos, não ocorreu.”

Em suma, deferida e realizada a perícia, caso o julgador considere que o teor do referido laudo seja insuficiente, inidôneo ou inexato, não lhe cabe suprir tais deficiências, com carecer-lhe do respectivo conhecimento especializado. Há de, em tais hipóteses, determinar a realização de nova perícia ou diligência, objetivando que se esclareçam as contradições ou obscuridades constantes do primeiro laudo.

[1]. Diversas são as decisões do Conselho de Contribuintes (atual CARF) que chegam a conclusão semelhante, a exemplo da transcrita a seguir: “PERÍCIA. LIBERDADE DA AUTORIDADE JULGADORA. A autoridade julgadora administrativa é livre em seu consentimento para conceder ou denegar a feitura de prova pericial, desde que bem fundamentada sua decisão” (Ac. 201-70.153, Rel. Cons. Jorge Olmiro Lock Freire, DOU de 6-8-1996, p. 14711).
[2]. A prova pericial no processo administrativo tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.) Processo administrativo fiscal, v. 1, São Paulo: Dialética, 1997, p. 14.
[3]. Processo administrativo tributário federal, São Paulo: Edipro, 1998, p. 96.
[4] Art. 139, III, do Código de Processo Civil publicado em 2015.
[5] Art. 464, § 1º, do CPC/2015.
[6]. Curso de direito administrativo, 17. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 855.
[7]. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 8. ed., São Paulo: RT, 2004, p. 174.
[8]. “NORMAS PROCESSUAIS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NULIDADE. Manifestando-se o autuante após a impugnação, deve ser dada ciência dessa manifestação ao contribuinte, com abertura de prazo para sobre ela se manifestar, em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Da mesma forma, a falta de manifestação expressa e fundamentada do indeferimento de pedido de perícia formulado de acordo com as normas que o regem macula de nulidade a decisão. Processo que se anula a partir da manifestação fiscal posterior à impugnação, inclusive” (Antigo 1º Conselho de Contribuintes – atual CARF, Ac. 101-93294, Rel. Cons. Sandra Maria Faroni, j. 5-12-2000).
[9]. O devido processo legal administrativo tributário e o mandado de segurança, In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Processo administrativo fiscal, v. 1, São Paulo: Dialética, 1997, p. 84.
[10] Parecer inédito. São Paulo: 2013.
[11] Disposição do CPC/73: “Art. 437. O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida.” Atual art. 480 do CPC/15: “O juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida.”

por Fabiana Del Padre Tomé - Mestre e Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora da PUC/SP, nos níveis de especialização e mestrado. Assistente da Coordenação no Curso de Especialização em Direito Tributário da PUC/SP. Professora nos Cursos de Extensão e de Especialização do IBET. Advogada.

Fonte: IBET

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