quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Novo paradigma fiscalizatório

Nos anos recentes, as administrações tributárias obtiveram progressos em sensíveis temas fiscais. Despercebidamente, as administrações adaptam-se aos novos tempos, promovendo substanciais alterações estruturais e, simultaneamente, modificando a forma e o desempenho de suas atividades, principalmente ao incorporar ferramentas, práticas e processos muito poderosos em matéria de controle de cumprimento de obrigações tributárias.

Prevê-se que a relação entre a administração tributária e os contribuintes possa se tornar, no médio prazo, imperceptível, pois o conjunto de informações disponíveis ao Fisco torna-se a cada dia qualitativamente mais rico e quantitativamente mais amplo. A partir da rotineira e normal atividade econômica empreendida por pessoas físicas e jurídicas – tais como vendas, doações, permutas, investimentos financeiros e operações de prestação de garantias – obtém-se cotidianamente amplo rol de informações de interesse do Fisco, de maneira direta, tempestiva e transparente.

Ilustrativamente, mencionem-se o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), a ser administrado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), que reunirá informações, a partir do segundo semestre de 2017, sobre todos os imóveis urbanos e rurais do país, e os acordos de intercâmbio recíproco de informações tributárias entre administrações (Intergovernamental Agreements – IGA), a partir dos quais a RFB poderá melhor avaliar o nível de cumprimento das obrigações tributárias e aperfeiçoar procedimentos e instrumentos de detecção de ilícitos tributários e redesenhar, se necessário, a legislação tributária.

Parece lógico e jurídico que a administração deva preencher as declarações dos contribuintes

Têm-se ainda as declarações pré-preenchidas, que paulatinamente se consolidarão, na medida em que o rol de informações detidas pelo Fisco se ampliar. Essa forma de declarar, aplicada noutros países, limita a autodeterminação do contribuinte e, paulatinamente, transfere a apuração tributária à própria administração. Essa inovação não é negativa, haja vista a sensível redução dos altos custos suportados pelo contribuinte brasileiro (v.g., tempo despendido para preenchimento de declarações e resolução de intrincadas questões fiscais).

Além disso, as declarações pré-preenchidas podem minorar os custos de erros, tendo em vista que praticamos, por vezes, desacertos nas declarações fiscais, ao substituirmos indevidamente rubricas e números. Em caso de preenchimento errôneo, ficamos ainda suscetíveis a sanções administrativas. Parece, então, lógico e jurídico que a administração, possuindo previamente determinadas informações, deva preencher, antecipadamente e na maior medida possível, as declarações dos contribuintes nacionais.

Rápida pesquisa na internet revela milhões de resultados para a busca "como declarar meu Imposto de Renda?" Mas por que precisamos de profissionais especializados quando o próprio Fisco possui as informações que devem ser inseridas em nossas declarações? Essa modificação simplificaria o cumprimento de diversas obrigações tributárias e reduziria o ônus suportado pelo contribuinte, que apenas deve retificar ou complementar a declaração com os dados não informados preteritamente ao Fisco.

Essa pretensa simplificação inspira vários projetos ao redor do mundo. A Lei de Simplificação de Preenchimento Tributário (Tax Filing Simplification Act) permitirá aos contribuintes americanos acessarem informações já sob o domínio da administração tributária norte-americana (Internal Revenue Service – IRS). Em sua Exposição de Motivos, a senadora Elizabeth Warren afirmou que os americanos consomem aproximadamente 13 horas para preparar suas declarações de rendimentos e despendem cerca de US$ 200 em serviços prestados por empresas especializadas, principais responsáveis – verdadeira "indústria" da área tributária – por impedirem reformas de simplificação das obrigações tributárias.

No Brasil, a RFB disponibiliza aos contribuintes pessoa física a declaração anual de rendimentos pré-preenchida, desde que as fontes pagadoras tenham enviado informações sobre rendimentos pagos, operações imobiliárias e sobre prestação de serviços de saúde. Essa, porém, não é, ainda, a operação default da declaração anual de rendimentos.

Deve-se ressaltar que o amplo acesso a informações pela RFB, instituição republicana que possui o poder-dever de identificar, respeitados os direitos individuais, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes na sua missão institucional, é (e deve ser) aspecto rotineiro da sua atividade, sobretudo porque, de acordo com Adrian Vermeule, instituições são sistemas de administração de informações, para assim reduzir a incerteza na promoção de seus objetivos.

Portanto, a realização dos propósitos institucionais do Fisco perpassa invariavelmente pela agregação de informações. Disso decorre que o Fisco progressivamente se transforma em grande detentor de informações diretas e poderoso controlador do cumprimento de obrigações tributárias.

por Antonio Sepulveda, Igor de Lazari e Maíra Almeida são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – Letaci/PPGD/UFRJ e, respectivamente, professor e doutorando em direito/UERJ, mestrando em direito/UFRJ e professora e doutoranda em direito/UFRJ

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte : Valor

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