quinta-feira, 23 de junho de 2016

Um contraponto à Lei de Repatriação

Alguns profissionais da área financeira e do direito têm ocupado estas páginas para defender e estimular a adoção da anistia.

Assim o fazem alegando as vantagens de passar a ter o nome limpo, isento de riscos criminais, e uma alíquota aparentemente vantajosa de Imposto de Renda (IR) para os rendimentos externos omitidos das autoridades fiscais.

Temos uma visão um pouco diferente e aqui pretendemos justificá-la.

Contribuintes que detenham empresas tributadas pelo ICMS/ISS e usufruam da anistia não estão livres de autuações

Hoje não só é inconveniente aderir, como talvez seja até desaconselhável.

Voltemos os olhos ao passado e veremos que no governo Sarney foi adotada essa mesma anistia, com alíquotas muito mais generosas, de 1,5% e 3%, só utilizada por aqueles que acreditavam não sofrerem represálias posteriores.

À época, várias empresas foram autuadas pelo IPI, ICMS e IR sob o pressuposto de que a omissão de recursos de seus sócios pessoas físicas só poderiam ter-se originado das suas empresas.

Desta feita houve um certo cuidado da lei em proteger o empresário dos tributos federais incidentes.

Porém, alguns procuradores estaduais e municipais já se posicionaram pela total ilegalidade da lei federal de anistia, que lhes nega acesso às informações sigilosas dos contribuintes.

De fato, isso é totalmente ilegal!

Somente os entes interessados, Estados e municípios, poderiam abrir mão dos tributos devidos e anistiar os contribuintes.

A União não pode deles "esconder" esses dados, por meio de uma anistia mal feita, pretendendo dar esmola com o chapéu alheio.

Isso significa que contribuintes que detenham empresas tributadas pelo ICMS/ISS e usufruam da anistia federal não estão livres de serem autuados se Estados e municípios tiverem acesso aos dados declarados à Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), com poucas chances de sucesso, porque autodenunciaram toda sua marginalidade financeira-fiscal.

O intuito da lei é meramente arrecadatório, não é educativo.

Pergunta-se: os empresários que acumularam esses recursos no exterior sem os declarar passarão a informar e tributar doravante todos os futuros rendimentos?

Quem acredita nisso?

Com a brutal carga fiscal atual, acrescida de projeto de lei que visa atacar os lucros distribuídos, quem vai se aventurar a voltar à formalidade do exterior?

Quem aufere sistematicamente rendimentos externos age como aquele contribuinte que sonega no Brasil e sempre espera um Refis.

Doravante os aderentes vão esperar novas anistias, porque no Brasil uma facilitação fiscal vem sempre atrás da outra, motivadas para melhorar a precária arrecadação.

Ademais, a anistia criminal só vale para os ativos existentes até 31.12.14.

Os rendimentos posteriores, além de deverem ser declarados em seguida, expõem o contribuinte a um processo criminal.

Há um total desencontro entre opiniões sobre a lei no que se refere a bens e saldos anteriormente possuídos e consumidos ou baixados.

A rigor, a lei exige que eles sejam declarados, mas ninguém está disposto a pagar por aquilo que não possui mais, principalmente se consumiu.

Basta imaginar um alto saldo bancário que foi zerado até 31 de dezembro de 2014, e que deveria ser declarado e tributado.

Quem vai querer pagar 30% por algo de que não possui mais? A posição da SRFB exigindo a tributação pelo maior saldo jogou agua fria na anistia.

Reivindica que sejam declarados valores possuídos há dez anos!!! Inclusive os prescritos!

No caso dos trustes criou-se uma situação inexequível: se o beneficiário declara o tributo, não está se anistiando porque não cometeu nenhum crime e tampouco é ainda o titular do bem, donde não ter titularidade jurídica para tanto; e o settlor também não pode fazê-lo, porque abriu mão dos bens em favor dos beneficiários, quando de sua futura morte.

Em terceiro lugar, um partido político entrou com Adin contra a lei: se antes de outubro o processo não for julgado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), haverá uma imensa insegurança jurídica, porque se ela for considerada inconstitucional (particularmente no aspecto da alíquota progressiva) os adesistas poderão até pedir de volta o tributo pago indevidamente, mas terão se exposto ao crime confesso e à autuação fiscal, federal, estadual e/ou municipal.

Por essas principais razões somos de opinião que os contribuintes não devem aderir à anistia, buscando soluções jurídicas alternativas legais existentes e testadas com sucesso.

Essas opções não só estancam o crime continuado, como permitem manter a oficialidade dos novos recursos, porquanto a carga fiscal para seu eventual futuro retorno é muito menor daquela cobrada internamente.

Por último, a pressão emocional e quase terrorista de banqueiros e outros profissionais para aderir à anistia, sob o pressuposto da aplicação da futura Convenção Multilateral de Troca de Informações, não tem confirmação no mundo real.

Essa convenção não permitirá, num exemplo básico, que a SRFB pergunte ao Fisco de determinado país signatário "se X tem algum dinheiro ou offshore" nesse local.

Será preciso fazer uma consulta pormenorizada, e para isso o Fisco daqui terá que obter previamente essa informação (ex.: favor confirmar se X tem mesmo um saldo no banco Y, ou uma offshore nesse país).

E a resposta dependerá do custo administrativo do Fisco destinatário, que poderá recusá-la, porquanto não terá nenhum benefício em responder, quando há mínimas chances deste necessitar de reciprocidade (qual residente fiscal em BVI tem dinheiro oculto no Brasil?).

Quanto aos EUA, eles ressalvaram que sua legislação interna de proteção do sigilo bancário e fiscal tem preferência sobre os tratados, e os pedidos de informações vindos dos Fiscos de outros países serão submetidos a essas regras (por ex., quem declara o W8 como não residente não terá seu sigilo quebrado, porque não é contribuinte nos EUA).

Quanto à divulgação de offshores espontaneamente pelos países onde estão sediadas será ingênuo supor que aqueles cuja economia depende desse segmento financeiro o façam sem longas e negociadas resistências.

por Plinio J. Marafon é advogado e sócio de Marafon e Fragoso Advogados e Consultores

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte : Valor

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