quarta-feira, 25 de março de 2015

25/03 Entrevista: Idésio Coelho, presidente do Ibracon - Instituto dos Auditores Independentes do Brasil

A Diretoria Nacional do Ibracon passou a ser presidida, em janeiro de 2015, por Idésio da Silva Coelho Júnior. Colaborador ativo do Conselho Federal de Contabilidade em vários grupos técnicos, o contador e auditor certificado tem, entre suas metas de gestão, o propósito de atuar pelo reconhecimento do trabalho do auditor independente como fundamental para a disseminação de boas práticas corporativas.

O auditor independente, segundo Idésio Coelho, tem como principal atribuição aumentar a credibilidade das demonstrações contábeis de uma entidade, considerando-se o ambiente regulatório nacional e internacional e as melhores práticas contábeis. “Em termos técnicos, o auditor independente faz uma ‘asseguração razoável’ (e não absoluta) das demonstrações contábeis”, afirma o novo presidente do Ibracon. Sócio de Auditoria e líder de Práticas Profissionais da EY Brasil, Idésio Coelho defende a ampliação do Programa de Educação Profissional Continuada (PEPC) para outros segmentos da profissão, além dos auditores. Segundo ele, essa medida é necessária porque a área tem passado por um aumento no rigor e na complexidade regulatória, o que vem exigindo maior qualificação dos profissionais da contabilidade.

O PEPC é regulamentado pela Norma Brasileira de Contabilidade NBC PG 12, de 21 de novembro de 2014 – essa NBC revogou a norma anterior, NBC PA 12, de 17 de dezembro de 2013. Pela atual regulamentação do Programa, a Educação Profissional Continuada foi ampliada e passou a ser obrigatória também para os profissionais da contabilidade que exercem atividades de auditoria independente nas demais entidades, além das reguladas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pelo Banco Central do Brasil (BCB) e pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), como sócios, responsáveis técnicos ou em cargo de direção ou gerência técnica em firmas de auditoria; e, também, para aqueles, profissionais que sejam responsáveis técnicos pelas demonstrações contábeis ou que exerçam funções de gerência ou chefia na área contábil das empresas sujeitas à contratação de auditoria independente pela CVM, pelo BCB e pela Susep, ou consideradas de grande porte nos termos da Lei n.º 11.638/07.

Para informações completas sobre a NBC PG 12, acesse o site www.cfc.org.br/legislação. 

Na entrevista a seguir, Idésio Coelho expõe suas metas, comenta sobre as atribuições e responsabilidades dos auditores, opina sobre notas explicativas e sobre o cumprimento das normas de ética profissional, além de abordar vários outros temas.

RBC - O sr. assumiu, no dia 2 de janeiro, a presidência da Diretoria Nacional do Ibracon para o mandato 2015-2017. Quais são as principais metas de sua gestão? 

Idésio Coelho – Nossa gestão tem a missão de dar continuidade ao planejamento estratégico traçado pelo Conselho de Administração do Ibracon, que, desde 2009, define o foco de atuação do Instituto. Estamos falando de avançar nas bem-sucedidas ações iniciadas na gestão anterior, como o aumento da base de associados, a divulgação da limitação de responsabilidade do auditor independente, o apoio à educação continuada e às firmas de auditoria de pequeno e médio portes. O fortalecimento político-institucional da entidade é outro ponto de atenção e desdobra-se em ações, como a participação na discussão e a adoção consistente das normas internacionais de contabilidade (IFRS), o diálogo com órgãos reguladores (CVM, BCB e Susep) e com setores específicos da economia, Ministério Público e outros poderes constituídos. Outra frente é a atuação conjunta com o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), os Conselhos Regionais de Contabilidade (CRCs) e as demais entidades representativas do setor, em favor da valorização do profissional da contabilidade e do reconhecimento o trabalho do auditor independente como fundamental para a disseminação de boas práticas corporativas, que contribuem para o aprimoramento dos processos e controles das companhias reguladas e não reguladas e para o ambiente de negócios no País, o que reverterá em benefícios para o conjunto da sociedade. Cremos que juntos podemos fazer diferença para o Brasil.

