terça-feira, 31 de março de 2015

31/03 Conselheiros afirmam que assédio é comum no órgão

A notícia da Operação Zelotes da Polícia Federal, aberta para investigar a venda de votos e decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), surpreendeu conselheiros do órgão e mudou a rotina daqueles que participariam de julgamentos ontem. As sessões que ocorreriam nesta quinta-feira foram suspensas. Mas, segundo o Ministério da Fazenda, o conselho continuará a funcionar normalmente nos próximos dias e, se necessário, serão convocados conselheiros suplentes.

Ontem cedo, após a divulgação da operação, conselheiros passaram a trocar mensagens por meio de grupos do Whatsapp com impressões do episódio. A primeira delas, de perplexidade, foi seguida pelo temor de esvaziamento do órgão e pressão do Poder Executivo nos próximos julgamentos, principalmente naqueles que envolvem valores bilionários, o que é comum. Outra ponderação seria a de que, se houver corrupção entre alguns membros do órgão, que sejam punidos.

Um dos conselheiros ouvidos pelo Valor, que prefere manter o anonimato, afirmou que existe um assédio grande aos conselheiros pelas partes envolvidas em grandes processos e que, com certeza, existe tráfico de influência dentro do órgão. Ele ressalta, porém, que há muita gente séria que vota pró-contribuinte, mas também a favor do Fisco, de acordo com suas convicções técnicas.

Um outro conselheiro do Carf, que também prefere não se identificar, afirma que, de fato, dois clientes dele já receberam ligações de pessoas com acesso ao sistema do conselho – o que só é possível aos conselheiros – dizendo poder evitar uma derrota no órgão por terem “amigos” lá.

Alguns desses julgadores estão preocupados com a possibilidade de o Carf ficar enfraquecido após essa operação. “Ninguém ganha um julgamento no conselho sem debate e sem provar que tem direito”, afirma outro conselheiro que também prefere o anonimato. “O perigo é essa ser mais uma medida arrecadatória do governo e o Carf se tornar um mero carimbador de auto de infração”, diz.

Para o conselheiro, a operação pode ser intimidadora, principalmente para aqueles representantes do Fisco. “Como um conselheiro desse vai dar um voto de qualidade [desempate] a favor do contribuinte agora?”

O conselheiro representante dos contribuintes Sérgio Presta, do escritório Azevedo Rios, Berger, Camargo & Presta Advogados, acredita que o impacto da operação será positivo. “Será bom para expurgar os servidores e advogados envolvidos nesse tipo de prática”, afirma. Mas ao receber uma lista com os nomes de sete conselheiros ou ex-conselheiros que estariam sendo investigados, ficou surpreso.

Presta afirma que a Receita Federal está mais criteriosa e os servidores que atuam como conselheiros no Carf são mais duros nos julgamentos, mas não acredita que a Operação Zelotes seja meramente arrecadatória. “Soubemos que as investigações constataram que alguns conselheiros têm um alto padrão de vida, incompatível com o quanto recebem”, afirma.

Sobre a possibilidade de alguns julgamentos serem revistos, Presta diz que “se os indícios de irregularidade forem claramente comprovados, não há problemas”. Segundo o Ministério da Fazenda, a revisão dos processos pode ocorrer e tem como base a Lei nº 9.784, de 1999, que diz que “a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”. Há ainda a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem redação semelhante.

A opinião, porém, não é compartilhada e há conselheiros e advogados que temem o “perigo” de as decisões do Carf serem revisadas ou anuladas. Um dos conselheiros não identificados acredita que isso não justificaria a revisão ou anulação de decisões do conselho, que são proferidas por colegiados. “O STJ já decidiu que decisões do Carf não podem ser anuladas”, afirma.

Segundo esse mesmo conselheiro, a Operação Zelotes nasceu de uma denúncia relacionada a um ex-conselheiro, que teria promovido tráfico de influência em relação a um caso bilionário de ágio.

Atualmente, segundo advogados que atuam no órgão, é cada vez mais difícil para os contribuintes vencerem uma disputa no Carf. Segundo relatório da Receita Federal, do total de autuações efetuadas em 2010 e julgadas até o fim de 2014, 95,8% foram mantidas no conselho.

O advogado Paulo Sigaud, tributarista do escritório Mattos, Muriel e Kestener, afirma que atualmente há uma pressão legítima do Executivo para acelerar os julgamentos do Carf e sensibilizar conselheiros sobre a necessidade de caixa do governo. Ele lembra que estava previsto para ser julgado, dia 8 de abril, um processo da Gerdau, sobre ágio. O valor discutido é de cerca de R$ 1 bilhão.

Por Laura Ignacio e Zínia Baeta | Valor Econômico

Fonte: Bugelli

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