A história das Copas do Mundo ensina que receber o torneio aumenta as chances de vitória da seleção que joga em casa. Nas últimas edições, porém, esse retrospecto vem sendo contrariado - nas últimas três décadas, apenas a França, em 1998, festejou a conquista de um Mundial como país-sede. Outro benefício atribuído à realização de uma Copa é o impulso no crescimento econômico da nação que acolhe a festa. Esse efeito positivo, no entanto, também provoca controvérsia: para muitos economistas, o reforço no PIB no ano do Mundial acaba sendo pulverizado nos anos seguintes, quando os lucros colhidos com o evento desaparecem e sobram apenas as contas deixadas pelas obras monumentais exigidas pela Fifa. Existe, ainda, outro desdobramento comum de uma Copa em casa, algo que causa um impacto mais evidente e imediato, ainda que seja mais difícil de ser mensurado. Trata-se de uma injeção poderosa de confiança e orgulho nacional, que desperta na população um clima de euforia pela chance de desfilar o sucesso de seu país diante do resto do planeta. Depois do oceano de bandeiras tricolores que cobriu a Alemanha em 2006 e do rugido das vuvuzelas que uniu a África do Sul em 2010 (leia mais no quadro no fim do texto), a Copa do Mundo corre o risco de amargar seu anticlímax em 2014 - justamente num lugar fascinado pelo futebol e, segundo consta, especialista em fazer uma grande festa. Se depender das expectativas atuais da torcida, o Mundial do Brasil será uma estrepitosa decepção, talvez até um vexame internacional. Pouca gente se sente satisfeita com a Copa. Menos gente ainda está ansiosa para ver o maior evento esportivo do planeta acontecer em seu próprio país.
A pouco menos de três anos para o início do Mundial, o site de VEJA recorreu a seus leitores para medir a percepção da torcida sobre 2014. Numa pesquisa de opinião realizada entre os dias 20 e 25 de julho, 1.879 pessoas de todas as regiões do país responderam a doze perguntas a respeito da Copa. Os leitores foram consultados sobre os preparativos do país, sobre o papel do poder público no evento, sobre as sensações provocadas pela realização do torneio e, claro, sobre as chances da seleção brasileira. O cenário desenhado pelos resultados da sondagem é absolutamente desastroso. Em todas as doze questões propostas, a opinião majoritária sempre foi negativa. Ainda mais alarmante para a Fifa, a CBF e o governo - os responsáveis pela escolha do país como sede, pela organização da Copa e pela realização das principais obras - é a dimensão desse pessimismo. Em nenhuma questão incluída na pesquisa há equilíbrio entre as respostas positivas e negativas. As piores opções possíveis foram assinaladas por uma sólida maioria dos participantes da sondagem. As amplas margens que separam os porcentuais favoráveis e desfavoráveis do levantamento não deixam dúvidas: hoje, a Copa do Mundo de 2014 não empolga nem cativa o torcedor, desperta temores sobre a imagem do brasileiro no exterior e provoca insatisfação por causa do gasto excessivo e pouco inteligente de dinheiro público nas obras. A 34 meses da abertura, marcada para 12 de junho, no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, ainda há tempo de sobra para que essas opiniões se amenizem - principalmente se as obras enfim começarem a avançar de verdade. É de se esperar, aliás, que o brasileiro se anime um pouco mais quando o clima da Copa começar a ser sentido. Até agora, entretanto, o Mundial é um fiasco, conforme revelam os números detalhados a seguir.
► Um dos principais argumentos dos defensores dos benefícios da realização da Copa do Mundo no Brasil é a oportunidade rara de mostrar as virtudes do país ao resto do mundo. Em alta no cenário econômico e com relevância crescente na comunidade internacional, o Brasil poderia aproveitar o Mundial para se reinventar diante das outras nações, deixando para trás sua velha imagem do país de um futuro que nunca chega. Para 78% dos participantes da pesquisa, porém, os torcedores que virão ao país em 2014 voltarão para casa com uma percepção ruim do Brasil. Só duas entre cada dez pessoas acreditam que a imagem geral da Copa do Mundo será positiva.