RBC - Quais são as principais atribuições dos auditores independentes? Os profissionais da área têm a responsabilidade de detectar fraudes nas empresas que auditam? 

Idésio Coelho – O auditor independente tem como principal atribuição aumentar a credibilidade das demonstrações contábeis de uma entidade à luz do ambiente regulatório nacional, das normas brasileiras e internacionais de auditoria e das melhores práticas contábeis, que são as mesmas aqui e no exterior. Os controles e processos da entidade são responsabilidade de sua administração e, normalmente, o auditor não opina sobre eles. No planejamento e na execução da auditoria, a possibilidade de haver distorções nas demonstrações, seja por fraude ou por erro, é considerada, mas não gera procedimentos investigativos específicos de fraude. Trabalhando por amostragem, já que seria impraticável examinar cada transação de uma entidade, ele realiza testes, examinando contratos, cotejando preços, questionando situações atípicas, buscando confirmações externas e analisando a razoabilidade de determinados valores e transações. Em termos técnicos, o auditor independente faz uma “asseguração razoável” (e não absoluta) das demonstrações contábeis. Nesse processo, embora se considere o potencial de fraude, isso não constitui alvo da auditoria independente, logo, ele não tem responsabilidade por detectar fraude no contexto da auditoria das demonstrações contábeis.

RBC - Não são raros os casos em que os Tribunais, em processos de fraudes financeiras, condenem também os auditores independentes, com o fundamento de que o trabalho de auditoria deveria ter detectado e relatado os erros ou fraudes cometidos pelas empresas antes que o dano fosse consumado. O que o Ibracon está fazendo no sentido de preservar a atuação profissional nesses casos?

Idésio Coelho – Na verdade, é raro o auditor independente ser envolvido em posição de solidariedade nesses processos, já que as limitações e responsabilidades do auditor independente são, normalmente, conhecidas dos órgãos reguladores nacionais e internacionais. De qualquer modo, o Ibracon tem como prioridade o fortalecimento do diálogo com órgãos reguladores, Ministério Público, imprensa e diferentes setores da economia e do meio acadêmico, a fim de conscientizar sobre o alcance e limitações do trabalho do auditor e também para destacar a importância de sua contribuição para o aumento da transparência na prestação de contas das empresas auditadas.

RBC - O CFC e o Ibracon trabalharam, juntamente com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e com órgãos normativos, com a finalidade de aperfeiçoar o processo de divulgação financeira por meio da melhoria das notas explicativas. No final de 2014, foi editada a Orientação Técnica OCPC 07 – Evidenciação na Divulgação dos Relatórios Contábil- -Financeiros de Propósito Geral, que dispõe sobre a evidenciação das informações próprias das demonstrações anuais e intermediárias, em especial das contidas nas notas explicativas. Uma vez que havia críticas no mercado de que as notas explicativas eram excessivas, como o sr. avalia, hoje, a qualidade e a quantidade das notas explicativas?

Idésio Coelho – Todos, no Brasil e internacionalmente, reconhecem que o volume das notas explicativas atingiu um patamar indesejável. A quantidade das informações prejudica o objetivo maior das  demonstrações contábeis, que é informar os aspectos relevantes da posição patrimonial e financeira de uma entidade e suas operações. A informação relevante está ficando “perdida” no meio de tantas informações não relevantes. As críticas, de fato, fazem sentido, uma vez que o excesso pode comprometer a qualidade da informação. A OCPC 7, que objetiva melhorar a qualidade da informação e, não, simplesmente reduzir a quantidade das notas explicativas, dá início a um processo que pode levar alguns anos para atingir os objetivos pretendidos. 

RBC - O código de ética completo para auditores, na forma emitida pela Federação Internacional de Contadores (Ifac), foi implantado no Brasil em 2014. Qual a realidade brasileira, hoje, em relação ao cumprimento das normas de ética profissional pelos auditores independentes?

