O Plenário iniciou o segundo julgamento de recurso extraordinário em que se discute, à luz do princípio da isonomia, a compatibilidade do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [“Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”] com a Constituição Federal/1988. O dispositivo, inserido no capítulo de proteção do trabalho da mulher, concede-lhe o referido intervalo com exclusividade. Além disso, como sanção pelo não atendimento da norma, há o pagamento, previsto em lei, de indenização com adicional de 50% pela empresa empregadora.
No mérito, o relator desproveu o recurso. Assentou que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela CF/1988 e, portanto, se aplica a todas as mulheres trabalhadoras.
Ressaltou, ainda, que a cláusula geral da igualdade consta expressamente em todas as constituições brasileiras, desde 1824. Entretanto, somente a partir da CF/1934, o tratamento igualitário entre homens e mulheres recebeu destaque.
Tal realidade jurídica, porém, não garantiu a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos. Por isso, a CF/1988 explicita, em três mandamentos, a garantia da igualdade: a) fixa a cláusula geral de igualdade, ao prescrever que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; b) estabelece cláusula específica de igualdade de gênero, ao declarar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; c) excepciona a possibilidade de tratamento diferenciado, que seria dado nos termos constitucionais.
Desse modo, situações expressas de tratamento desigual foram dispostas formalmente na própria Constituição, que utiliza critérios para a diferenciação, a exemplo dos artigos 7º, XX; e 40, § 1º, III, “a” e “b”. Primeiramente, a distinção considera a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impõe ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e legislativas de natureza protetora no direito do trabalho. Ainda de acordo com o texto constitucional, há componente biológico a justificar o tratamento diferenciado, haja vista a menor resistência física da mulher. Por fim, há a existência de componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no ambiente de trabalho.
No caso em tela, o dispositivo da CLT não retrata mecanismo de compensação histórica por discriminações socioculturais. Leva em conta os outros dois critérios: componentes biológico e social. Entretanto, os parâmetros constitucionais legitimam tratamento diferenciado desde que a norma instituidora amplie direitos fundamentais das mulheres e atenda ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças.
Sendo assim, o relator destacou que, ao se analisar o teor da norma discutida, é possível inferir que ela trata, proporcionalmente, de aspectos de evidente desigualdade, ao garantir à mulher período mínimo de descanso de quinze minutos antes da jornada extraordinária de trabalho.
Embora, com o tempo, tenha ocorrido a supressão de alguns dispositivos sobre a jornada de trabalho feminina na CLT, o legislador mantivera a regra do art. 384. O objetivo seria garantir proteção diferenciada à mulher, dada sua identidade biossocial peculiar.
Por sua vez, não existe fundamento sociológico ou comprovação por dados estatísticos a amparar a tese de que essa norma dificultaria ainda mais a inserção da mulher no mercado de trabalho. O discrímen não viola a universalidade dos direitos do homem. Afinal, o legislador vislumbrara a necessidade de maior proteção a um grupo de trabalhadores de forma justificada e proporcional. Inexiste, também, violação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, recepcionada pela Constituição, que proclama, inclusive, outros direitos específicos das mulheres: a) nas relações familiares, ao coibir a violência doméstica; b) no mercado de trabalho, ao proibir a discriminação e garantir proteção especial mediante incentivos específicos.
Além disso, o preceito atacado não viola o art. 7º, XXX, da CF/1988. Não há, no dispositivo, tratamento distinto quanto ao salário a ser pago a homens e mulheres, tampouco critérios diferenciados de admissão ou exercício de funções.
A norma não gera, no plano da eficácia, prejuízos ao mercado de trabalho feminino. O intervalo previsto só tem cabimento quando a trabalhadora labora ordinariamente com jornada superior ao limite permitido em lei por uma exigência do empregador. Adotar a tese da prejudicialidade faria inferir, também, que outros direitos, como salário-maternidade, licença-maternidade, prazo reduzido para aposentadoria, proibição de dispensa da trabalhadora por contrair matrimônio ou estar grávida e outros benefícios assistenciais e previdenciários existentes em favor das mulheres acabariam por desvalorizar a mão de obra feminina.
Concluiu-se que, no futuro, poderia haver efetivas e reais razões fáticas e políticas para a revogação da norma, ou mesmo para a ampliação do direito aos trabalhadores de ambos os sexos.
Por fim, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo.
RE 658.312 2º julg/SC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 14-9-2016.
Fonte: Informativo
STF 839
Nenhum comentário:
Postar um comentário