► Os Mundiais de futebol costumam causar associações positivas na cabeça dos torcedores - mesmo quando sua seleção não é a campeã. Palavras como "vitória", "festa" e "sucesso", por exemplo, são frequentemente relacionadas com a experiência de participar de uma Copa. Conforme os leitores, no entanto, há outros termos - muito mais negativos - que se encaixam melhor no contexto da Copa de 2014. Entre as seis palavras propostas pela pesquisa, três eram negativas e três, positivas. A campeã disparada foi talvez a mais forte e grave opção apresentada. Com a convicção geral de que haverá desvio de dinheiro público, superfaturamento de obras, troca de favores entre os envolvidos na organização e desperdício de recursos, o termo "corrupção" foi citado por sete entre cada dez pessoas para definir a Copa do Mundo no Brasil. Talvez por isso mesmo, o segundo termo mais citado é outro que carrega sentido muito negativo. "Decepção", para 12% dos participantes da pesquisa, é a palavra do Mundial. Provavelmente uma referência a tudo aquilo que o brasileiro esperaria de uma Copa em casa - como "festa" (o termo citado por 7%), "sucesso" (3%) e "vitória" (apenas 2%).
► Foi a primeira promessa quebrada da Copa do Mundo no Brasil: quando o país foi escolhido para sediar o torneio, o governo e a CBF tentaram contornar as críticas pelo altíssimo gasto necessário para fazer um Mundial dizendo que, aqui, todas as obras nos estádios seriam realizadas pela iniciativa privada ou através de parcerias com o poder público. Logo ficou bem claro, no entanto, que isso seria impossível. E começou o festival da gastança de verbas públicas na construção e na reforma dos palcos da Copa. Esse expediente, porém, só ganha a aprovação de 15% dos participantes da pesquisa. Os outros 85% são contra gastar dinheiro público em campos de futebol. A reprovação é ainda maior quando se trata de despejar altas quantias de dinheiro - público ou não - para construir novos estádios em cidades que já têm algum grande palco para jogos de futebol. É o que vai acontecer em São Paulo, por exemplo - o Estádio do Morumbi, tradicionalíssimo palco do futebol brasileiro, poderia ser reformado, mas foi preterido para que o Corinthians recebesse dinheiro público para construir um novo estádio, cujo valor final pode ficar na casa dos 800 milhões de reais. Recife é outro exemplo de cidade que já tem estádio mas ganhará um novo campo só por causa da Copa. Como os investimentos parecem estar concentrados nos estádios, a população desconfia de que pouco sobrará da Copa como real benefício para seu dia-a-dia. Um terço dos participantes da pesquisa acredita que haverá um legado positivo para o país, sem contar os campos de futebol. Os outros dois terços acham que não existirá avanço na infraestrutura, segurança e outros aspectos que poderiam ser beneficiados pela Copa.
► Além da corrupção e do gasto desnecessário de dinheiro público, outra grande preocupação do torcedor desde que a Fifa anunciou que a Copa aconteceria no Brasil é o risco de que as obras prometidas para 2014 não fiquem prontas a tempo. E os últimos meses ajudaram a consolidar esse temor: a própria Fifa manifestou publicamente sua irritação com a demora no início das obras em vários estádios. Os notórios atrasos no começo das reformas e construções tornaram-se a grande dor de cabeça dos organizadores da Copa. Hoje, só 12% dos participantes da pesquisa proposta pelo site de VEJA acham que tudo o que foi prometido ficará pronto em 2014. Para os outros 88%, a Copa começará com obras inacabadas ou improvisadas. E a culpa, para a grande maioria, será do próprio poder público. Para 79%, um possível fracasso do Mundial no Brasil deverá ser atribuído ao governo federal. A CBF organizou a candidatura da Copa e comanda o Comitê Organizador Local, mas é apontada como responsável por um eventual fiasco por apenas 14%. A Fifa, que entregou ao Brasil a chance de sediar a Copa e agora faz intermináveis cobranças ao país, seria a culpada de acordo com 4% dos leitores.