Idésio Coelho – De forma geral, os conceitos de ética e independência são bem entendidos pelos auditores independentes. No dia a dia, verificamos que os auditores pautam seus trabalhos pela observância de elevados princípios éticos e de independência, refletidos também na atuação do nosso Instituto.

Educação Profissional Continuada. A quem se aplica?

De acordo com a Norma Brasileira de Contabilidade NBC PG 12, que dispõe sobre Educação Profissional Continuada (EPC) – publicada no Diário Oficial da União no dia 8 de dezembro de 2014 –, a EPC é obrigatória para todos os profissionais da contabilidade que: (a) estejam inscritos no Cadastro Nacional de Auditores Independentes (CNAI), exercendo, ou não, a atividade de auditoria independente; (b) estejam registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), inclusive sócios, exercendo, ou não, atividade de auditoria independente, responsáveis técnicos e demais profissionais que exerçam cargos de direção ou gerência técnica, nas firmas de auditoria registradas na CVM; (c) exercem atividades de auditoria independente nas instituições financeiras e nas demais entidades autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (BCB); (d) exercem atividades de auditoria independente nas sociedades seguradoras, resseguradoras, de capitalização e nas entidades abertas de previdência complementar reguladas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep); (e) exercem atividades de auditoria independente de entidades não mencionadas nas alíneas (b), (c) e (d) como sócios, responsáveis técnicos ou em cargo de direção ou gerência técnica de firmas de auditoria; (f) que sejam responsáveis técnicos pelas demonstrações contábeis, ou que exerçam funções de gerência/ chefia na área contábil das empresas sujeitas à contratação de auditoria independente pela (CVM), pelo (BCB), pela (SUSEP) ou consideradas de grande porte nos termos da Lei n.º 11.638/07 (sociedades de grande porte).

RBC - A Norma Brasileira de Contabilidade NBC PG 12, de 21 de novembro de 2014, ampliou a Educação Profissional Continuada aos contadores de entidades reguladas (CVM, Banco Central e Susep), incluindo os profissionais técnicos que elaboram as demonstrações contábeis. Como até 2014 a Educação Continuada era exigida somente dos auditores independentes, em que medida a extensão da Educação Profissional Continuada aos preparadores vai melhorar a qualidade das demonstrações contábeis?

Idésio Coelho – Temos vivido um aumento no rigor e na complexidade do ambiente regulatório, tanto no Brasil quanto no exterior, o que exige maior qualificação dos profissionais da contabilidade, que são peças- -chave na difusão das boas práticas e na melhoria do ambiente de negócios. Nesse sentido, acreditamos que a ampliação da educação continuada para outros segmentos da profissão, tornando obrigatório seu cumprimento por todos os profissionais que exercem atividades de auditoria independente, bem como pelos responsáveis pelas demonstrações contábeis, trará não somente um aprimoramento do currículo dos profissionais, mas também uma maior valorização da classe contábil, que erá mais condições de melhorar a qualidade das informações prestadas e, por consequência, elevar sua credibilidade.

Programas do CFC fazem parte de plano de supervisão da CVM

O Programa de Educação Profissional Continuada (PEPC) e o de Revisão Externa do Controle de Qualidade dos Auditores Independentes, ambos desenvolvidos pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), em parceria com o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), constam do Plano Bienal 2015-2016 de Supervisão Baseada em Risco da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como parte das atividades de acompanhamento e fiscalização dos auditores independentes. Omodelo de Supervisão Baseada em Risco (SBR), adotado pela CVM em 2009, consolidou as ações de acompanhamento dos auditores independentes no biênio passado – 2013-2014. Um convênio foi asinado entre o CFC e a CVM, em 2013, “com a finalidade de viabilizar a aproximação das duas instituições no que tange ao acompanhamento da atividade do auditor independente”. O Plano Bienal 2015-2016 da CVM está disponível em www.cvm.gov.br.

