O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), composto por todos os Secretários de Fazenda dos Estados e Distrito Federal, tem a importante missão de elaborar e promover políticas de harmonização de procedimentos e normas relacionadas à tributação. E certamente tem procurado cumprir esse difícil papel, inserido no complexo cenário de 27 interesses diversos, muitas vezes antagônicos.
Sem dúvida, o maior dos desafios tem sido buscar alguma solução para a chamada “guerra fiscal” ou, ao menos, medidas que possam atenuá-la. Isso, diante da inércia do Poder Legislativo em aprovar alguma reforma tributária que solucione a questão.
Vale lembrar que a regra em vigor, que veda a “guerra fiscal”, foi estabelecida pela Lei Complementar 24, de 1975, recepcionada pelo Constituição de 1988. Segundo a norma, a concessão de incentivos fiscais está condicionada à votação unânime de todos os integrantes do Confaz.
No início de maio, foi publicado o Convênio ICMS 42/2016, trazendo consigo condições para fruição de incentivos e benefícios fiscais.
Tal convênio autoriza os Estados e o Distrito Federal a condicionarem o uso de benefícios e incentivos fiscais, financeiro-fiscais ou financeiros, ao depósito de, ao menos, 10% do valor do incentivo ou benefício obtido pelos contribuintes. Esses depósitos deverão ser realizados mensalmente em um fundo de equilíbrio fiscal, a ser instituído e regulamentado por cada unidade federada.
Alternativamente à realização de depósito, as unidades fazendárias da Federação poderão optar pela redução de, no mínimo, 10% do respectivo incentivo ou benefício concedido.
Diversos princípios constitucionais serão violados caso sejam aplicadas as condições impostas pelo Convênio ICMS 42/2016, dentre os quais, o direito adquirido, a segurança jurídica, a lealdade e a boa-fé objetiva da administração.
Além disso, o artigo 167 da Constituição Federal veda expressamente a vinculação de receita de imposto a fundo de equilíbrio fiscal, o que reforça a inconstitucionalidade do depósito previsto no Convênio ICMS 42/2016. Mas a inconstitucionalidade do Convênio 42/2016, apesar de extremamente relevante, não é o foco central aqui.
Notem que temos um Convênio ICMS aprovado por unanimidade pelo Confaz, autorizando os Estados e o Distrito Federal a condicionarem a fruição de incentivos à realização de depósito ou à redução do benefício. Cumprida tal condição, os beneficiários poderão usufruir normalmente dos incentivos, de forma legítima e válida.
Ocorre que, grande parte – senão quase a totalidade – dos benefícios e incentivos fiscais, financeiro-fiscais ou financeiros foram (e ainda são) concedidos pelos Estados e Distrito Federal ao largo do que determina a Lei Complementar 24/75. Portanto, a par de inconstitucional, o novo Convênio ICMS 42/2016 terá alcance restrito, salvo se vier a ser aplicado a quaisquer incentivos ofertados pelos entes da Federação. Todavia, aí surge um paradoxo.
O Confaz, ao editar o Convênio ICMS 42/2016, criou norma pouco aplicável (a par de sua patente inconstitucionalidade) ou criou condicionante pretensamente aplicável a qualquer incentivo fiscal/financeiro, o que resulta na convalidação de dezenas de programas de incentivos concedidos justamente no exercício da “guerra fiscal”, que tanto busca solucionar.
Assim, deve-se considerar que as condições impostas pelo novo Convênio afetarão apenas os benefícios e incentivos fiscais reconhecidos pelo Confaz, já que o contrário possibilitaria aos contribuintes assumirem que o conselho estaria convalidando incentivos ou benefícios fiscais de ICMS concedidos unilateralmente pelos entes federativos.
Destaque-se que vários Estados, como Rio de Janeiro, Alagoas, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, já manifestaram interesse em aderir ao Convênio ICMS 42/2016. Resta saber em quais termos e sobre quais incentivos será aplicado.
É fundamental, portanto, que os contribuintes acompanhem com cautela a recepção das regras do Convênio ICMS 42/2016 em seus Estados, pois podem ter a fruição de incentivos condicionados a depósito ou a reduções constitucionalmente questionáveis. Por outro lado, de certa forma e paradoxalmente, serão validados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária.
Por Fernando Gomes de Souza Ayres - Sócio do escritório Souto Correa Advogados
Fonte: Jota
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