► Apesar da situação alarmante dos estádios projetados para o Mundial - dos doze, só quatro estão dentro do prazo, e outros três estão muito atrasados -, esse não é o principal foco de preocupação dos torcedores no caminho até 2014. Acostumados com uma rotina de atrasos e apertos nos aeroportos, eles apontaram a aviação civil como setor que mais provoca temores no momento. Entre as quatro opções apresentadas na pesquisa, os aeroportos foram apontados pela metade das pessoas como o grande problema do país a três anos do evento. Das doze sedes, oito têm aeroportos que operam acima de sua capacidade ideal. A conclusão das obras em boa parte deles tem prazos perigosamente próximos da época da Copa - em sete aeroportos, há o risco real de que o ano de 2014 comece com os terminais ainda em reforma ou construção. A segunda opção mais votada pelos leitores também tem ligação direta com o cotidiano das pessoas: as falhas do transporte urbano são vistas como principal problema por 29% dos participantes da pesquisa. Os estádios são apontados como o ponto crítico dos preparativos para 2014 por 18% dos participantes da pesquisa. O quesito rede hoteleira é motivo de preocupação para apenas 1%.
► Quando se trata de um país absolutamente fascinado por tudo o que se refere a futebol, era de se esperar que a volta da Copa do Mundo depois de mais de seis décadas provocasse uma enorme euforia entre os torcedores. Além da chance de ver sua seleção tentar o hexa jogando em casa, o Brasil receberá as maiores equipes do planeta, assistirá a grandes clássicos e acolherá torcedores de todas as partes do mundo. Esse cenário, entretanto, só empolga uma entre cada quatro pessoas. Para os outros três quartos, a realização da Copa no Brasil não provoca qualquer ansiedade. Da mesma forma, a chegada da maior festa do futebol ao país provoca algum tipo de sensação positiva em apenas 27% dos leitores que responderam à pesquisa. Os outros 73% afirmam que não estão satisfeitos com o fato de o país receber a Copa.
► O ceticismo sobre a competência das autoridades na tarefa de organizar uma Copa do Mundo já era de se prever. Igualmente esperadas - talvez não com doses tão elevadas de pessimismo - eram as dúvidas em torno do sucesso da empreitada brasileira em 2014. Mas pelo menos no quesito bola rolando era razoável projetar uma resposta mais confiante dos participantes da pesquisa. A expectativa da torcida, porém, é terrível também no âmbito esportivo. Apesar de ser a grande favorita a erguer o inédito sexto título mundial, a seleção brasileira, por enquanto, não convence. O time vai jogar com o apoio das arquibancadas e conta com uma geração talentosa, formada por atletas capazes de desequilibrar qualquer partida. Ainda assim, só 17% apostam no triunfo brasileiro na finalíssima, marcada para 13 de julho de 2014, no Maracanã, no Rio de Janeiro. Para os outros 83%, o estádio reconstruído a um custo de 1 bilhão de reais servirá de palco para a festa de alguma outra seleção.
► As duas Copas que precedem o Mundial do Brasil foram muito diferentes entre si. A de 2006, na Alemanha, aconteceu dentro de um contexto muito mais favorável, num país com estádios modernos e confortáveis, infraestrutura impecável e tradição na realização de grandes competições esportivas. A de 2010, na África do Sul, teve uma organização muito mais complicada. Só havia dois estádios próximos do grau de exigência da Fifa - todos os outros foram construídos do zero ou totalmente remodelados. Também faltavam a experiência em sediar eventos desse porte e um sistema de transporte capaz de aguentar a demanda de uma Copa. Os dois Mundiais foram bem sucedidos - cada um à sua maneira, dentro de suas possibilidades. Para os participantes da pesquisa do site de VEJA, o Brasil não fará um trabalho tão bom quanto alemães e sul-africanos. Só 7% dizem que a Copa de 2014 será melhor que a de 2006. Para 85%, nosso Mundial será pior que o dos alemães. Na comparação com os sul-africanos, a desvantagem é menor, mas ainda assim ficamos atrás. Só 14% acham que o Brasil fará uma Copa melhor do que a última. Para pouco mais da metade, ela será pior que a de 2010.
Fonte: Revista Veja