RBC - O CFC, em parceria com o Ibracon, entre outras entidades contábeis, tem interagido com órgãos normativos, como o Banco Central, a CVM, a Susep, o Coaf e outros, para regulamentar a aplicação de determinadas leis no âmbito da área contábil. Exemplos são a Lei de Lavagem de Dinheiro (n.º 9.613/98, alterada pela n.º 12.683/12) e a Lei Anticorrupção (n.º 12.846/13). O sr. acredita que as entidades da área contábil estão respondendo devidamente às necessidades de interesse público? O que mais as entidades da classe podem fazer no sentido de proteger os interesses da sociedade?

Idésio Coelho – Sim, entendo que as entidades da área contábil têm interagido ativamente com esses órgãos normativos. Exemplo disso foi a regulação da Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro por parte do CFC, que contou com o apoio do Ibracon e da Fenacon. Acredito que o processo contínuo de educação e orientação aos profissionais da contabilidade é fundamental para que estejamos preparados a enfrentar os desafios impostos à profissão.

RBC - A Petrobras, envolvida em uma série de denúncias de desvio bilionário de dinheiro, publicou, em janeiro de 2015, balanço não auditado, uma vez que a empresa de auditoria se negou a assinar o balanço. Quais os riscos dessa situação para todos os envolvidos: Petrobras, empresa de auditoria, mercado e stakeholders?

Idésio Coelho – O Ibracon não comenta casos específicos. De maneira geral, embora não seja usual, um balanço pode ser publicado sem o relatório do auditor. Como a missão central da auditoria independente é aumentar a credibilidade da demonstração contábil apresentada, é fácil deduzir que uma empresa corre riscos de sofrer abalos de confiança. Mas a auditoria está em seu direito de não se sentir confortável para emitir um relatório sobre as demonstrações contábeis.

RBC - A Revisão Externa de Qualidade, a chamada “revisão pelos pares”, é considerada elemento essencial de garantia da qualidade dos serviços de auditoria independente. Com base na Instrução Normativa nº 308/99, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o CFC e o Ibracon criaram o Comitê Administrador do Programa de Revisão Externa de Qualidade (CRE). Como o sr. avalia a realização desse trabalho e os efeitos da revisão pelos pares?

Idésio Coelho – Internacionalmente, a Revisão Externa de Qualidade de fato é considerada essencial para a manutenção da qualidade dos serviços de auditoria independente. No Brasil, não é diferente. A revisão pelos pares assegura que a firma de auditoria independente atue em conformidade com as Normas Brasileiras de Contabilidade Técnicas e Profissionais, editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade, e com outras normas que se apliquem. Entendo como um avanço importante para a melhoria da qualidade das auditorias independentes, tornando-as mais relevantes para o mercado.

RBC - Há críticas de empresas brasileiras que operam na bolsa de valores americana (NYSE) de que o custo da conformidade com, lei americana Sarbanes-Oxley (criada em 2002) excede em muito os benefícios. O sr. Concorda com essas críticas? Como o sr. avalia a eficácia da SOx após mais de 10 anos?

Idésio Coelho – Não concordo. Algumas empresas fazem criticas dessa natureza, mas são minoria. Além disso, não se consegue quantificar os benefícios decorrentes da conformidade com tal legislação. Os custos são facilmente quantificáveis em termos monetários, mas os benefícios não. É como um seguro: a pessoa faz na esperança de não usar, mas, se precisar, a cobertura estará lá para ser usada. A conformidade com a referida legislação, notadamente, a melhoria dos controles internos, pode evitar o uso inadequado dos recursos da companhia. Um ambiente eficaz de controle pode prevenir Inconformidades com as respectivas legislações, as quais poderiam levar a desembolsos muito significativos para fazer face a multas impostas pela justiça e reguladores, além de afetar negativa e relevantemente a imagem da entidade no seu mercado de atuação.


Fonte: Revista Brasileira de Contabilidade - Ano XLIV nº211-Jan/Fev 2015

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